Arquivo do autor:Papo Coletivo

Sobre Papo Coletivo

Além da parceria Hebe e Martha, muitos outros textos coletivos podem surgir das nossas conversas, escritos a 4, 6, 8, 10 ou 12 mãos. A caneca sobre os livros simbolizará este papo coletivo. As autoras assinarão o post.

Historiador@s Conversam?

Caros colegas

Foi com estupefação que lemos as cartas abertas sobre o Decreto 11 437 de 17 de março de 2023 que circularam nas redes sociais na última semana, denunciando que com tal Decreto, o Ministério da Gestão e Inovação criado pelo governo Lula e a nova Diretora Geral do Arquivo Nacional, Ana Flavia Magalhães, estariam ameaçando o funcionamento do Arquivo Nacional. Acusação quase inacreditável.

Logo percebemos que o problema de fundo estaria em reorganizações internas implementadas pelo Decreto, muitas decorrentes do regimento aprovado pelo colegiado do Arquivo Nacional em 2022, outras consideradas necessárias à implementação do novo projeto de gestão, diametralmente oposto a qualquer ideia “de terceirização ou guarda compartilhada de documentos públicos”, como já bem esclareceu a nota do MGI de 3 de abril sobre a questão.

Se podem existir questionamentos funcionais em relação à reorganização técnica e administrativa que está sendo implementada, que isso continue a ser discutido e, se for o caso, negociado e revisto. Muito diferente e muito grave é atribuir à nova gestão a implementação  de uma possível porta de entrada para um projeto de terceirização dos serviços arquivísticos.

O Decreto 11 437 deixa claro logo no primeiro item do Art. 54 que:  “Ao Arquivo Nacional, órgão central do Siga, compete: I – implementar e acompanhar, no âmbito da administração pública federal, a política nacional de arquivos públicos e privados, definida pelo Conselho Nacional de Arquivos – Conarq, nos termos da Lei nº 8.159, de 8 de janeiro de 1991.” Em seu discurso de posse, que vale a pena ser lido, Ana Flavia defendeu e defende, como também o fazem todas as cartas abertas e comentários que lemos, incluindo a nota do MGI, “a competência exclusiva do Arquivo Nacional para garantir a preservação e acesso por toda sociedade ao patrimônio arquivístico da nação brasileira”. 

Aos que estão verdadeiramente preocupados em discutir as decisões divulgadas no decreto 11 437, reiteramos o óbvio. Os interlocutores são nossa brava colega Ana Flávia Magalhães Pinto e o governo Lula. Se os esforços já realizados por Ana Flávia, em menos de um mês de mandato,  sobretudo para conversar com a equipe de funcionários do arquivo, ainda não abriram todos os canais de diálogo necessários, há tempo de sobra para fazer isso. Acreditamos na força do diálogo. Vamos conversar!

Hebe Mattos (UFJF/UFF)

Keila Grinberg (University of Pittsburgh/ UNIRIO)

Martha Abreu (UFF/ UERJ-UFP)

Mônica Lima (UFRJ)

Alvaro Nascimento (UFRRJ)

André Cabral Honor (UnB)

Benito Schmidt (UFRGS)

Eloísa Pereira Barroso (UnB)

Fernanda Oliveira da Silva (UFRGS)

Fernanda Thomaz (UFJF)

Francisco Carlos Teixeira da Silva (UFRJ/UFJF)

Marcelo Magalhães (UNIRIO)

Marcus Vinícius de Freitas Rosa (UFRGS)

Melina Kleinert Perussato (UFRGS)

Neuma Brilhante (UnB)

Patrícia Alves-Melo (UFAM)

Rodrigo de Azevedo Weimer (APERS/UFRGS)

Sarah Calvi Amaral Silva (UFRGS)

Sidney Chalhoub (Harvard University/ UNICAMP)

Tiago Gil (UNB)

2 Comentários

Arquivado em antiracismo, democracia

Sob Nova Direção (Registro da Posse de Ana Flávia Magalhães Pinto como Diretora Geral do Arquivo Nacional)

As historiadoras do Projeto Passados Presentes, bem como parte expressiva da comunidade que faz pesquisa em história no Rio de Janeiro, marcaram presença na posse da nossa companheira de Blog, Ana Flávia Magalhães Pinto, como Diretora Geral do Arquivo Nacional, na sexta-feira, 17 de março, no Centro do Rio de Janeiro, sob o olhar orgulhoso da grande Sueli Carneiro.

KEILA GRINBERG, MÔNICA LIMA, HEBE MATTOS E MARTHA ABREU, COORDENADORAS DO PROJETO PASSADOS PRESENTES.

HISTORIADORES, PRESENTES! Na foto acima, Fernanda Crespo, Amilcar Pereira, Alvaro Nascimento, Alessandra Tavares, Martha Abreu, Janete Ribeiro, Ivana Stolze Lima, Alexandre Fortes, Fabiane Popinigis, Hebe Mattos, Fernanda Bicalho, Maria Regina Celestino, Angela de Castro Gomes, Marcus Vinícius de Oliveira, Elson de Assis Rabelo, (agachados da esquerda para a diteita) João Paulo Lopes, Vinicius Natal e Gabriel Gabu. Na foto abaixo e no cabeçalho do artigo, Janete Ribeiro, Monica Lima, Amilcar Pereira, Leandro Bulhões, Alvaro Nascimento, Dom Filó, Ana Flavia Magalhaes Pinto, João Paulo Lopes, Diana Souza, Marcus Vinícius Oliveira, Elson de Assis Rabelo e Alessandra Tavares

Foi uma cerimônia histórica, encaminhada pela voz potente e emocionante de Hilton Cobra e pela prosa de Lima Barreto. Com a participação de duas ministras de estado e outros representantes do Ministério da Gestão e Inovação, com discursos de Sueli Carneiro, do historiador indígena Edson Kaiapó e da ativista feminista trans Sarah Wagner York. Com direito a cantar o hino nacional à capela e a encontrar Conceição Evaristo e muita gente bacana na plateia. As fotos abaixo, em sua maioria pelo celular de Hebe Mattos, não são profissionais, mas dão boa ideia da emoção do evento.

Conceição Evaristo com Equede Sinha.

Lúcia Grimberg e Keila Grinberg, Maria Fernanda Bicalho e Ângela de Castro Gomes, Hebe, Martha, Eric Brasil e Yaci Maia, Hildete Pereira. Nas demais fotos: Maria Regina Celestino, Mônica Lima, Alvaro Nascimento, Hebe Mattos, Martha Abreu e Amilcar Pereira.

Ana Flávia Magalhães Pinto com Hebe Mattos, Alvaro Nascimento, Alexandre Fortes e Fabiane Popiginis. Na foto embaixo, Edson Kaiapó e parentes.

Os Arquivos Nacionais são instituições centrais para a gestão da memória nacional. Como a cerimônia de posse bem sinalizou, uma historiadora brilhante, corajosa e inovadora está a frente do AN!!!!! Parabéns e boa sorte, Ana Flávia!!!!!!

Ana Flávia Magalhães Pinto e a equipe que assume com ela a direção do Arquivo Nacional, Eric Brasil, Leandro Bulhões, Gecilda Esteves, Diana Souza, Monica Lima, Jader Moraes e Fabio Costa de Souza.

3 Comentários

Arquivado em história e memória

O Conversas de Historiadoras pede passagem em 2023

Muito ocupadas (como de hábito) desde as eleições, voltamos agora para saudar o novo ano e a vitória da democracia. Não prometemos periodicidade, mas o blog continua ativo.

Aproveitamos para convidar todos que estiverem no Rio para uma conversa com Hebe Mattos e Mônica Lima na livraria da Travessa, em Botafogo, para o lançamento do livro Cartas de África, de André Rebouças, organizado por Hebe Mattos. Martha Abreu garantiu presença e Keila Grinberg fez uma linda resenha sobre a obra para o site da editora, que reproduzimos logo depois do convite. Vale a leitura.

O SOL AFRICANO DE ANDRÉ REBOUÇAS

Keila Grinberg

“Necessito de floresta virgem e de sol africano.” É assim que André Rebouças se despede de Antônio Júlio Machado, responsável pelo projeto de construção da estrada de ferro de Luanda a Ambaca, em Angola. André escrevia de Marselha, de onde tentava conseguir emprego para ir trabalhar na África. Era fevereiro de 1892, e d. Pedro ii falecera alguns meses antes, em Paris. Rebouças tinha saído do Brasil com a deposição da Monarquia, em novembro de 1889, e acompanhara a família imperial em seu exílio em Portugal e na França. A morte do imperador, por quem Rebouças devotava verdadeira veneração, havia sido um golpe duro, e ele nem cogitava retornar ao Brasil.

Na carta seguinte, endereçada ao seu grande amigo Taunay, explica seus planos: “Nada posso fazer de melhor do que ir à Africa: escrever um livro tolstoico — Em torno d’África — e esperar por lá que termine a expiação aguda dos seculares pecados do Brasil escravocrata e monopolizador de terras em latifúndios indefinidos”. Em fins de março, André embarca no navio Malange, de onde segue para Moçambique. Não retornaria ao Brasil. Desgostoso com o país, estava decidido a dar o resto de sua vida “ao continente de seus pré-avós africanos”.

Com organização de Hebe Mattos, Cartas da África: registro de correspondência, 1891-1893, de André Rebouças, é uma seleção de cartas, quase todas inéditas, escritas entre outubro de 1891 e julho de 1893. Conhecido por seus diários, André também guardava em cadernos cópias das cartas que enviava — de onde saiu o material publicado agora. Nem bem lançado, o livro, primeiro volume de uma série de cinco devotada aos escritos de André Rebouças, já estava entre os melhores lançamentos de 2022. Cartas da África não só é um dos lançamentos mais importantes de 2022, mas é livro para se tornar referência imediata para especialistas e interessados no tema.

Em primeiro lugar, por trazer novidades fundamentais para o estudo da vida e do pensamento de André Rebouças, um dos maiores intelectuais de seu tempo. Resultado de décadas de pesquisa, as cartas do exílio eram praticamente desconhecidas até mesmo dos estudiosos. Foram organizadas de forma a demonstrar o cotidiano, os percalços e, principalmente, as visões de André Rebouças. Ao lê-las, conhecemos um homem com saudade dos amigos, preocupadíssimo com os rumos do Brasil, atento ao que se passava nas repúblicas vizinhas da Argentina e do Chile e, principalmente, à sua volta. Não escaparam de seus olhos episódios de violência em Lourenço Marques, atual Maputo, em Moçambique, e principalmente em Barberton, na África do Sul, que Rebouças relaciona à violência racial e às práticas da escravização.

A escolha de iniciar o mergulho na correspondência de André antes de sua viagem à África foi particularmente feliz. As cartas do período da morte de d. Pedro ii mostram que a decisão de deixar a França e não retornar ao Brasil está relacionada à ausência de perspectivas que o falecimento do monarca significava para ele. Afinal, como escreve em agosto de 1892 a seu amigo Rangel da Costa, “o Brasil sem d. Pedro ii […] parece-me o vácuo, a venialidade”. Rebouças abominava o regime republicano como havia sido implantado no Brasil. Na mesma carta, continua: “E essa pobre gente? Ainda não compreendendo em que foram conquistados por militares ambiciosos e por politicantes e agiotas sem o mínimo exemplo? Se o Brasil pudesse ser república, desde muito o presidente seria Pedro ii e o secretário André Rebouças. Sair da senzala da escravidão e embarafundar pelo quartel da soldadesca sanguinária e bárbara, sem remorsos de fuzilar e bombardear, não é fazer república, é baixar ao último degrau da barbárie”. Cartas da África se encerra com a chegada de Rebouças a Funchal, onde viveria até sua morte, em 1898. As cartas desse período serão publicadas no último livro da série.

Tão importante quanto a organização e a divulgação das cartas de exílio é a belíssima leitura que Hebe Mattos faz no posfácio. O André Rebouças que ela apresenta não é o patrono da engenharia brasileira, título pelo qual ele e seu irmão Antônio Pereira Rebouças Filho são mais conhecidos, mas o abolicionista monarquista e sua aguda percepção racial. Mesmo desiludido com o Brasil, Rebouças não deixava de combater os interesses escravocratas onde os percebia, e via a si próprio cada vez mais como africano.

Hebe reflete sobre a trajetória dos Rebouças no contexto da institucionalização do racismo brasileiro e dos “dolorosos processos de branqueamento” que tanto ainda marcam a sociedade brasileira. Se, como Hebe argumenta, o próprio André não foi embranquecido pela memória coletiva posterior, a história de sua família foi comumente celebrada como prova da possibilidade de ascensão social dos negros livres no Império e, depois, como evidência da inexistência de racismo no Brasil. Mas a análise de Hebe mostra justamente o contrário.

Na década de 1890, o que André queria era encontrar a paz no sol africano e na floresta virgem — cuja obrigação de civilizar, aliás, cabia aos europeus, que tanto haviam lucrado com séculos de escravização. Vencido pela melancolia, viveu plenamente sua “dupla consciência”, expressão usada por Paul Gilroy em O Atlântico negro para definir o profundo dilema da modernidade, que, em larga medida, foi enfrentado por Rebouças em toda a sua existência: o do homem universal, crente na ciência e no potencial redentor da civilização ocidental e ao mesmo tempo profundamente consciente de sua negritude e de seu próprio passado africano. Impossível continuar a ver André Rebouças da mesma maneira depois de ler o posfácio de Hebe Mattos.

Devo concluir advertindo que sou mais do que suspeita para escrever sobre Cartas da África. Sou fã de carteirinha das edições da Chão, uma das iniciativas mais instigantes do meio editorial brasileiro e um presente para nós, historiadores. Além disso, estudo a família Rebouças há mais de vinte anos, e embora Hebe generosamente afirme que nós duas dividimos achados e reflexões sobre o tema, a verdade é que sou eu que sigo seus passos. Por isso, se fosse a leitora deste texto, eu desconfiaria e correria à livraria mais próxima para ler Cartas da África por conta própria.

1 comentário

Arquivado em #Democracia, #República, história e memória, Pos-abolição

É Dia de Voto!

Vale a pena conferir o lindo painel da ANPUH nacional, no site HISTÓRIA ABERTA, com dezenas de depoimentos de “Como Vota a Comunidade Historiadora?

As historiadoras do blog atuaram ativamente no período eleitoral, com artigos de opinião em diversos veículos. Reproduzimos aqui o depoimento das coordenadoras do projeto Passados Presentes, que participaram da chamada da ANPUH NACIONAL, para registro aos que nos acompanham e na esperança de que a democracia vencerá a eleição mais decisiva da nossa história.

Sou Hebe Mattos. Historiadora. Professora da UFJF e da UFF. Meu voto é público e todos que me acompanham o conhecem. Voto Lula13, sobretudo e antes de tudo pelo futuro do planeta e da democracia no Brasil.

Como profissional de história que pesquisa sociedades escravistas e pós-escravistas no mundo atlântico, tornei-me ativista antirracista. Como avó de três netos de uma família homoafetiva, sou parceira em tempo integral da luta por direitos da comunidade LGBTQIA+. Como intelectual, os limites colocados pelo modelo de desenvolvimento capitalista em vigor à construção de uma sociedade menos desigual e ao futuro da vida no planeta são questões que considero centrais em qualquer eleição. Neste cenário, Lula sempre foi o meu candidato.

Não porque tenha respostas a todas as minhas demandas, mas porque ele e seu partido, o PT, quando governaram o Brasil, souberam canalizar, democraticamente, as divergências e potencialidades do país para implementar reformas possíveis e há muito demandadas pelos movimentos negro, ambientalista, de trabalhadores e pela igualdade de gênero.

A espiral reacionária que enfrentamos é resposta ao muito que avançamos. Sua força é a força do passado, avisamos nós, que participamos do movimento historiadores pela democracia em 2016.

Naquele momento, o Brasil dava o passo decisivo para quebrar o frágil equilíbrio da república de 1988. O atual presidente e todo o seu show de horrores são consequências lógicas do teatro macabro daquele 17 de abril, em que um então deputado votou em homenagem a um torturador e à ditadura militar e foi aplaudido no congresso nacional. A prisão ilegal de Lula e a eleição de um presidente de extrema direita foram desdobramentos da caixa de pandora então e ainda aberta.

Como historiadora, não subestimo a força do passado. Como democrata, procuro saídas para construir diálogo político com todos os eleitos no primeiro turno dessa eleição. Incluindo os representantes do movimento reacionário ora no poder. Lula é a pessoa certa no lugar certo. Precisamos de sua capacidade de diálogo e escuta.

Esta eleição tem a força de um plebiscito entre democracia e autocracia, entre cidadania para todos e a institucionalização do ethos colonial que informa a história profunda do país. Um país que gere a maior reserva verde do planeta. Estou preocupada e, ao mesmo tempo, esperançosa. Não temos plano B, mas temos Lula.

Faço parte de uma geração que não lutou diretamente contra ditadura. Éramos muito jovens. Minha geração lutou mesmo pela redemocratização, pelas Diretas já e por uma Constituição que garantisse direitos a todos. Ditadura nunca mais!!! A partir do final dos anos 1970 e ao longo dos anos 1980, participamos do renascimento do movimento estudantil, do movimento de bairros, de mulheres, de professores, do movimento dos meninos de rua e das lutas pelas Diretas Já! Para quem era professor nos anos 1980, foi com muita esperança que vivemos a política dos CIEPS no Rio de Janeiro, que conseguimos acabar com o famigerado Estudos Sociais implantados na ditadura, que ajudamos a construir o Estatuto da Criança e do Adolescente e que aprendemos a importância da memória para as lutas políticas. Acompanhamos o nascimento do PT, do MST e do movimento LGBT, assim como o crescimento dos movimentos negro e indígena. Nos anos 1980, sentíamos que era possível mudar, transformar, construir e sonhar.

Estamos de novo num momento de ter esperança de um tempo melhor e de reconstruir o que foi violentamente interrompido e despedaçado. Voltar a sonhar para mim é também não esquecer! Não esquecer tudo o que vivi e vivemos como professores, como professores de história, entre 2003 e 2016: as políticas educacionais, tão visíveis no investimento em pesquisa, distribuição de livros didáticos, Leis como 11635, ampliação do número de universidades, institutos federais e ações afirmativas; e as políticas culturais inclusivas, que ampliaram a cidadania e a distribuição de renda, ao reconhecerem os patrimônios das culturas negras, indígenas e populares.

Nós não vamos esquecer! O voto em Lula é para mantermos e ampliarmos os direitos conquistados, para continuarmos a ter esperança em um Brasil diverso, antirracista e inclusivo, onde tenhamos direito à história, uma história justa para todxs.

Voltar a sonhar é votar em Lula 2022!

Martha Abreu é professora do programa de pós-graduação em História da Universidade Federal Fluminense.

Nesse domingo eu não vou votar. Morando nos Estados Unidos, tive que fazer a escolha – esta sim, muito difícil — entre o primeiro e o segundo turnos. Apostei no primeiro, ajudei a eleger duas deputadas, perdi no senado e no governo do Estado do Rio de Janeiro, e como faço desde 1989, votei no PT para presidente.

Como historiadora da escravidão e do direito, não concebo que seja possível votar em outro candidato que não o Lula. Quando se trata da luta por direitos, a prioridade máxima é a da luta antirracista. É claro que há ainda um longuíssimo caminho a percorrer para romper de vez com o privilégio branco; mas não podemos admitir nenhum retrocesso, nem compactuar com falas e práticas racistas pregadas pelo atual governo.

Voto em defesa das famílias brasileiras. Famílias com mães e avós solteiras, dois pais, duas mães, um pai e uma mãe, e qualquer outra configuração gerada pelo amor. A minha é composta por duas mulheres, duas filhas, três enteados e um ex-marido. Não há lugar para ela no Brasil do atual presidente.

Voto também em defesa das religiões. A batalha pelo reconhecimento da diversidade religiosa será longa, e não avançaremos se não reconhecermos a legitimidade de todas as crenças e descrenças da nossa sociedade. Eu, judia descrente, defendo até mais não poder o direito de cada um poder ir à sua igreja, ao seu terreiro, à sua sinagoga. É como judia também que voto no Lula, assim como votaria em qualquer candidato que se contrapusesse ao fascismo; e hoje nenhum de nós pode dizer que não sabia que o atual governo tem o fascismo como princípio. Os judeus que se aliam à extrema direita dão as costas para a História. Zombam dos seus antepassados.

Por fim, voto como cidadã deste planeta. Voto pela Amazônia. Com o Lula lá, talvez, quem sabe, ainda haja uma possibilidade de revertermos o fim da maior floresta do mundo. É a nossa única chance de deixar algum legado para nossos filhos e netos.

No domingo, estarei com o coração no Brasil, acompanhando a apuração com ansiedade e esperança. Será difícil. Mas desde quando foi fácil?

Keila Grinberg é professora titular licenciada do Departamento de História da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro e professora titular do Departamento de História e Diretora do Center for Latin American Studies da Universidade de Pittsburgh.

1 comentário

Arquivado em #Democracia

200 anos de um país chamado Brasil: é preciso contar outra história.

No ano do bicentenário da independência, o Conversa de Historiadoras entra no debate com o que fazemos de melhor: ensinar.

Originalmente ministrado pelo Canal da Escola de História da UNIRIO no youtube, em 2020, o curso “Emancipações e Pós-Abolição: Por Uma Outra História do Brasil (1808-2020)” ganha agora site próprio.

Emancipações e Pós-abolição: por uma outra história do Brasil – http://numemunirio.org/pos-abolicao

Nele, os duzentos anos de História do Brasil independente são explicados e debatidos a partir de seus principais pilares: o tráfico de africanos escravizados e a escravidão.

Somos oito professoras de universidades publicas brasileiras, discutindo temas como a resistência à escravização, a luta pela liberdade, a cultura negra, as lutas por direitos e o racismo.

O curso agora fica acessível ao grande público em dois formatos: a aula ao vivo, seguida do debate, e o video com a palestra inicial, editado para fins educacionais. Financiado pela FAPERJ, este curso evidencia o compromisso das universidades públicas brasileiras com a ciência, a produção do conhecimento de excelência e a divulgação científica de qualidade.

Vejam o trailer, assistam as aulas, divulguem!

=

1 comentário

Arquivado em história pública, historiografia

O CAPANEMA É NOSSO … por Márcia Chuva

No dia 13 de agosto, foi publicada, no jornal Valor Econômico, a notícia da intenção do governo federal incluir o Palácio Capanema no feirão de imóveis da União. A reação a tal notícia foi tamanha, vinda de todos os lados que no dia seguinte o governo pareceu ter recuado dessa intenção. Verificamos, contudo, que o Capanema não somente permaneceu na lista como nela estão incluídos talvez todos os imóveis da União na cidade do Rio de Janeiro, sem qualquer critério seletivo evidente. A intenção, ao que parece, é saber quais deles receberão alguma intenção de compra.

Desse grande escárnio e imbróglio, saltou-me aos olhos a imensa repercussão que teve a notícia da venda do Palácio Capanema, não pelo seu valor, é claro, mas por ser indício do contexto distópico em que vivemos, no qual tamanho descalabro pode tornar-se crível, e ser vivido como uma ameaça real e não simplesmente uma brincadeira de mau gosto. Por isso mesmo, nesses tempos tão sombrios, torna-se urgente e ainda mais necessário lutar pela preservação desse edifício, pelo que representa e pela história nele incorporada.  

O Palácio Capanema – antigo Ministério da Educação e Saúde Pública – não se trata apenas de um “edifício público desocupado e obsoleto” como o governo federal e inúmeras notícias desencontradas que saíram na imprensa tentaram qualificar naquela sexta feira 13. A luta, de fato, é contra uma prática política destrutiva, mórbida e perversa. Contra o despejo da Cultura, pois o Capanema não está vazio.

A construção desse edifício teve início em 1937, tendo sido inaugurado em 1945. Sua construção coincidiu com todo o período do Estado Novo, regime autoritário instalado por Getúlio Vargas no Brasil e sua inauguração se deu poucos dias antes da destituição de Vargas e do fim do regime. Foi durante a gestão de Gustavo Capanema a frente do Ministério da Educação e Saúde Pública (1934-1945) – os famosos Tempos de Capanema – que esse projeto foi desenvolvido, graças ao empenho do ministro, conhecido pelo prestígio que tinha junto ao Vargas e pelo poder e força do seu ministério. A denominação de Palácio Gustavo Capanema (ou somente Palácio Capanema) veio muitas décadas depois, após a morte do ex-ministro em 1985, ano também da criação do Ministério da Cultura. Embora extinto pelo atual governo, as instituições a ele vinculadas persistem e ocupam majoritariamente o edifício.

Aos tempos de Capanema se superpõe o período da 2ª Guerra Mundial também e dois aspectos podem ser ainda destacados desse contexto. O primeiro deles, é que, se por um lado o foco da tecnologia e da ciência estava voltado para a guerra, a destruição e seus efeitos, aqui no Brasil a tecnologia voltava-se também para a construção do novo sem com isso destruir os traços do passado – ambos, passado e presente, postos lado a lado para simbolizar a nação brasileira moderna projetada, na forma de utopia. A nação era projetada também de forma objetiva e planejada, o que remete ao segundo aspecto: a industrialização em curso naquele contexto, como parte de um projeto de construção de um país auto-suficiente, não dependente. Medidas no plano econômico e no plano diplomático tiveram que ser adotadas para que o moderno ministério fosse construído, pois era preciso ter cálculo político e jogo de cintura para lidar com as grandes potências em guerra.

Mas esse contexto ainda não bastaria para justificar a importância e a singularidade desse edifício, que se tornou um ícone da arquitetura moderna no Brasil e no mundo. Os aspectos formais do projeto arquitetônico também expressam essa utopia moderna, a vontade de construção de uma nação soberana, ancorada na institucionalização de políticas de cultura, educação e saúde pública e gratuita, planejadas pela primeira vez em âmbito nacional, a fim de um dia alcançar todos os cidadãos brasileiros.

O edifício foi projetado por um grupo de arquitetos ligados ao movimento moderno da arquitetura brasileira, Afonso Reidy, Carlos Leão, Ernani Vasconcellos, Jorge Moreira, o recém-formado Oscar Niemeyer, liderados por Lucio Costa. O grupo trabalhou em cima das ideias lançadas por Le Corbusier, o renomado arquiteto modernista de origem suíça, que na ocasião esteve com Lucio Costa, no Rio de Janeiro.

Trata-se do primeiro edifício construído no âmbito desse movimento, naquelas dimensões. Obedecendo aos princípios do modernismo, seus autores deixaram aparentes os materiais utilizados, que deveriam adotar tecnologia e materiais contemporâneos ao seu próprio tempo. Ao mesmo tempo, introduzem elementos que consideravam lições do modo de construir dos tempos coloniais, relativos à insolação, luminosidade e circulação de ar.

Pano de vidro da fachada sul. Autor: Oscar Liberal – IPHAN.

As janelas amplas fazendo um pano extenso de vidro na fachada capaz de captar luminosidade e ventilação naturais postos de um lado da edificação, em conexão com o brise-soleil na outra vertente do edifício garantem uma ventilação cruzada.

Brise-soleil da fachada norte. Autor: Oscar Liberal – IPHAN

São inúmeras as obras de arte de artistas brasileiros integradas ao edifício desde o projeto, com grande destaque para os afrescos de Cândido Portinari no Auditório da sobreloja e no Salão do andar ministerial.

Afrescos de Cândido Portinari, no andar ministerial. Autor: Oscar Liberal -IPHAN

Desde sua construção, muitos são os especialistas que se aprofundaram no projeto arquitetônico do Ministério da Educação e Saúde (MES) e que poderiam falar sobre sua importância na História da Arquitetura Brasileira. Mas tendo trabalhado no Capanema diariamente ao longo de 27 anos, vivenciando o espaço e a linguagem desse projeto arquitetônico que sempre me encanta e nunca canso de admirar, quero destacar um elemento que me parece muito valioso e revolucionário na origem e ainda hoje: a simplicidade com que se adentra no edifício. A não monumentalidade do seu hall de entrada e expressão de uma educação, saúde e cultura acessíveis a todos

Entrada principal do edifício. Autor: Oscar Liberal – IPHAN

Talvez por isso também o edifício do Ministério da Educação e Saúde Pública tenha sido definitivamente incorporado como um dos símbolos de um projeto de nação utópico, de um sonho inconcluso, sempre em processo. Portanto, não se trata de ficarmos presos aos tempos iniciais da sua construção, pois nada tem de nostálgica a atual defesa do Palácio Capanema, que ganhou as ruas e as redes. Sua materialidade condensa esse projeto e talvez justamente por isso esteja sendo desprezado e colocado à venda, para esvaziar seus sentidos e valores agregados, pelo tanto que já se fez ali. A cultura e a educação pública sobrevivem no país como resistência e o Capanema é a sua casa! É lugar de muitas manifestações contra o autoritarismo e contra a aniquilação da cultura no sentido amplo.

A mais recente manifestação foi o movimento OcupaMinc, em que artistas, estudantes e funcionários ocuparam por cerca de 3 meses o Palácio Capanema contra o desmonte da cultura que tinha se iniciado com o golpe contra a presidenta Dilma e a extinção do Ministério da Cultura, retrocedida então em função da pressão dos movimentos e da sociedade.

Todos devem se lembrar como os policiais federais cumpriram mandado de reintegração de posse do Palácio Gustavo Capanema, publicado na ocasião na imprensa e nas redes sociais. O que não saiu na imprensa, contudo, foi o modo como foi feita a desocupação do Capanema por todos os órgãos que funcionavam no edifício, pouco tempo depois. Não questiono a justificativa dada à época para a evacuação do edifício, em função das obras de restauração que poderiam colocar em risco a segurança dos trabalhadores da cultura no prédio. Mas, considerando o modo como se deu, sem o devido respeito às normas básicas de preservação do patrimônio publico, às pressas como um despejo, fica evidente que todo esse movimento também integrava o projeto de desmonte da cultura no país.

Outros momentos de resistência do qual o Capanema foi palco podem ser ainda lembrados. Um deles nos remete ao último ano do governo Sarney, em 1989, quando houve uma ocupação do Capanema por estudantes, que reclamavam os cortes e falta de verbas para a universidade pública.

Nos anos de chumbo da ditadura militar no Brasil, a polícia montada espantava estudantes no centro do Rio de Janeiro, no entorno dos pilotis do Capanema.

Nos anos 1980, práticas da ultra direita inconformada com a redemocratização em curso no país também chegaram ao Capanema. No mesmo contexto do atentado a bomba que matou a Dona Lyda, na OAB, em 1980, o Capanema sofreu ameaças. Já trabalhava no IPHAN quando fomos levados a evacuar o edifício às pressas, descendo suas extensas escadas de vãos duplos, fugindo do terror da morte, por conta de um telefonema anônimo dizendo que havia uma bomba instalada no edifício.

O Capanema sempre foi palco e cenário de diversas formas de resistência à barbárie. E vale destacar: em nenhum desses episódios, qualquer obra de arte que integra o edifício foi danificada!

Foi já bastante destacado o seu valor como obra de arte – bem aos moldes da perspectiva fundadora das políticas de patrimônio no Brasil. Mas o Capanema não se esgota aí. Ele avança no tempo, como palco de resistência (que pode ser pensada de diversas formas – desde as manifestações da sociedade civil, de estudantes, artistas até a perseverança dos funcionários trabalhadores da Cultura cuja vida cotidiana de trabalho é marcada pelo conhecimento e respeito à diversidade cultural brasileira) e, portanto, lugar de patrimônio – patrimônio como resistência. Se o tombamento do Capanema, datado de 1948, fosse feito hoje muitos novos valores teríamos a agregar a ele. E mais, eu daria a sugestão de que fosse feito o seu Registro como patrimônio cultural de natureza imaterial na categoria de lugar, lugar da cultura, lugar da resistência.

Considerando a ideia estapafúrdia do governo federal de realização de um feirão de imóveis públicos vazios, desrespeitando a legislação vigente que garante que o patrimônio público – cultural ou imobiliário – está atrelado a uma função social, de interesse público, quero lembrar que o Capanema NÃO ESTÁ desocupado. Vendê-lo seria despejar todas as instituições da cultura que nele estão instaladas para prestar serviços públicos, oferecendo atividades relacionadas ao campo de estudos e produção da cultura, a exemplo das suas três bibliotecas especializadas (a Biblioteca Euclides da Cunha, a Biblioteca de Música e também a Biblioteca Noronha Santos), assim como arquivos públicos com acervos de grande valor histórico, como o Arquivo Central do IPHAN, secção Rio de Janeiro. Seria também jogar fora o investimento feito para uma restauração condizente com o planejamento do seu uso público.

Segundo matéria publicada no O Globo, a assessoria de imprensa do IPHAN, ao ser interrogada sobre a venda do Palácio Capanema, informou que não via problema na sua venda, pois o edifício continuaria tendo essas características, só que na mão da iniciativa privada. Essa fala irresponsável com o patrimônio cultural brasileiro, só evidencia o desconhecimento do papel e da história da instituição que deveria estar representando. Por isso, não posso deixar de somar ao rol de ações destruidoras promovidas pelo governo federal, o loteamento dos cargos do IPHAN por pessoas despreparadas para a missão institucional de preservação do patrimônio em todas as suas vertentes, frentes e desafios. 

A indignação foi e ainda é tão grande que, oxalá, esse tiro saiu pela culatra. Já se noticia que o governo não tem mais intenção de colocar à venda o Capanema, contudo, buscam outras estratégias para destruir o edifício que, simbolicamente, representa a luta contra a barbárie. Que ele não seja esquartejado nem, tampouco, usado como cortina de fumaça do avanço do feirão de imóveis da União, feirão de dilapidação do patrimônio público cultural e imobiliário da nação e de todos os brasileiros!

* Márcia Chuva é Professora Associada de História e Patrimônio na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Autora do livro Os Arquitetos da Memória (2009), e de artigos e capítulos refletindo sobre políticas de patrimônio, memória e museus. Ex-funcionária do IPHAN no Palácio Capanema.

Contato: marciachuva@gmail.com / https://unirio.academia.edu/MárciaChuva

3 Comentários

Arquivado em Patrimônio Cultural

SEMINÁRIOS CULTNA – CULTURA NEGRA NO ATLÂNTICO

Um ano de pandemia deixou o Blog em ritmo lento. Neste 2021, após o carnaval que não aconteceu, estamos conversando para redefinir diretrizes e pautas. Por ora, divulgamos uma iniciativa que envolve três de nós e que repercutiremos por aqui, regularmente. Os encontros CULTNA – Cultura Negra no Atlântico, iniciados por Martha Abreu quase junto com o Blog, na Universidade Federal Fluminense, transformam-se a partir deste mês nos Seminários CULTNA, encontros virtuais hospedados na rede do Center for Latin American Studies da University of Pittsburgh, que passou a ser coordenado, neste 2021, por nossa companheira Keila Grinberg.

Os Seminários CULTNA acontecerão em português, com curadoria conjunta da linha de pesquisa Memória, Áfricas e Escravidão do LABHOI-UFF, em que atuam Hebe Mattos e Martha Abreu, do LABHOI-AFRIKAS-UFJF, coordenado por Hebe Mattos e Fernanda Thomas e de Keila Grinberg, pelo CLAS/Pittsburgh.

No primeiro encontro, na próxima quinta feira, 11 de março, contaremos com a presença de Kim Butler e Petrônio Domingues para discutir o livro Diásporas Imaginadas (Perspectiva, 2020). Já está definida a programação do semestre que divulgamos aqui, reproduzindo o texto da newsletter do CLAS/Pittsburgh, com os links para inscrição.

Cultura Negra no Atlantico (CULTNA) is an initiative that brings together the Laboratório de História Oral e Imagem (LABHOI), at Universidade Federal Fluminense and Universidade Federal de Juiz de Fora, and the Center for Latin American Studies at the University of Pittsburgh. Once a month we will discuss recent work with scholars and students interested in the topic. Discussions will be held in Portuguese.

Cultura Negra no Atlantico (CULTNA) é uma iniciativa que congrega o Laboratório de História Oral e Imagem (LABHOI) da Universidade Federal Fluminense e da Universidade Federal de Juiz de Fora, e o Center for Latin American Studies da University of Pittsburgh. Uma vez por mês, trabalhos recentes serão debatidos com especialistas e estudantes interessados no tema. As discussões serão realizadas em português. 

Spring 2021 Program

Thursday, March 11th, 4 pm EST // 6 pm Brazil time: “Diásporas imaginadas,” with Kim Butler (Rutgers University) and Petronio Domingues (Universidade Federal do Sergipe)

Thursday, April 1st, 4 pm EST // 6 pm Brazil time: “Descolonizando imaginários e saberes,” with Clement A. Akassi (Howard University)

Thursday, May 13th, 4 pm EST // 6 pm Brazil time: “O massacre dos libertos,” with Matheus Gato (Universidade Estadual de Campinas)

Thursday, June 10th, 4 pm EST // 6 pm Brazil time: “A revolução dos ganhadores,” with João José Reis (Universidade Federal da Bahia)

5 Comentários

Arquivado em cultura negra, historiografia

Que Exército é esse?

Hoje é 15 de novembro. É dia de eleições municipais — e dia do aniversário do golpe militar que deu origem à República brasileira. 

Para refletir sobre a ocasião, Adriana Barreto de Souza, uma das principais especialistas em história dos militares em atuação no país, escreve nesta edição especial do Conversa de Historiadoras. Além de professora do Departamento de História da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, ela é autora dos livros Duque de Caxias: o homem por trás do monumento (Civilização Brasileira, 2008), O Exército na consolidação do Império: um estudo sobre a política militar conservadora. (Arquivo Nacional, 1999). Recentemente, organizou, em conjunto com outros colegas, a coletânea Pacificar o Brasil: das guerras justas às UPPs (Alameda, 2017). É deste lugar que ela analisa a origem do Exército no Império e o papel que os militares vêm desempenhando na política brasileira.   

E já que o dia de hoje também é o da “festa da democracia”, é importante lembrar, como ela o faz: “Nas democracias, o Exército cuida exclusivamente das fronteiras, dos inimigos estrangeiros. Nunca se envolve na política.”  

Bom voto! 

Que Exército é esse? Ou: o que é um Exército pacificador.

Adriana Barreto de Souza 

Hoje é 15 de novembro. Como todos nós sabemos – ainda que a narrativa oficial tenha por muito tempo tentado disfarçar – a República brasileira nasceu de um golpe militar. O primeiro golpe militar da história do Brasil. Militar mais por força da generalização. O golpe foi mesmo do Exército, a Marinha esteve ausente do episódio. Os dois primeiros presidentes foram generais e, de lá para cá, muitos outros assumiriam a direção do país. Sob regime democrático ou ditatorial, direta ou indiretamente, usaram em várias ocasiões a força das armas para ameaçar a sociedade civil e sustentar governos. Essa marca de origem é tão forte que a Constituição de 1988 previu um plebiscito para que a população escolhesse entre os regimes republicano ou monarquista e entre o sistema parlamentarista ou presidencialista, o que ocorreu no dia 21 de abril de 1993, ratificando por voto popular a escolha por uma República presidencialista no Brasil. 

Em 1889, a narrativa que legitimou o golpe não foi tão diferente da que ouvimos ainda hoje: a elite política era mesquinha, corrupta e só defendia seus interesses os mais particulares. Vítima da pequenez de seus algozes togados, o militar emergia como figura ilibada, desinteressada, de caráter reto, um defensor sincero dos interesses nacionais e que deveria, portanto, de forma mais que justa assumir a direção dos negócios públicos.

Quando os especialistas recuperam hoje – impulsionados pela conjuntura nacional – essa narrativa, apontam a Guerra do Paraguai como divisor de águas, momento no qual o Exército teria se dado conta dessa sua “vocação nacional”. Após uma longa e duríssima campanha militar de quase seis anos de duração, defendendo a pátria, os militares (em especial o Exército) não viam seus esforços devidamente reconhecidos.

De fato, essa mágoa existiu. Mas, gostaria de chamar atenção aqui para um outro elemento dessa história do Exército brasileiro, que tem passado despercebido: a Guerra do Paraguai foi praticamente a única grande guerra combatida pelos militares brasileiros.

Em que outras mais poderíamos pensar? A Guerra do Prata, também conhecida como Guerra contra Oribe e Rosas, ocorrida entre 1851 e 1852 pela hegemonia na região? A Guerra da Cisplatina, que em 1825 opôs o Império do Brasil às Províncias Unidas do Rio do Prata na disputa pelo território do atual Uruguai? Convenhamos: esta última, tendo irrompido apenas três anos após a independência, foi uma guerra dos portugueses, levada à cabo por um Exército mais português que brasileiro. A sequência dos fatos nos ajuda a ver isso claramente. Quando um amplo movimento de base popular forçou a abdicação de d. Pedro I em 7 de abril de 1831, o Exército de então, reconhecido como uma força portuguesa que lhe era fiel, foi inteiramente desmobilizado. Os liberais que assumiram a Regência do Império, assombrados pela ideia de um possível retorno do primeiro imperador, quase extinguiram a instituição: de 28 mil homens em armas, o Exército passou a contar com apenas 9 mil homens. Em contrapartida, os liberais criaram a Guarda Nacional, uma guarda civil, de proprietários armados. Fizeram essa reforma com o apoio de vários generais. Militares de tradição liberal, como a família Lima e Silva (do futuro duque de Caxias), que na luta contra d. Pedro I – então considerado um tirano estrangeiro – assumiu a direção da Regência e os principais cargos militares do Império.

Se o Exército de d. Pedro I foi desmobilizado em 1831, cabe perguntar como e por que forças políticas o Exército – agora, sim, brasileiro – foi (re)organizado.

Quadro: Proclamação da República. Benedito Calixto, 1893. Pinacoteca do Estado de São Paulo.

A necessidade de uma força militar regular e profissional só foi sentida em meio às lutas regenciais. Mais conhecidas como rebeliões regenciais, essas lutas sacudiram o Brasil de norte a sul por mais de dez anos, tendo invadido o Segundo Reinado: Malês, Cabanagem, Sabinada, Balaiada, Farroupilha… isso para ficar entre as mais conhecidas! Movimentos plurais e heterogêneos de contestação à ordem imperial, alguns chegaram a colocar lado a lado – ainda que de forma fugaz – proprietários, quilombolas e caboclos. Esses homens lutavam por ideias de Brasil sonhadas a partir de suas experiências, de seu dia-a-dia. Engajaram suas vidas em diferentes projetos de país. É importante reconhecê-los assim: como projetos políticos em disputa por um Brasil que estava sendo erguido.

 Foi para conter essas revoltas de cidadãos brasileiros (excetuando-se os escravos, essa condição era garantida aos demais pela Constituição de 1824) que um emergente grupo político, autointitulado Regresso Conservador, levantou-se no Parlamento para – em oposição aos Liberais – bradar que o Estado precisava se armar, que precisava de um Exército forte. Os debates duraram meses e foram tensos. Porém, ao assumirem a direção do país em 1837, o grupo trabalhou firme para tirar esse projeto do papel.

Surgia, assim, em meio à guerra civil, o Exército brasileiro. Essa é a tradição que o constitui. Um Exército que, na repressão violenta à oposição liberal, a caboclos, a pretos e pardos livres e a quilombolas – volto a lembrar, na sua maioria cidadãos brasileiros – garantiu a integridade do Império, cuidando com zelo de preservar no Brasil uma herança colonizadora: a de uma monarquia assentada na grande propriedade e na escravidão. 

Não por acaso, foi nessas lutas que os políticos do século XX se inspiraram para criar um patrono para o Exército brasileiro. O duque de Caxias fez sua carreira em meio à guerra civil. Da repressão à Balaiada em 1841, o então coronel Luís Alves de Lima e Silva saiu general e barão de Caxias (cidade centro da resistência balaia). Da Farroupilha, saiu conde e senador do Império. O título de duque, recebido em remuneração ao serviço prestado na Guerra do Paraguai, apenas coroava sua carreira militar e política.

Nesse ponto, há ainda um dado nada desprezível sobre a carreira militar do duque de Caxias. Sua primeira experiência de comando não se deu no Exército, mas à frente da força policial da época, denominada Guarda de Municipais Permanentes. Por nada menos que sete anos consecutivos, o então jovem Luís Alves de Lima e Silva comandou a força policial do Rio de Janeiro. Isso entre os anos de 1832 e 1839, quando a cidade – habitada por uma multidão de escravos e negros livres, como observavam os viajantes que por ali circulavam – estava tomada por conflitos de rua, que opunham vários grupos políticos. Foi nessas ruas que o jovem tenente-coronel aprendeu a preservar as complexas fronteiras sociais de uma sociedade escravocrata. Tarefa tão bem executada, que lhe rendeu a nomeação para comandar as tropas que seguiam para o Maranhão, no combate à Balaiada. O sucesso da repressão o nobilitou, foi seu passaporte para o seleto grupo da nobiliarquia brasileira, mas também o elevou – por meio de uma ode escrita pelo amigo, secretário e poeta Gonçalves de Magalhães – à condição de pacificador do Brasil.

Esse título merece destaque, afinal a palavra é recorrente em nossa história.

Pacificar o país significava (e significa) preservar um determinado tipo de ordem social. Transformado em partido político, o Regresso Conservador, também conhecido como Partido da Ordem ou simplesmente Partido Conservador, reestruturou o Exército para, por meio da força das armas, garantir a “paz social” da “grande família brasileira”. Os termos eram exatamente esses, não estou forçando a analogia. Por isso, fiz questão de usar aspas. Quando em 1840, as notícias do sucesso de um outro golpe, que antecipou a maioridade de d. Pedro II, então um menino, chegou ao Maranhão, o ainda coronel Luiz Alves mandou preparar uma grande festa e, em seu pronunciamento, afirmou que “uma nova época abriu-se aos destinos da grande família brasileira”. À frente da nação, o jovem d. Pedro II foi transformado em “símbolo da paz, da união e da justiça”. E, dada a grandiosidade da Coroa, convertida em pai exemplar, toda oposição política assumiria a feição de intriga e corrupção, devendo ser duramente reprimida e – no limite – eliminada.

A nação brasileira se erguia, assim, a partir de um princípio restritivo e desigual de liberdade. Restritivo porque subordinado à ordem. Desigual porque fundado na escravidão e articulado em torno da retórica da autoridade civilizatória. Como afirmou um general na década de 1850, ao defender um projeto de criação de colônias militares em regiões do Brasil que possuíam um histórico de rebeldia, referência que devo às pesquisas de Maria Luiza de Oliveira: “não se trata de ir bater rebeldes, trata-se somente de não lhes deixar levantar a cabeça”.

Maud, Chirio. Imagem utilizada no cartaz do Colóquio Internacional “Pacificação: o que é e a quem se destina?”, combinação virtual de fotografias, 2014.

Essa é a tradição que constituiu o Exército brasileiro. Defender a pátria contra o inimigo estrangeiro historicamente nunca foi sua missão primordial, nem foi para isso que ele foi reerguido entre os anos 1830 e 1840. Na sua origem, está o projeto político do Regresso Conservador, de construção de um Estado e de instituições comprometidas com a preservação da escravidão, de hierarquias e privilégios sociais. Um Estado desse tipo – tão profundamente desigual – não se mantém sem força militar. Até a Guerra do Paraguai, gerações de militares aprenderam, cotidianamente, no exercício de seu ofício, que seu papel era defender esse modelo de Estado. Mais que isso: aprenderam que esse Estado não subsistia sem eles. Não por acaso, anos depois, já na República, um grupo de jovens oficiais – conhecido como jovens turcos – afirmaria que o Exército é a ossatura da nação brasileira. Resta acrescentar: de um tipo determinado de nação, historicamente erguida por uma elite que optou por permanecer ignorando o princípio de igualdade e sujeitando a liberdade a essa ordem desigual. Uma ideia de nação que nada tem de democrática.

Nas democracias, o Exército cuida exclusivamente das fronteiras, dos inimigos estrangeiros. Nunca se envolve na política. Para resolver conflitos e disputas internas, no limite, há polícias, que não são – vale destacar – militares.

2 Comentários

Arquivado em Uncategorized

O curso acabou, mas a conversa continua com muitas outras histórias

Ana Flavia Magalhães Pinto

“Companheira me ajude / Que eu não posso andar só / Eu sozinha ando bem / Mas com você ando melhor!”

Quando a pandemia de Covid-19 ocupou o horizonte, instituindo a necessidade do isolamento social logo após o carnaval de 2020, parecia que esses versos cantados e praticados em plena rua e com tanto gosto teriam que ser recolhidos ao silêncio. Os planos traçados nas festas de fim de ano ficaram em suspenso, e o medo da estagnação passou a desafiar a certeza de que outros projetos tão dignos se fariam possíveis. Mas, novamente e sem abrir mão de princípios inegociáveis, muitas de nós inventamos meios de manter acesa a chama do trabalho coletivo e das lutas por justiça e liberdade. Como professoras de universidades federais, comprometidas com o ensino, a pesquisa e a extensão e com a própria defesa da universidade pública, gratuita e de qualidade, a realização do curso “Emancipações e Pós-Abolição: por uma outra história do Brasil”, a partir do chamado da Keila Grinberg, certamente nos é motivo de muito orgulho. As tardes de quarta-feira dos meses de agosto e setembro ficarão na memória como belas demonstrações da força de nós mulheres historiadoras e da legitimidade do nosso trabalho! Ciente dos perversos interesses a mobilizar elogios fáceis ao ensino à distância no Brasil, eu saio dessa experiência com a certeza de que ela só foi possível graças aos anos de investimento em vivências presenciais de pesquisa, trocas de conhecimento, deslocamentos geográficos e contatos diretos com muitas/os outras/os historiadoras/es que têm promovido uma reescrita bem mais justa da história deste país! Parafraseando o presidente Lula, ex-operário que adquiriu o gosto pela leitura de textos historiográficos: “Que ninguém, nunca mais, ouse duvidar da capacidade de luta de uma Conversa de Historiadoras!”. Já sobre a palavra de ordem “A luta continua!”, a gente aproveita para lembrar que a inspiração vem de lutadores da Frente de Libertação de Moçambique na década de 1970!

Giovana Xavier

Historiadoras que ventam novas histórias

O curso Emancipações e Pós-Abolição: por uma outra história do Brasil entrou para a história renovando ares e energias através de abordagens historiográficas instigantes e plurais conduzidas por oito historiadoras, diversas entre si e conectadas pelo compromisso com a escrita de novas histórias. Aprendi bastante em todas as aulas, sentindo-me super feliz de interagir com um público topzeira, composto por pessoas amorosas, empolgadas e mega comprometidas com a democratização do ensino e da pesquisa histórica no Brasil. A aula que ministrei “Intelectuais Negras: história do pós-abolição no tempo presente” é um momento que ficará para sempre no melhor lugar do meu coração. Foi emocionante compartilhar resultados de uma produção científica ligada ao reconhecimento das mulheres negras como protagonistas da história do Brasil. Um movimento, como vimos ainda raro, e que reafirma meu compromisso político de articular teoria e prática, priorizando os saberes das classes trabalhadoras e os diálogos extra-muro universitários. Tudo isso, não por acaso, às quartas-feiras, dia regido por Iansã, a yabá que divide com Xangô o segredo do fogo e espalha os ventos da mudança. Obrigada Meninas! Obrigada gente pela participação e por tantas mensagens de apoio e carinho. Axé! 

Hebe Mattos

Quando criamos este Blog no carnaval de 2014, eu e Martha Abreu, escrevemos que, “como historiadoras, pensamos ser importante participar hoje do debate sobre os significados do passado escravista para o país e sobre o papel de nossa  própria disciplina para a implantação de políticas públicas de combate ao racismo, nos campos educacional  e cultural.” Na época, não imaginamos porém que o Blog teria vida tão longa, que nossas conversas se renovariam e diversificariam com a entrada do colegas mais jovens e absolutamente brilhantes, e que nossos sonhos de atingirmos públicos mais amplos se realizariam com a amplitude e força desse trabalho conjunto, com mais de 1600 alunos regulares com direito a certificado, como aconteceu neste curso de extensão, proposto por Keila Grinberg e a UNIRIO e que ganhou o título Emancipações e Pós-abolição: por uma outra história do Brasil. Com ele, a profundidade da conversa no Blog, bem como seu público, atingiram um novo patamar. Ainda que o argumento central de cada uma das sessões, como nós as imaginamos, nos permitisse esperar um certo grau de coesão, o nível de diálogo, encantamento e integração do curso surpreendeu a todas. A sequência das aulas parecia coreografada. Não havia obrigatoriedade de estarmos juntas todas, todos os dias, mas ninguém arredou pé. Cada uma dava aula para as outras, cada aula nos desafiava a ir além. Quase uma roda de jongo em que o verso se fez história. Ubuntu, sigamos juntas.

Martha Abreu

Recebi algumas mensagens de alunos e orientandos de nosso grupo de pesquisa que demonstram, de forma efetiva e afetiva, alguns resultados: “Assisti todas as oito aulas, me emocionei com todas elas e me sinto transformado e empoderado, muito obrigado de coração!; “Obrigado todos os professores, foi um curso potente e transformador”; “Parabéns a todos os envolvidos no curso, foi de fato incrível com tantas aulas maravilhosas”; “As aulas deram o gás que a gente estava precisando nesses tempos tenebrosos. Foram realmente emocionantes”.

Emancipações e Pós-Abolição: Por uma outra História do Brasil (1808-2020) foi um curso que impactou todos nós. De início não tínhamos muita ideia do tamanho da plateia, nem do potencial de transformação que o curso poderia alcançar ao trazer outros temas, enfoques e perspectivas da história do Brasil a partir do protagonismo negro nas lutas pela liberdade e cidadania.

Pessoalmente, o curso chegou num momento muito difícil de minha vida, mas me propiciou enorme aprendizado e reflexão sobre a importância da história e do ofício do historiador. Era só um dia na semana, mas uma hora marcada para novos encontros, outras lutas e renovados sentidos da vida. Obrigada parceiras do blog e do curso! Obrigada Unirio! 

Mônica Lima

A força desse encontro                                                                                                   

Desde o dia 05 de agosto de 2020, durante oito semanas, todas as quartas-feiras, um pouco antes das cinco da tarde, passei a me encontrar com um grupo de historiadoras brasileiras das mais incríveis para me preparar para uma aula sobre história do Brasil, tendo como foco central a população negra e africana em suas lutas por liberdade e direitos, antes e depois da abolição. Poderia ser mais um encontro acadêmico num curso de extensão bacana, se não fossem elas e tudo o que havia para aprender e refletir a partir do que disseram, e se não houvesse um público interessado, entusiasmado e inteligente interagindo o tempo todo conosco. A cada aula, novas histórias e olhares sobre o que se sabia, sempre buscando a delicadeza e a inteireza, por estarmos lidando com temas sensíveis e com histórias longamente silenciadas. E era uma alegria só aprender, compartilhar conhecimento e perceber que tudo o que estudamos e pesquisamos faz muito mais sentido quando apresentado e dialogado com as pessoas, e sobretudo com um público genuinamente interessado. Havia muitos professores, o que dá a nítida sensação de que tudo isso poderá se multiplicar lindamente em aulas, estudos, propostas didáticas – e chegar a ainda mais pessoas. Nesse tempo tão cinzento de desesperança, o curso Emancipações e pós-abolição: por uma outra história do Brasil (1808-1820) me permitiu pensar em dias mais luminosos, em noites de festa, na força que temos e na herança de luta que nos legaram. Só agradeço.

Ynaê Lopes dos Santos

” Existe um ditado africano que diz “a união do rebanho obriga o leão a ir deitar-se com fome”. Tais palavras demonstram a força do trabalho em conjunto, o poder do coletivo. E foi essa a força que experimentei no curso Emancipações e Pós Abolição: por uma outra história do Brasil (1808-2020). Durante 8 aulas, muito bem acompanhada por 7 colegas/referências e por mais de 1600 estudantes, me vi ora no lugar de professora, ora no lugar de aluna, girando essa roda poderosa que é ensinar-e-aprender. Falamos juntas, pensamos diferentes, perguntamos nossas angústias e pudemos experimentar o fazer história a partir de um novo lugar. Uma vivência e tanto, que agradeço e já vejo se perpetuar.”

Keila Grinberg

‘Não há mal que sempre perdure, não há bem que nunca se acabe’. Fiquei com este ditado na cabeça ao pensar sobre este curso incrível, ministrado em conjunto e transmitido ao vivo por oito professoras-historiadoras. Não há bem que nunca se acabe, e foi com tristeza que nossas aulas chegaram ao fim. Juntas, nós refletimos sobre uma outra historia do Brasil. À interpretação colonial, patriarcal e branca que ainda impera em tantas narrativas tradicionais, nós propusemos uma versão que não negasse a tragédia da escravidão na historia do Brasil, mas que também reconhecesse a centralidade da cultura negra e da luta antirracista na construção de uma sociedade de fato justa e democrática. Nestes tempos difíceis, este futuro pode parecer tão distante, e às vezes até inalcançável, mas é nestas horas que é importante lembrar: não há mal que sempre perdure, e este também vai passar. Muito, muito obrigada a todos que embarcaram nesta viagem conosco. Seguimos juntas. 

11 Comentários

Arquivado em história pública

A aula 8 está no Blog!!!! E não é o último post do curso!

Foi linda demais a aula de encerramento do nosso curso, da maravilhosa professora Mônica Lima. Uma aula para a gente não esquecer, para ver e rever também aqui no blog, com toda a sua bibliografia.

Mônica Lima (UFRJ)

Mas ainda não é nossa despedida. A experiência de estarmos juntas durante o curso foi extremamente marcante para todas nós. No post do próximo domingo, vamos escrever sobre ela.

Referência das fontes utilizadas (na ordem de aparição na aula):

Carta ao Governador da Capitania do Piauí, escrita por Esperança Garcia em 6 de setembro de 1770: SOUSA, Maria Sueli Rodrigues de e outros. Dossiê Esperança Garcia: símbolo da resistência na luta pelo direito. Teresina: EDUFPI, 2017.

Tratado de Paz proposto por escravizados rebelados do Engenho de Santana, em Ilhéus (BA) em 1789: REIS, João José e SILVA, Eduardo. Negociação e conflito. A resistência negra no Brasil escravista. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

Trecho da fala de Susana, uma escravizada, no romance Úrsula: REIS, Maria Firmina dos. Úrsula. São Paulo: Penguin & Companhia das Letras, 2018.

Trecho do “Rap das Reparações”, publicado no Jornal das Reparações (São Paulo, dezembro 1993, p. 4): DOMINGUES, Petrônio. Agenciar raça, reinventar a nação: o Movimento Pelas Reparações no Brasil. Análise Social, nº227, 2018, pp. 332-361.

Trecho de carta escrita por Comissão de Libertos na Estação do Paty a Ruy Barbosa, 19 de abril de 1889: ALBUQUERQUE, Wlamyra. O jogo da dissimulação; abolição e cidadania negra no Brasil. São Paulo: Cia. das Letras, 2009

Trecho do documentário Manifestações Negras Ontem e Hoje (1988-2020), do CULTNE: Acessível integralmente em https://www.youtube.com/watch?v=9ewpZ…

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALBERTI, Verena e PEREIRA, Amilcar. Histórias do movimento negro no Brasil. Depoimentos ao CPDOC. Rio de Janeiro: Pallas, 2007.

ALBUQUERQUE, Wlamyra. O jogo da dissimulação; abolição e cidadania negra no Brasil. São Paulo: Cia. das Letras, 2009.

ARAUJO, Ana Lucia. Reparations for slavery and the salve trade. A transnational and comparative history. New York: Blomsburry Academic, 2017.

DOMINGUES, Petrônio.  Agenciar raça, reinventar a nação: o Movimento Pelas Reparações no Brasil. Análise Social, nº227, 2018, pp. 332-361.

GARCIA, Januário. 25 anos do movimento negro no Brasil. Brasília: Fundação Cultural Palmares, 2006.

GOMES, Nilma Lino. O movimento negro educador. Saberes construídos na luta por emancipação. Petrópolis, RJ: vozes, 2017.

GRINBERG. Keila, MATTOS e FISCHER, Brodwyin. Direito, silêncio e racialização das desigualdades na sociedade brasileira. In ANDREWS, George Reid & LA FUENTE, Alejandro de. Estudos afro-latino-americanos: uma introdução. Ciudad Autonoma de Buenos Aires: CLACSO, 2018.

LIMA, Ivana S., GRINBERG, Keila e AARÃO REIS, Daniel. Instituições nefandas: o fim da escravidão no Brasil, nos Estados Unidos e na Rússia. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 2018.

MATTOS, Hebe, ABREU, Martha, GURAN, Milton. Por uma história pública dos africanos escravizados no Brasil. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 27, nº 54, julho-dezembro de 2014, p. 255-273.

MONTEIRO, Ana Carolina Lima e RIBEIRO, Cristina Figueiredo Terezo. Verdade, Justiça e Reparação para a América Latina à luz da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. IX Seminário Internacional de Direitos Humanos da UFPB. Universidade Federal da Paraíba, 6 a 9 de dezembro de 2016. Paper acessível em http://www.ufpb.br/evento/index.php/i… (acesso em 22 de setembro de 2020)

MULHOLLAND, Caitlin Sampaio e PIRES, Thula Rafaela de Oliveira. O reflexo das lutas por reconhecimento no Direito Civil Constitucional. Paper acessível em http://www.publicadireito.com.br/arti…

PINEAU, Marisa (org). Huellas y legados de la esclavitud em las Americas. Projeto Unesco La Ruta Del Escravo. Saenz Peña: Universidad Nacional Tres de Febrero, 2012.

PROJETO A COR DA CULTURA. Heróis de Todo o Mundo. Programas curtos sobre a trajetória de personagens negros da história do Brasil. Acessível em http://antigo.acordacultura.org.br/he…

REIS, João José e SILVA, Eduardo. Negociação e conflito. A resistência negra no Brasil escravista. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

REIS, Maria Firmina dos. Úrsula. São Paulo: Penguin & Companhia das Letras, 2018.

SAILLLANT, Francine. Reconhecimento e reparações. O exemplo do movimento negro no Brasil. In MATTOS, Hebe (org). História oral e comunidades. Reparações e culturas negras. São Paulo: Letra e Voz, 2016, p.17-48.

SILVA, Ana Célia da. Uma foto: o Movimento Negro Unificado-BA e a Reunião da SBPC em 1981 em Salvador. Artigo no blog Conversa de Historiadoras, junho de 2020. Acessível em https://conversadehistoriadoras.com/2…

SOUSA, Maria Sueli Rodrigues de e outros. Dossiê Esperança Garcia: símbolo da resistência na luta pelo direito. Teresina: EDUFPI, 2017.

VUCKOVIC, Nadia. Quem pede reparações e por quais crimes? Epílogo de FERRO, Marc. O livro negro do colonialismo. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004. p.884-913

1 comentário

Arquivado em antiracismo, história e memória, história pública, historiografia, politicas de reparação, Pos-abolição