No dia 7 de junho de 2018 estive em Angra dos Reis para acompanhar a abertura dos trabalhos da Comissão da Verdade da Escravidão em Angra dos Reis, cujo centro da discussão era o Quilombo Santa Rita do Bracuí. Na parte da manhã, a audiência aconteceu na OAB e, na parte da tarde, na Câmara dos Vereadores. A filmagem completa da audiência pública pode ser acessada aqui.
Foi renovador e motivo de muita alegria acompanhar, na Ordem dos Advogados do Brasil e na Câmara, o reconhecimento público, na cidade, da divida histórica do Estado brasileiro com a comunidade do Bracuí. Uma dívida que envolve os crimes de escravização ilegal, após os tratados de 1831, a não legalização das terras recebidas pela comunidade após a doação do antigo senhor, em 1878, e a negação dos direitos quilombolas desde a autodeclaração em 1999.
Conduzida por Marilda de Souza Francisco, a comunidade, representada especialmente por seus jovens, estava presente. Suas intervenções foram marcantes, transformando aqueles distantes espaços de poder, em casas realmente do povo negro e quilombola. Como historiadoras e educadoras, parceiras da comunidade há pelo menos 10 anos, eu, Hebe Mattos, Elaine Monteiro e Keila Grinberg, pudemos verificar, de forma profunda e gratificante, os melhores sentidos do saber produzido na universidade. Poucas são as ocasiões em que podemos sentir e viver a força de nossa pesquisa e trabalho de extensão ao lado de comunidades negras e quilombolas. Obrigado Bracuí, por mais essa parceria! A Universidade continuará presente!
A participação de advogados, vereadores, professores e pesquisadores de diversas instituições, como UFF, UFRRJ, UFRN, Estácio de Sá, Secretaria estadual e municipal de educação, selou um compromisso bastante amplo de apoio às demandas do Quilombo e de fiscalização e denúncia das injustiças e violências que a comunidade tem sofrido, ao longo do tempo, em relação aos seus direitos básicos à educação, saúde e segurança. A principal vitória foi a própria instalação da Comissão da Verdade, sob a proteção da OAB e coordenação da Dr. Edna Aparecida da Silva Neves, que centralizará as futuras ações de defesa da comunidade.
Mas o momento mais emocionante, sem dúvida, foi proporcionado pela entrada dos jovens jongueiros com suas palmas, vozes, versos de jongo e sons do tambor, interrompendo a audiência na OAB e na Câmara. A força de sua presença e expressão deram a certeza a todos que ali estavam que aquele dia seria mesmo fundamental. Certamente, jamais será esquecido pelas novas gerações. A força da comunidade, desde o século XIX, foi exatamente nunca esquecer seus sofrimentos e seus direitos, tanto a herança recebida em terras, como aquela recebida em tradição oral e versos de jongo. O orgulho quilombola se expressa exatamente na vigorosa memória de um passado de muitas lutas. Marilda, como não poderia deixar de ser, fez questão de lembrar e fazer presente toda a força dos antigos griots da comunidade.
Deixei para o final a informação de que na véspera das audiências a escola quilombola da comunidade havia sido atacada e danificada, como foi noticiado em várias redes sociais. Estávamos todos muito sensibilizados e abalados no dia 7, tanto pelo acorrido, como pela oportunidade de estarmos ali, no centro dos poderes constituídos de Angra dos Reis, e vermos a defesa e a proteção da escola pública quilombola na pauta do processo de reparação. A escola já está de pé, mesmo com a dor de todos os seus docentes, funcionários, pais e alunos; por sua vez, a comunidade do Bracuí inaugurou, no dia 16 de junho, a Arca das Letras, uma biblioteca itinerante. Esse é o Bracuí!!! Muita força, axé e resistência em sua longa história de sofrimento, luta e esperança num futuro melhor.
Estamos juntos!! Vida longa ao quilombo de Santa Rita do Bracuí!!