Histórias que a nossa História já conta

Vibração e movimento

                                                                                                           Monica Lima

“Sou a flor dos campos renascida bela depois da tortura

Sou a mesma mulher serena, mas agora em festa

Neste mundo novo onde vivo não há trabalho escravo

Sou apenas brisa fresca, vibração e movimento (…)”

             Escrava Anastácia, poema de Paulina Chiziane[i]

No dia 25 de julho se celebra o Dia da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha, data comemorativa nascida em 1992 no1º Encontro de Mulheres Negras Latinas e Caribenhas, em Santo Domingos, na República Dominicana, e mais tarde, mas ainda no mesmo ano, incorporada pela ONU. No Brasil a data recebeu lugar oficial pela Lei nº 12.987/2014, sancionada pela presidenta Dilma Rousseff, e nomeada como o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra. A personagem evocada pela data é reconhecida como uma importante liderança do Quilombo do Piolho, em Mato Grosso, no século XVIII.

A produção sobre a história das mulheres negras no Brasil tem crescido muito nas últimas décadas e isso se deve em grande parte a força da presença dessas mulheres no presente, tanto no espaço da vida social como nos espaços acadêmicos. São tantos os estudos que não conseguiria citar aqui sem cometer sérias injustiças, e acredito não ter como conhecer uma produção tão rica em sua totalidade. Nesse sentido, e para que possam ter uma ideia aproximada do estado da arte atual, recomendo vivamente que assistam as lives da Rede de Historiadorxs Negrxs cujos links se encontram no texto de Ana Flávia Magalhães Pinto, aqui mesmo no post. Sabem as histórias que dizem que a história não conta? Pois estão sendo contadas. Aliás, vem sendo pesquisadas e contadas há algum tempo. É hora de pararmos para ouvir, ler, aprender mais.

Vale lembrar que nas universidades, em cursos de Graduação e de Pós-graduação, se vê cada vez mais estudantes negras, e se pode perceber a importância dos estudos em suas vidas, bem como a reverberação das questões que apresentam para esses próprios espaços de formação. A universidade vem se transformando com a presença delas – a duras penas, pois a academia tem um corpo com problemas de flexibilidade – e vem sendo desafiada a se repensar. No espaço universitário essa mudança se vive e observa tanto visualmente como na interação com elas nas salas de aula, reuniões e espaços de troca intelectual. E se pode observar como a vida acadêmica, aliás, mais que isso, a convivência com outros colegas e o lugar que passam a assumir, as transformam. Cabelos se soltam (belos blacks se formam), autoras e autores passam a integrar seus vocabulários e o fazem não deixando de inseri-los em suas circunstâncias. Essas pessoas estão reivindicando cursos com bibliografias mais plurais: mais autorxs negrxs, mais autoras, mais textos produzidos não apenas no domínio das academias europeias e estadunidenses. E a incorporação de outros saberes como referência. Vamos prestar atenção no que dizem.

Tudo isso é para que possamos refletir, sem deixar de celebrar. O dia de hoje, domingo, 26 de julho, vem também ser o dia dedicado aos avós e, no candomblé e umbanda, a Nanã Buruku (ou Buruquê), orixá identificado a com a presença feminina na criação do mundo. Portanto, trata-se de um dia para pensarmos na ancestralidade e na longa história das mulheres negras na diáspora, no seu sofrimento e sua dor, mas, sobretudo, nas possibilidades de criação que temos. Somos “brisa fresca, vibração e movimento” para o mundo.


[i] CHIZIANE, Paulina. O Canto dos Escravos. Maputo: Matiko, 2017,1ªedição, p.89

Sobre silêncios que se quebram e outros que persistem

Hebe Mattos

Em 2018, fui convidada por uma importante instituição de cultura para ministrar um curso de extensão. Quando o curso estava para se realizar, me pediram para enfatizar, entre outros temas, a questão da mulher negra na história abordando, se possível, o recente protagonismo político que o feminismo negro estava tomando no Brasil e no mundo. Por que eu, indaguei, com tantas historiadoras negras, ativistas, e diretamente engajadas com o tema? Ainda dá tempo para indicar outra pessoa? Não dava, a grade estava fechada, o tema teria surgido depois, a partir da demanda dos alunos.  

Pensei em recusar, mas resolvi fazer uma aula sobre algumas experiências recentes na minha vida acadêmica com a questão. Acabara de estar na banca de doutorado da Mariléa Almeida (sobre lideranças femininas quilombolas) e seu texto tinha me inspirado a revisitar os textos da historiadora Beatriz Nascimento para pensar a história do conceito de quilombo na Constituição de 1988 e a procurar conhecer mais sobre a história do feminismo negro no Brasil. Eu constatara, encantada, que Lelia Gonzales e Sueli Carneiro haviam se antecipado a qualquer influência estadunidense ao introduzirem, na prática, a questão da inteseccionalidade aos movimentos negro e feminista brasileiros na década de 1980. Naquele mesmo período, Giovana Xavier, a partir de um texto neste blog, havia movimentado a FLIP daquele ano com a presença de intelectuais negras. Minha aula comentava essas experiências e o que eu aprendera com elas, registrando, delicadamente, o racismo estrutural do convite e da minha tardia aproximação com contribuições tão importantes à historiografia.

A emergência dos intelectuais negros no campo historiográfico brasileiro explodiu como fenômeno nas duas primeiras décadas do século XXI. A nova historiografia sobre história da África, escravidão, pós-abolição e racismo é hoje uma das mais importantes do mundo e tem sido feita, prioritariamente, por historiadoras e historiadores negros. O ponto de vista a partir do qual fazemos nossas perguntas impacta os resultados de pesquisa. Felizmente, a importância dessa historiografia é, hoje, simplesmente incontornável.

Histórias que a nossa História já conta

Ana Flávia Magalhães Pinto

“Brasil chegou a vez de ouvir as Marias, Mahins, Marielles, malês”!

Na semana da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha e sob a inspiração deste hino que nasceu como samba-enredo da Mangueira em 2019, a Rede de Historiadorxs Negrxs (Historiadoras Negras e Historiadores Negros) promoveu a Jornada de História das Mulheres Negras para contar das algumas histórias que a nossa História já conta!

A frase é feita de repetições de palavras que marcam o ofício e os sujeitos do ofício, mas isso é necessário em tempos que cobram a demonstração de que “Vidas Negras Importam”, não apenas como tema ou objeto.

E, de fato, no fim das tardes de 21 a 24 de julho, uma maioria de historiadoras negras e também alguns historiadores negros de todas as regiões do Brasil compartilharam projetos, resultados parciais e trabalhos de pesquisa já concluídos, abarcando uma temporalidade que remete em especial aos séculos XIX e XX.

Essa foi mais uma ação em defesa do direito à história da gente negra que busca fortalecer o diálogo com um público crescente e diverso, interessado na produção de conhecimento antirracista e antissexista.

Todas as comunicações estão arquivadas no perfil do Instagram da Rede de Historiadorxs Negrxs e podem ser acessadas por meio dos links disponíveis na lista a seguir.

Na quinta-feira (30) e na sexta-feira (31), às 20h, teremos ainda a honra de receber, respectivamente, Sueli Carneiro (Coordenadora Executiva do Geledés – Instituto da Mulher Negra e filósofa) e Valdecir Nascimento (Coordenadora Executiva do Odara – Instituto da Mulher Negra e historiadora) para refletir sobre outros protagonismos de mulheres negra no Brasil e em demais pontos do território amefricano, na definição de Lélia Gonzales.

Dia 1 – 21 de julho

1 – Mulheres africanas: corpos e marcas na era do tráfico ilegal em cidades oitocentistas – Iamara Viana e Flávio Gomes;

2 – As Mulheres Negras das Ruas de São Luís do Maranhão sob a ótica do Jornal Publicador Maranhense (1821-1850) – Iraneide Soares;

3 – “Se Tem Tornado Insubordinada, a Ponto de Não Querer Obedece-lo”: a luta por emancipação da africana livre Benedita, Maceió (1850-1861) – Danilo Luiz Marques;

4 – A política das mulheres de elite: o caso da “morena” Amanda Paranaguá, dama de companhia na Corte do Brasil (1854-1889) – Itan Cruz;

5 – As Mães dos ingênuos por força da Lei de 1871 – Lucimar Felisberto dos Santos;

6 – Sabina da Cruz: a história da mulher que denunciou o levante dos Malês – Luciana Brito;

7 – Para serem donas de si: mulheres negras lutando em família (Feira de Santana, Bahia, 1871-1888) – Karine Teixeira Damasceno.

Dia 2 – 22 de julho

1 – Da educação primária ao ensino superior: O Desafio das mulheres de cor trabalhadoras para alcançar a educação escolar entre o final do século XIX e o início do século XX – Mayara Santos e Jucimar Cerqueira;

2 – Professora Coema e o “início” da manhã da família Hemetério dos Santos (1888-1920) – Luara Santos;

3 – Sarah Maldoror: cinema, redes femininas e luta anticolonial em Angola – Leandro Bulhões;

4 – O TEN das mulheres: Teatro, política, gênero e raça na década de 1940 – Cyda Moreno e Flávio Gomes;

5 – Trabalhadoras Negras em Maceió: experiência e cotidiano no pós-abolição – Sandra Sena

6 – Gênero, raça e classe: feminismos no Brasil entre as décadas de 1940 e 1960 – Iracélli da Cruz Alves.

Dia 3 – 23 de julho

1 – Benzedeiras Quilombolas: cuidados com o corpo e com a lavoura no litoral do Rio Grande do Sul – Claudia Daiane Garcia Molet

2 – Entre o tecer de redes e o arrastar de lamas: experiências de mulheres marisqueiras na comunidade Quilombola de Santiago do Iguape – Ana Paula Cruz;

3 – Mulheres Quilombolas na luta contra ao racismo ambiental – Silvane Silva;

4 – Mulheres negras e a defesa do direito à terra em Belo Horizonte-MG – Josemeire Alves;

5 – O direito à maternidade: Relatório da CPMI de 1992, esterilização em massa de mulheres negras e eugenia (Parte 1 e Parte 2) – Sabrina Cristina Queiroz Silva.

Dia 4 – 24 de julho

1 – “Expelho de Oxum”: memórias e representações de corpos subalternizados em escrevivências de mulheres da Diáspora Africana – Edinelia Maria Oliveira Souza;

2 – A “mulata trágica”: repensando a categoria mulata no Brasil – Angélica Ferrarez de Almeida;

3 – As rainhas do maxixe: gênero e raça no teatro de revista carioca (1889-1920) – Juliana Pereira;

4 – Beatriz do Nascimento – Quilombo como um território existencial e físico – Mariléa de Almeida;

5 – Luiza Bairros – uma bem lembrada entre nós – Ana Flávia Magalhães Pinto.

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