Arquivo do autor:Papo Coletivo

Sobre Papo Coletivo

Além da parceria Hebe e Martha, muitos outros textos coletivos podem surgir das nossas conversas, escritos a 4, 6, 8, 10 ou 12 mãos. A caneca sobre os livros simbolizará este papo coletivo. As autoras assinarão o post.

A aula 6 está no Blog! Chegou a hora e a vez de pensar o tempo presente e a emergência das intelectuais negras

A aula de Martha Abreu foi um show de emoção e conhecimento. Quem não viu, confira aqui no Blog. Quem assistiu, vale a pena ver de novo e conferir a bibliografia completa ao final do post.

Aula de Martha Abreu (UFF/UNIRIO)

Na sequência da aula, Martha deu também uma super entrevista ao Podcast do IMAM (Laboratório de Imagem, Memória, Arte e Metrópole da UFRJ) e do BR-PHCP (Pesquisadores em História Cultural e Politica da UFF) comandado por Andréa Casanova e Karla Carloni.

Discussão sobre o campo de estudos do Pós-abolição no Brasil, desafios e perspectivas para a historiografia contemporânea.

Na próxima quarta, é a hora e a vez de Giovana Xavier, professora da UFRJ,

Giovana Xavier – UFRJ

Ela vai nos falar sobre o tema “Intelectuais Negras: história do pós-abolição no tempo presente“. Em suas palavras:

“Meu objetivo é fazer uma aula de história do Brasil fundamentada na história intelectual de mulheres negras. Uma abordagem historiográfica originária da articulação entre História Social e Pensamento Feminista Negro. Alternativa ao eurocentrismo, tal abordagem caracteriza-se pelo compromisso com o diálogo e a produção teórica extra-muros universitários e pelo investimento em ensinar e pesquisar trajetos e experiências das classes trabalhadoras com aportes teórico-metodológicos exclusivos de autoras negras – brasileirxs, afro-americanxs e latinxs. Inspirada pelo conceito de “linha de continuidade histórica”, da historiadora Maria Beatriz Nascimento (1942-1995), apresentarei exemplos de trabalho nessa nova perspectiva e também uma genealogia de intelectuais negras brasileiras entre os séculos XIX e XXI. Integrada por mulheres como Maria Firmina dos Reis (1822-1917), Carolina Maria de Jesus (1914-1977) e nossas contemporâneas Conceição Evaristo, Deise Benedito, Lúcia Xavier, Maria Clara Araújo, Miriam Alves, Sueli Carneiro, esta genealogia contribui para expandir os sentidos de intelectual e criar novos marcos temporais para estudo da história do Brasil. Alinhada à premissa feminista negra de articulação entre pensar e fazer e em sintonia com as transformações nas universidades públicas e no mercado editorial, o programa da aula também abrange temas como: demandas de novas gerações acadêmicas, desafios à validação de conhecimentos científicos de intelectuais negras e a sala de aula como espaço de autoria, pesquisa e produção de novos sentidos de academia.”

Aula 6: O pós abolição e a luta antirracista no campo cultural

Martha Abreu (UFF/UNIRIO)

Bibliografia:

ABREU, M., DANTAS, C. V., MATTOS, H., LONER, B. e MONSMA, K.(Orgs.) Histórias do pós-abolição no mundo Atlântico. Niterói, Eduff, vol. 1, 2 e 3, 2013 (disponível on line).

ABREU, M.. XAVIER, G., BRASIL, E., MONTEIRO, L. (orgs). Cultura Negra, Novos Desafios para os Historiadores (vol. 2 – Trajetórias e Lutas de Intelectuais Negros). Niterói: Eduff, 2018, p. 266-196 (disponível on line).

ABREU, Martha. Da Senzala ao Palco. Canções Escravas e Racismo nas Américas,  1870-1930. Coleção Historia Ilustrada, Editora da Unicamp [e-pub3 e e-pub2], 2017.

ALBUQUERQUE, Wlamyra. O Jogo da dissimulação: abolição e cidadania negra no Brasil. São Paulo, companhia das Letras, 2009.

ARANTES, Erika Bastos. A estiva se diverte: organizações recreativas dos trabalhadores do porto carioca nas primeiras décadas do século XX. Revista Tempo. Vol. 31, no. 27.

BARBOSA, Alessandra T. de S. Pessanha. “A Escola de Samba tira negro do local da informalidade”: Agências e associativismos negros a partir da trajetória de Mano Eloy (1930-1940), Tese de Doutorado. PPGH/UFRRJ, 2018.

CASTILLO, Lisa Earl. “Bamboxê Obitikô e a expansão do culto aos orixás (século XIX): uma rede religiosa afroatlântica”. Revista Tempo  Vol. 22 n. 39. 2016.

CHALHOUB, Sidney e PINTO, Ana Flávia Magalhães. Pensadores Negros, Pensadoras Negras (Brasil séculos XIX e XX). Cruz das Almas, EDUFRB, Belo Horizonte, Fino Trato, 2016.

CUNHA, Maria Clementina Pereira. “Não tá sopa”: sambas e sambistas no Rio de Janeiro, de 1890 a 1930. Coleção Historia Ilustrada, Editora da Unicamp [e-pub3 e e-pub2], 2015.

DANTAS, Carolina Viana e Abreu, Martha. Monteiro Lopes e Eduardo das Neves: histórias não contadas de Primeira República. Coleção Biografias do Pós-abolição. Niteroi, (no prelo)

DOMINGUES, Petrônio. Protagonismo negro em São Paulo. História e Historiografia. São Paulo, SESC, 2019.

DOMINGUES, Petrônio. Cidadania por um fio: o associativismo negro no Rio de Janeiro (1888-1930). Revista Brasileira de História. São Paul, v. 34, no. 67, 2014.

GOLDMACHER, M., BADARÓ, M., TERRA, P. C. Faces do trabalho: escravizados e livres. Niteroi, Eduff, 2010.

GOMES, Angela C. e Abreu, M. A nova “Velha” República: um pouco de história e historiografia Revista Tempo Nº 26 Vol. 13 – Jan. 2009

GOMES, Flavio. Negros e Política (1888-1937). Rio de Janeiro, Zahar, 2005.

GOMES, Flávio S e CUNHA, Olivia. Quase cidadão: histórias e antropologias da pós- -emancipação no Brasil. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2007.

GOMES, Flavio e Domingues, Petrônio (orgs). Experiências da Emancipação. Biografias, instituições e movimentos sociais no pós-abolição (1890-1980). São Paulo, Selo Negro, 2011.

LONER, Beatriz. Construção de Classe: Operários de Pelotas e Rio Grande. Pelotas, Ed. UFPEL. 2016

LOPES, Nei. Partido-Alto, Samba de Bamba. Rio de Janeiro: Pallas, 2005.

MATTOS, Hebe. “A Vida Política (Além do Voto: Cidadania e Participação Política na Primeira República Brasileira)”. In: Lilia Moritz Schwarcz. (Org.). História do Brasil Nação: 1808-2010, Vol.3. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012.

MATTOS, Hebe & ABREU, Martha. “Jongo, registros de uma história”. In: LARA, Silvia & PACHECO, Gustavo (org.). Memória do jongo, as gravações históricas de Stanley J. Stein, Vassouras, 1949.  Rio de Janeiro, Folha Seca, Campinas, Cecult, 2007.

MATTOS, Hebe & RIOS, Ana Lugão. Memórias do cativeiro. Família, trabalho e cidadania no pós-Abolição, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2005.

MENDONÇA, Joseli Maria Nunes de. Evaristo de Moraes: tribuno da República. Campinas, Ed. da UNICAMP, 2007.

MONSMA, Karl. A reprodução do racismo. Fazendeiros, negros e imigrantes no oeste paulista, 1880-1914. São Carlos, EDUFSCAR, 2016.

MORAES, Renata Figueiredo. As festas da Abolição: O 13 de Maio e seus significados no Rio de Janeiro (1888-1908). PPGH PUC/RJ, Tese de Doutorado, 2012.

NASCIMENTO, ALVARO P. Cidadania, Cor e Disciplina na Revolta dos Marinheiros de 1910. Rio de Janeiro, Mauad/Faperj, 2008.

NEPOMUCENO, Eric Brasil. Carnavais Atlânticos: cidadania e cultura negra no pós-abolição. Rio de Janeiro e Port-of-Spain, Trinidad (1838-1920). Tese de Doutorado, PPGH/UFF, 2017.

OLIVEIRA, Fernanda. As lutas políticas nos clubes negros: culturas negras, cidadania e racialização na fronteira Brasil-Uruguai no pós-abolição (1870-1960). Tese de Doutorado. Porto Alegre, UFRGS.

PARÉS, Luis Nicolau. A Formação do Candomblé. História e Ritual da nação jeje na Bahia. Campinas, Ed. Unicamp, ebook, 2018.

POSSIDONIO, Eduardo. Entre Ngangas e Manipansos. A religiosidade centro-afriana nas freguesias urbanas do Rio de Janeiro de fins do oitocentos (1870-1900). Salvador, Sagga, 2018.

PEREIRA, Amilcar. O mundo negro: relações raciais e a constituição do movimento negro contemporâneo no Brasil. Rio de Janeiro: Pallas, 2013.

PEREIRA, Leonardo, A. M. Os Anjos da Meia-Noite: trabalhadores, lazer e direitos no Rio de Janeiro da Primeira República. Revista Tempo, 2013, vol.19, n.35.

PEREIRA, Leonardo, A. M As barricadas da saúde. Vacina e protesto popular no Rio de Janeiro da primeira república. São Paulo, Editora Fundação Perseu Abramo, 2002.

PINTO, Ana Flávia Magalhães. Escritos de Liberdade: literatos negros, racismo e cidadania no Brasil oitocentista. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2018.

SANTOS, Aderaldo Pereira. A Arma da Educação: Cultura política, cidadania, antirracismo nas experiências do professor Hemetério José dos Santos (1870 – 1930). Tese de Doutorado. Faculdade de Educação, UFRJ, 2018.

SCHUELER, Alessandra de. Felismina e Libertina vão à escola:  Notas sobre a escolarização nas freguesias de Santa Rita e Santana (Rio de Janeiro, 1888-1906). Revista História da Educação. Vol. 19, no. 46. Santa Maria, 2015.

SILVA, Alessandra L. Pela Liberdade e Contra o Preconceito de Cor: a trajetória de Israel Soares. Revista Eletrônica Documento e Monumento, 21, julho, 2017.

SILVA, Sormani. Mano Eloi e o samba na dinâmica da cultura brasileira. Um semeador de escolas de samba. Textos escolhidos de cultura e arte populares. Rio de Janeiro, vol. 12, no. 2, 2015.

XAVIER, Giovana. Histórias da escravidão e do pós-abolição para as escolas. Salvador, Ed. UFRB/Fino Trato, 2016.

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Por uma outra história do Brasil… a aula 5 está no Blog!

Ainda sob impacto da vibrante discussão sobre cidadania negra e republicanismo proposta por Wlamyra Albuquerque …

Aula de Wlamyra Albuquerque em 2 de setembro de 2020

… nesta semana, em que se celebra o nascimento do primeiro estado nacional brasileiro, monárquico e escravista, o nosso curso vai continuar a falar de república e pós-abolição, com o tema ‘O pós-abolição e a luta antirracista no campo cultural”, com a professora Martha Abreu.

Martha Abreu – UFF/UNIRIO

Em suas palavras:

“O fortalecimento do campo de estudos sobre o pós-abolição – que se destaca por problematizar uma  história não contada do racismo e das lutas antirracistas –   tem permitido a criação de outras narrativas sobre a história republicana, muito além da versão, ainda muito difundida,  sobre um único destino para os libertos:  “Da Senzala à Favela” a partir da experiência da marginalização. 

Este tipo de narrativa não só silencia sobre a continuidade do protagonismo dos descendentes de escravizados, como desconsidera a atuação, em termos políticos e culturais, dos descendentes de uma majoritária população negra nascida livre desde o período colonial, como temos visto neste curso.

De acordo com uma “velha” interpretação sobre a Primeira República,  o “povo” e a população negra,  sem dúvida recorrentemente excluídos das instâncias de poder e estigmatizados pelas construções racializadas sobre seus corpos e comportamentos,  teria se afastado das lutas pela cidadania, assumindo e aceitando a marginalização e as imagens inferiorizadas que lhes foram impostas. 

Nesta aula, pretendo  apresentar uma série de indicadores  de que as lutas pela cidadania não foram abandonadas –  muito menos  esquecidas no pós-abolição.  Pelo contrário, através de estudos biográficos sobre intelectuais de diversas áreas, inclusive músicos populares negros, sobre a fundação de  associações civis, políticas e culturais, sobre a organização de jornais,  mobilizações eleitorais e sindicais,  batuques e carnavais negros, uma pujante nova produção historiográfica tem reconstruído a história republicana a partir de ações e movimentos negros antirracistas e por direitos, desde o voto até a festa negra.”     

A seguir, a bibliografia da aula 5:

Racialização e Cidadania Negra

Profa. Wlamyra Albuquerque

Bibliografia

Anderson, Benedict. Comunidades Imaginadas. São Paulo, Companhia das Letras, 2008.

Albuquerque, Wlamyra. O Jogo da dissimulação: abolição e cidadania negra no Brasil. São Paulo, companhia das Letras, 2009.

Albuquerque, Wlamyra; Castilho, Lisa e Sampaio, Gabriela dos Reis (org). Barganhas e querelas da escravidão. Salvador, EDUFBa, 2014.

Azevedo, Elciene e Reis, João José (org). Escravidão e suas sombras. Salvador, EDUFBa, 2012.

Balaban, Marcelo; Lima, Ivana Stolze e Sampaio, Grabriela (org). Marcadores de Diferença: raça e racismo na história do Brasil. Salvador, EDUFBa, 2019.

Chalhoub, Sidney. Machado de Assis, historiador. São Paulo, Companhia das Letras, 2003.

Cooper, Frederick; Holt, Thomas e Scott, Rebecca. Além da escravidão – investigações sobre raça, trabalho e cidadania em sociedades pós-emancipações. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2005.

Cunha, Maria Clementina Pereira Cunha. Ecos da Folia: uma História social do carnaval carioca entre 1880 e 1920. São Paulo, Companhia das Letras, 2001.

Daibert Jr., Robert. Isabel: a “Redentora” dos escravos. Bauru, EDUSC, 2004.

Fraga Filho, Walter. Encruzilhadas da liberdade. Campinas, Editora da UNICAMP, 2006.

Gomes, Flávio e Domingues, Petrônio (org). Experiências da emancipação: biografias, instituições e movimentos sociais no pós-abolição (1890- 1980). São Paulo, Selo Negro, 2011.

Gomes, Flávio e Cunha, Olívia Maria Gomes da (org.). Quase-cidadão: histórias e antropologias do pós-emancipação no Brasil. Rio de Janeiro, FGV, 2007.

Gomes, Flávio e Schwarcz (org). Dicionário da escravidão e liberdade. São Paulo, Companhia das Letras, 2018.

Grinberg, Keila. O fiador dos brasileiros. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2002.

Hébrard, Jean e Scott, Rebecca. Provas de Liberdade: uma odisseia atlântica na era da emancipação. São Paulo, Editora da UNICAMP, 2014.

Mac Cord, Marcelo; Araújo, Carlos Eduardo Moreira e Gomes, Flávio dos Santos (org). Rascunhos cativos: educação, escolas e ensino no Brasil escravista.  Rio de Janeiro, Sete Letras, 2017.

Machado, Maria Helena. O plano e o pânico: os movimentos sociais na década da abolição. São Paulo, EDUSP, 1994.

Machado, Maria Helena P. T. e Schwarcz, Lilia (org). Emancipação, inclusão e exclusão: desafios do passado e do presente. São Paulo, EDUSP, 2018. 

Machado,  Maria Helena P.T. e Castilho, Celso ( org). Tornando-se livre: agentes históricos e lutas sociais no processo da abolição. São Paulo, EDUSP, 2015.

Mattos, Hebe Maria. Das Cores do silêncio: os significados da liberdade no sudeste escravista. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1998.

Medonça. Joseli Maria Nunes. Entre a mão e os anéis. Campinas, Editora da UNICAMP, 1999.

Querino, Manuel. Costumes Africanos no Brasil. Recife, Editora Massangana, 1988.

Rosa, Marcus Vinicius de Freitas. Além da invisibilidade – história social do racismo em Porto Alegre durante o pós-abolição. Porto Alegre, EST, 2019.

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A aula 4 está no blog! Vulnerabilidade e Cidadania são os temas da semana

Foi emocionante a aula de Ana Flávia Magalhães Pinto sobre liberdade negra e abolicionismos. Trouxe-nos personagens e encontros inesquecíveis que podem ser visitados também aqui no Blog. O link para a íntegra da aula e a bibliografia sugerida estão no final desta postagem.

A próxima aula, “Racialização e cidadania negra”, dá continuidade ao enredo, sob a batuta de Wlamyra Albuquerque. Nas palavras da professora da UFBA:

“A abolição da escravidão foi um dos episódios mais importantes da história do Brasil. Em 1888, vinha abaixo a instituição que sustentava o Brasil, desde os tempos coloniais.  O 13 de maio de 1888 foi o resultado de uma série de circunstâncias dadas por cenários internacionais e, principalmente, por longos embates nacionais que envolveram políticos dos várias matizes ideológicas, abolicionistas, escravizados, libertos e negros nascidos livres e, sobretudo, o Estado imperial. Na década de 1880, enquanto a escravidão desmoronava ganhava espaço a disputa entre projetos nacionais, nos quais, os limites e possibilidades de liberdade e cidadania para a população negra estavam no centro da pauta política. Neste ambiente tão acirrado e decisivo para os rumos do país, pertencimentos raciais passaram a ser demarcados como fundamentais para limitar direitos destinados à população negra que, desde a década de 1870, já era majoritariamente livre ou liberta.  À medida que a abolição se mostrava irremediável, apesar dos esforços de escravistas mais convictos para mantê-la, se fazia evidente a forte racialização que buscava subalternizar e/ou desqualificar aqueles que passaram a ser denominados como “raça emancipada”. Analisar o quanto esse processo de racialização está vinculado às tentativas de limitação de direitos à população negra e de reiteração de hierarquias raciais na sociedade brasileira no tempo da abolição será o principal objetivo da aula.”

Wlamyra Albuquerque, UFBA

Por fim, não percam, daqui a pouco e logo depois com o vídeo acessível também aqui no blog, a quarentena com a Escola de História da UNRIO desta segunda, com Mariana Muaze revisitando a histórica vulnerabilidade social do trabalho doméstico no Brasil.

A AULA 4 ESTÁ NO BLOG

ANA FLÁVIA MAGALHÃES PINTO

FONTES

Hemeroteca Digital Brasileira – Biblioteca Nacional: https://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital/

O Mulato ou O Homem de Cor. Rio de Janeiro, 1833

O Homem: Realidade Constitucional ou Dissolução Social. Recife, 1876

O Exemplo. Porto Alegre, 1893, 1894

A Pátria. São Paulo, 1889 e 1890.

Gazeta da Tarde. Rio de Janeiro, 1880…

Cidade do Rio. Rio de Janeiro, 1880…

Negritos

http://negritos.com.br/.

Jornegro, n. 2, 1978.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AZEVEDO, Elciene. Orfeu de carapinha: a trajetória de Luiz Gama na imperial cidade de São Paulo. Campinas: Editora da UNICAMP, 1999.

CARNEIRO, Sueli. A construção do outro como não-ser como fundamento do ser. Tese de doutorado em Educação. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2005.

CHALHOUB, Sidney.  A força da escravidão: ilegalidade e costume no Brasil oitocentista. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.

CHALHOUB, Sidney. Machado de Assis: historiador. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.

CHALHOUB, Sidney. Visões da liberdade: Uma história das últimas décadas da escravidão na corte. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

CRUZ, Itan.

EISEMBERG, Peter L. Homens esquecidos: escravos e trabalhadores livres no Brasil – século XVIII e XIX. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1989.

FARIA, Juliana et alii. Cidades Negras: Africanos, crioulos e espaços urbanos no Brasil escravista, século XIX. Rio de Janeiro: Editora Alameda, 2006.

FRANCO, Maria Sylvia de Carvalho. Homens livres na ordem escravocrata. 4.ed. São Paulo: Fundação Editora da Unesp, 1997.

GOMES, Flávio e CUNHA, Olívia. Quase-cidadão: histórias e antropologias da pos-emancipação no Brasil. Rio de Janeiro: FGV, 2007.

GOMES, Flávio. Negros e Política: (1888-1937). Rio de Janeiro: Zarah, 2005.

GRINBERG, Keila. O fiador dos brasileiros: cidadania, escravidão e direito civil no tempo de Antonio Preira Rebouças. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.

LIMA, Ana Paula Oliveira. Imprensa abolicionista e resistência negra em Goiás no século XIX. Monografia de Graduação. Goiânia: IFG, 2019.

MATTOS, Hebe Maria. Escravidão e cidadania no Brasil monárquico. Rio de Janeiro: Zarah, 2000.

NASCIMENTO, Beatriz. Beatriz Nascimento: intelectual e quilombola – Possibilidade nos dias de destruição. São Paulo: União dos Coletivos Pan-Africanistas (UCPA), 2018.

PINTO, Ana Flávia Magalhães. Escritos de Liberdade: literatos negros, racismo e cidadania no Brasil oitocentista. Campinas: Editora da Unicamp, 2018.

PINTO, Ana Flávia Magalhães. Imprensa negra no Brasil do século XIX. São Paulo: Selo Negro, 2010.

PINTO, Ana Flávia Magalhães. Vicente de Souza:intersecções e confluências na trajetória de um abolicionista, republicano e socialista negro brasileiro. Estudos Históricos, v. 32, n. 66, jan.-abr., 2019. Disponível em: https://doi.org/10.1590/s2178-149420190001000013.

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A aula 3 está no Blog! E a liberdade negra é o tema da vez

Domingo é dia de Blog. Como de praxe, registramos, também por aqui, a maravilhosa aula de Ynaê Lopes dos Santos, com sua bibliografia!!!!!! E convidamos a todos para a aula da próxima quarta feira.

Liberdade, liberdade… um tema sempre lembrado, mas menos visitado quando se pensa a experiência negra no mundo Atlântico sob a égide da escravidão. Não, quando a historiadora é Ana Flávia Magalhães Pinto. É dela a palavra sobre a aula 4 do nosso curso.

“Última nação das Américas a abolir o escravismo, após ter absorvido o maior contingente de mulheres e homens africanos escravizados via tráfico transatlântico, o Brasil assistiu aos esforços de representantes da elite nacional, marcadamente branca, para instituir narrativas históricas que alegavam a vigência de uma “escravidão branda” e de uma sociedade remida do “ódio entre as raças”. Essa matriz explicativa, por certo, afetou a forma como pensamos as experiências de liberdade entre pessoas negras e o próprio fim da escravidão, celebrado na chamada Lei Áurea, de 13 de maio de 1888. Nesta aula, a partir de dados empíricos sobre trajetórias individuais e coletivas de homens e mulheres negras livres e libertas vividas antes de 1888, faremos um exercício de reflexão sobre os abolicionismos no plural, considerando diferentes perspectivas e expectativas em torno da universalização da cidadania brasileira entre todos que assumissem essa nacionalidade. Os dados nos convidam a um confrontamento das políticas de memórias estruturalmente organizadas por valores racistas e, portanto, excludentes.”

AULA 3: Ynaê Lopes dos Santos

CIDADES ESCRAVISTAS E DIÁSPORA NEGRA NO ATLÂNTICO

Ynaê Lopes dos Santos (UFF)

Documentação citada:

Biblioteca Nacional do Brasil (doravante BN). Ofício do Marquês de Aguiar ao Conde dos Arcos, 1814. Documento II-33,24,27

Bibliografia:

ALENCASTRO. L.F. A Vida Privada e a Ordem Privada no Império. In: ALENCASTRO, L.F. (org). Historia da Vida Privada no Brasil. Império: a corte e a modernidade nacional. Vol. 2. São Paulo: Cia. das Letras, 2004.

ALGRANTI, Leila Mezan. O Feitor Ausente. Estudo sobre a escravidão urbana no Rio de Janeiro 1808-1821. Petrópolis, Editora Vozes, 1988.

BERBEL, M. MARQUESE, R. PARRON, T. Escravidão e Política. Brasil e Cuba, 1790-1850. São Paulo, HUCITEC, 2010

CHALHOUB, S. Visões de Liberdade. Uma história das últimas décadas da escravidão na corte. São Paulo, Cia. das Letras, 1990.

CHILD, Matt. The 1812 Aponte Rebelion in Cuba and the struggle against Atlantic Slavery. North Carolina, The Univeristy of North Carolina Press/ Chapel Hill, 2006.

COWLING, Camillia. Concebendo a liberdade. Mulheres de cor, gênero e a abolição da escravidão nas cidades de Havana e Rio de Janeiro. Campinas, Editora UNICAMP, 2018.

FARIAS, J.B. SOARES, C.E.L. GOMES, F. No Labirinto das Nações. Africanos e Identidades no Rio de Janeiro, século XIX. Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, 2005

FARIAS, Juliana Barreto. Mercados Minas. Africanos ocidentais na Praça do Mercado do Rio de Janeiro (1830-1890). Rio de Janeiro, Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, 2015.

FERRER, Ada. Freedoms Mirror. Cuba and Haiti in the Age of Revolution. New York, Cambridge University Press, 2014.

GOMES, Flávio dos Santos. Histórias de quilombolas – mocambos e comunidades de senzalas no Rio de Janeiro – século XIX. Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, 1995.

KARASCH, A vida dos Escravos no Rio de Janeiro (1808 – 1850). São Paulo: Cia. das Letras, 2000

MOREIRA, Carlos E.A. O Duplo Cativeiro: escravidão urbana e o sistema prisional no Rio de Janeiro, 1790 – 1821. Dissertação de Mestrado defendida na UFRJ, Rio de Janeiro, 2004.

REIS, João José. Rebelião Escrava no Brasil – A história do levante dos Malês em 1835. Edição Revista e Ampliada. São Paulo, Cia. das Letras, 2003.

SANTOS, Ynaê Lopes dos. Além da Senzala. Arranjos escravos de moradia no Rio de Janeiro (1808-1850). São Paulo, HUCITEC, 2010.

_________________. Irmãs do Atlântico. Escravidão e espaço urbano no Rio de Janeiro e Havana (1763-1844). Tese de Doutorado defendida na FFLCH-USP, 2012.

___________________. Global porque escravista: uma análise das dinâmicas urbanas do Rio de Janeiro entre 1790 e 1815. In. Revista Almanack, no. 24, 2020. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/alm/n24/pt_2236-4633-alm-24-ed00519.pdf

SCHULTZ, Kirsten. Versalhes Tropical. Império, Monarquia e a Corte Real

portuguesa no Rio de Janeiro, 1808-1821. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2008.

SILVA, Marilene R. N. Negro na Rua. A nova Face da Escravidão. São Paulo, Editora HUCITEC, 1988.

SOARES, Carlos Eugênio Líbano. Zungú: rumor de muitas vozes. Rio de Janeiro, Arquivo Público do Rio de Janeiro, 1998.

SOARES, Luis Carlos. O “povo de Cam” na capital do Brasil: a escravidão urbana no Rio de Janeiro do século XIX. Rio de Janeiro, 7 LETRAS/FAPERJ, 2007.

Indicações de livros sobre a Revolução do Haitiana

BLACKBURN, Robin. A queda do escravismo colonial 1776-1848. Rio de Janeiro, Record, 2002.

DUBOIS, L. Avengers of the New World. The story of the Haitian Revolution. London, Harvard University Press, 2004.

FICK, Carolyn. The making oh Haiti: Saint Domingue Revolution from below. Univ Tennessee Press, 1990.

GASPAR, David. GEGGUS, David. (Edit.) A Turbulent Time. The French Revolution and the Greater Caribbean. Bloomington and Indianapolis, Indiana University Press, 1997.

JAMES, C.L.R. Os Jacobinos Negros. Toussaint L’Ouveture e a revolução de São Domingo. São Paulo, Ed. Boitempo, 2000.

Indicações de sites sobre cidades e memória da escravidão

Passados Presentes: memória da escravidão no Brasil: http://passadospresentes.com.br/

Afro Curitiba: https://afrocuritiba.afrosul.com.br/

Salvador Escravista: salvadorescravista.com

Santa Afro Catarina: http://santaafrocatarina.ufsc.br/santaafrocatarina/

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Aula 2 está no Blog! Na próxima semana: Cultura e Diáspora Negras na Escola de História da UNIRIO

Querides todes que seguem o blog,

O post da semana é louvação da nossa incrível parceria com o canal da Escola de História da UNIRIO durante este tempo de infinita quarentena.

Nesta segunda, o Quarentena com a Escola de História – Unirio contou com a presença de Martha Abreu, fundadora do Blog e professora visitante naquele programa de pós-graduação nos últimos dois anos. A palestra está gravada no canal da Escola de História. Quem perdeu, não deixe de conferir Martha falando sobre seu último livro, “Da senzala ao palco: canções escravas e racismo nas Américas, 1870-1930” (Unicamp). O Quarentena com a Escola de História acontece toda segunda feira às 17h no YouTube da Escola de História da UNIRIO. — em UNIRIO.

Na quarta, 19/08, também às 17 horas, a terceira aula do nosso curso Emancipações e Pós abolição: por uma outra história do Brasil, coma Profa. Ynaê Lopes dos Santos (UFF) e o tema Cidades escravistas e diáspora negra no Atlântico.

Segundo Ynaê Lopes dos Santos, professora de história da América da Universidade Federal Fluminense,

Ynaê Lopes dos Santos

“as cidades escravistas são espaços privilegiados para analisar as dinâmicas e complexidades da escravidão negra nas Américas. Nessa aula pretendo examinar como as grandes cidades escravistas das Américas, com foco nas duas maiores (Rio de Janeiro e Havana) foram espaços nos quais era possível observar a força e a escolha pela escravidão, mas também espaços de luta e resistência cotidianas, nas quais os sentidos da escravidão e da liberdade eram ressignificados pelos diferentes sujeitos históricos.”

Por fim, deixamos aqui registrada a segunda aula, de Keila Grinberg, com sua bibliografia, acompanhada por mais de 1300 pessoas ao vivo.

Aula de Keila Grinberg – UNIRIO

Cada uma de nós adorou a aula, tristemente atual em um dia em que uma autoridade do judiciário brasileiro havia condenado alguém fazendo considerações sobre “sua raça”. Foi um excelente debate, saímos todas com a sensação de missão cumprida:

A proibição do tráfico atlântico de africanos escravizados e o pacto pela escravidão

Profa: Keila Grinberg

Referencias:

Banco de dados: Voyages: The Trans-Atlantic Slave Trade Database, https://www.slavevoyages.org/. (banco de dados sobre o tráfico de africanos escravizados; disponível também em português).

Bibliografia:

– Alencastro, Luiz Felipe. “Cotas: parecer de Luiz Felipe Alencastro ao Supremo Tribunal Federal, em 04 de março de 2010”. Disponível em https://fpabramo.org.br/2010/03/24/co…

– Alencastro, Luiz Felipe, “O pecado original da sociedade e da ordem jurídica brasileira”, Novos Estudos Cebrap, no 87, São Paulo, Julho 2010. http://dx.doi.org/10.1590/S0101-33002…. Disponível em https://www.scielo.br/scielo.php?scri….

– Berbel, Marcia; Marquese, Rafael e Parron, Tamis. Escravidão e Política. Brasil e Cuba, 1790-1850. São Paulo: FAPESP/HUCITEC, 2010.  

– Bethell, Leslie. A abolição do comércio brasileiro de escravos. Brasília, Senado Federal, 2002. Disponível em https://www2.senado.leg.br/bdsf/handl…

– Chalhoub, Sidney. A Força da Escravidão: ilegalidade e costume no Brasil escravista. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. – Constituição Política do Império do Brasil (de 25 de março de 1824). Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/…

– Dantas, Monica Duarte (org.). Revoltas, Motins, Revoluções: homens livres e libertos no Brasil do século XIX. São Paulo. Alameda, 2011.

– Ferreira, Frederico Antonio, “O tráfico brasileiro de cativos na foz do rio Congo 1780 a 1930: entre velhos e novos paradigmas”, Revista Territórios e Fronteiras, vol. 10, no 1 (jan-ju 2017), 25-46.

– Fischer, B; Grinberg, K. ; Mattos, H. Direito, Silêncio e Racialização das Desigualdades nas História Afro-Brasileira. In: Alejandro de la Fuente; George Reid Andrews. (Org.). Estudos Afro-Latino-Americanos: Uma Introdução. Buenos Aires, CLACSO: 2018. http://biblioteca.clacso.edu.ar/clacs…

– Grinberg, Keila. O Fiador dos Brasileiros: cidadania, escravidão e direito civil no tempo de Antonio Pereira Rebouças. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. – Grinberg, Keila. Liberata, a lei da ambiguidade: as ações de liberdade da Corte de Apelação no Rio de Janeiro no século XIX. Rio de Janeiro, Relume Dumará, 1994. Disponível online em http://www.bvce.org.br/DownloadArquiv….

– Grinberg, Keila. “Slavery and International Relations in 19th century Brazil”. Oxford Research Encyclopedia of Latin American History, Julho 2020. DOI: 10.1093/acrefore/9780199366439.013.814 . Disponível em https://oxfordre.com/latinamericanhis…

– Grinberg, Keila. “The Two Enslavements of Rufina: Slavery and International Relations on the Southern Border of Nineteenth-Century Brazil.” The Hispanic American Historical Review, 96, vol. 2 (2016): p. 259-290. https://doi.org/10.1215/00182168-3484173

– Lima, Ivana Stolze. Cores, marcas e falas. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2003. – Mamigonian, Beatriz G. Africanos Livres: a abolição do tráfico de escravos no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.

– Mattos, Hebe. Escravidão e Cidadania no Brasil Monárquico. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.

– Mattos, Hebe. Das Cores do Silêncio. Campinas: Editora da UNICAMP, 2013.

– Mattos, Hebe. “Identidade camponesa, racialização e cidadania no Brasil monárquico”. Revista Almanack USP 3, 2006, doi: https://doi.org/10.11606/issn.1808-81…. Disponível em http://www.revistas.usp.br/alb/articl…

– Mattos, Ilmar Rohloff de. O Tempo Saquarema: a Formação do Estado Imperial. 5. ed. São Paulo: Hucitec, 2004.

– Nabuco, Joaquim, O Abolicionismo (1883). Petrópolis, Vozes, Petrópolis, 1977.

– Oliveira, Maria Luiza Ferreira de. “O Ronco da Abelha: resistência popular e conflito na consolidação do Estado nacional, 1851-1852”, Almanack USP 1, 2005, foi https://doi.org/10.11606/issn.1808-81… . Disponível em http://www.revistas.usp.br/alb/articl….

– Parron, Tamis. A política da escravidão no Império do Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011.

– Rodrigues, Jaime. O infame comércio: propostas e experiências no final do tráfico de africanos para o Brasil (1800-1850). Campinas: Editora da Unicamp / CECULT, 2000.

– Rodrigues, Jaime, “O tráfico de escravos e a experiência diplomática afro-luso-brasileira: transformações ante a presença da corte portuguesa no Rio de Janeiro”, Anos 90, v. 15, n. 27 (2008), 107-23.

– Salles, Ricardo. Nostalgia imperial. Escravidão e formação da identidade nacional no Brasil do Segundo Reinado. Rio de Janeiro: Ponteio, 2013.

– Souza, Adriana Barreto de Souza e alii. “Pacificar” o Brasil: das guerras justas às UPPs. São Paulo, Alameda, 2017.

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A aula 1 está no Blog! Na próxima: o contrabando de gente na origem do país

Quase 2000 pessoas assistiram ao vivo e mais de 10 mil já acompanharam no canal da Escola de História da UNIRIO, a primeira aula do nosso curso de extensão Escravidão, racismo e os sentidos da cidadania no processo de independência , com a professora Hebe Mattos.

Aula de Hebe Mattos (LABHOI/UFF/UFJF)

A aula fica registrada também aqui no Blog, com sua bibliografia.

Não percam a aula de Keila Grinberg, na próxima quarta feira, 12/8, no mesmo horário (17 às 19) com o tema: A proibição do tráfico atlântico de africanos escravizados e o pacto pela escravidão. Com ela, vamos conversar sobre como e por que o contrabando de gente esteve na origem do Brasil. A mediação será de Wlamyra Albuquerque.

Escravidão, racismo e os sentidos da cidadania no processo de independência

Hebe Mattos

Textos e Documentos de referência para a construção da aula:

Mattos, Hebe. “Slavery, Race and the Construction of the Imperial Order.” In Oxford Research Encyclopedia of Latin American History. Oxford University Press. Forthcoming. doi: 10.1093/acrefore/9780199366439.013.ORE_LAH-00861.

Barth, Fredrik. “Etnicidade e o Conceito de Cultura”. Antropolítica (n. 1). Niterói: EDUFF, 1995.

Bloch, Marc. Apologia da História ou O Ofício do Historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001. 

Varnhagen, Francisco Adolfo. Francisco Adolfo de Varnhagen, “Discurso preliminar. Os índios perante a nacionalidade brasileira”. In: Francisco Adolfo de Varnhagen. Historia Geral do Brazil isto é do descobrimento, colonisação, legislação e desenvolvimento deste Estado, hoje Império independente, escripta em presença de muitos documentos autênticos recolhidos nos archivos do Brazil, de Portugal, da Hespanha e da Hollanda. Tomo Segundo. Rio de Janeiro: Laemmert,, 1857, p. XIV-XXVIII.

Mott, Luís. “Um documento inédito para a história da independência”. In Carlos Guilherme Motta (org). 1822: Dimensões. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1972, p. 482.

Constituição Política do Império do Brasil (de 25 de março de 1824)

Filme:

Hebe Mattos e Martha Abreu. Passados Presentes. Memória Negra no Sul Fluminense. LABHOI/UFF, 2011.

Bibliografia:

Albuquerque, Wlamyra. O Jogo da Dissimulação. São Paulo: Civilização Brasileira, 2009.

Belton, Lloyd. “Emiliano F.B. Mundrucu: Inter-American revolutionary and abolitionist (1791–1863)”, Atlantic Studies, 15:1, 62- 82, 2018.  DOI: 10.1080/14788810.2017.1336609

Berbel, Marcia; Marquese, Rafael e Parron, Tamis. Escravidão e Política. Brasil e Cuba, 1790-1850. São Paulo: FAPESP/HUCITEC, 2010 

Fabian, Johanes. O Tempo e o Outro: como a antropologia estabelece seu objeto. Trad. Denise Jardim Duarte. Petrópolis, Vozes, 2013.

Fischer, B. ; Grinberg, K. ; Mattos, H. Direito, Silêncio e Racialização das Desigualdades na História Afro-Brasileira.  In: Alejandro de la Fuente; George Reid Andrews. (Org.). Estudos Afro-Latino-Americanos: Uma Introdução. Buenos Aires, CLACSO: 2018.

Grinberg, Keila. O Fiador dos Brasileiros. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.

Jancsó, István. Na Bahia, contra o império: história do ensaio de sedição de 1798. São Paulo e Salvador: Hucitec, 1996.

Lara, Silvia H. Fragmentos Setecentistas. São Paulo: Cia das Letras, 2007.

Mattos, Hebe. Escravidão e Cidadania no Brasil Monárquico. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.

___________. “Prefácio” IN: Frederick Cooper; Thomas Holt; Rebecca Scott. Além da escravidão: explorações sobre raça, trabalho e cidadania em sociedades pós-emancipação. Trad. Maria Beatriz de Medina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004

____________. Ao Sul da História. Rio de Janeiro. FGV Ed., 2009.

____________. Das Cores do Silêncio. Campinas: Editora da UNICAMP, 2013.

____________. Colonização e Escravidão. In: Fragoso, Joao e Gouvea, Maria de Fatima. (Org.). O Brasil Colonial Volume I (1443-1580). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014

Mendes, Antonio de Almeida. “Escravidão e raça em Portugal: uma experiência de longa duração In: Hebe Mattos e Myriam Cottias (org). Escravidão e subjetividades: no Atlântico luso-brasileiro e francês (Séculos xvii-xx) [online].

Motta, Carlos Guilherme (org). 1822: Dimensões. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1972.

Ribeiro, Gladys S. A liberdade em construção: identidade nacional e conflitos antilusitanos no Primeiro Reinado. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 2002.

Trouillot, Michel-Rolph. Silenciando o Passado: Poder e a Produção da História. Trad.  Sebastião Nascimento. Curitiba: Huya, 2016.

Silva, José Bonifácio de Andrada e. Representação à Assembleia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil sobre a Escravatura, Paris, 1825.

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Por uma outra história do Brasil (1808-2020)

Em 2019, a Mangueira conquistou o primeiro lugar do carnaval carioca com o enredo “Histórias para ninar gente grande” e um samba memorável — “A Mangueira chegou/ Com versos que o livro apagou/Desde 1500 tem mais invasão do que descobrimento/Tem sangue retinto pisado/Atrás do herói emoldurado/Mulheres, tamoios, mulatos/Eu quero um país que não está no retrato” — que homenageava personagens anônimos, os verdadeiros heróis da história do Brasil: mulheres, indígenas, escravizados, trabalhadores.

O enredo contrariava frontalmente a glorificação do período imperial e a minimização dos conflitos sociais que caracterizam a versão conservadora da história brasileira, revivida hoje por adeptos do bolsonarismo, como bem assinalaram os historiadores Thiago Krause e Paulo Pachá em artigo recente na Folha de São Paulo.

O interessante é que “a história que a história [oficial] não conta” dialoga justamente com a vigorosa produção acadêmica que, desde pelo menos os anos 1980, dedica-se a estudar indivíduos historicamente silenciados, principalmente os africanos e seus descendentes, em suas lutas centenárias pela liberdade e por direitos de cidadania, contra a escravização e o racismo, e com as mudanças nas universidades brasileiras e currículos acadêmicos, fruto das conquistas dos movimentos sociais negros nos anos 2000.

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Foi a partir desta perspectiva que o Conversa de Historiadoras planejou o curso de extensão “Emancipações e Pós-Abolição: por uma outra história do Brasil (1808-2020)”. Em oito encontros, que abordam do período da independência aos dias de hoje, discutiremos temas como escravidão, racismo, cidadania, luta por direitos, feminismo e reparação. As aulas serão ministradas pelas seis integrantes do blog e por nossas duas queridas convidadas: Ynaê Lopes dos Santos e Wlamyra Albuquerque. 

O curso começa na próxima quarta, 5 de agosto, de 17h às 19h, e será transmitido no canal do YouTube da Escola de História da UNIRIO. Os ouvintes que assistirem a 75% das aulas terão direito a certificado de participação conferido pela UNIRIO. Para isso, basta preencher o formulário disponibilizado durante as aulas. Para dúvidas, utilize o email cursoextensaohistoria@gmail.com.

Programa:    

05/08: Hebe Mattos (UFJF): Escravidão, racismo e os sentidos da cidadania no processo de independência

12/08: Keila Grinberg (UNIRIO): A proibição do tráfico atlântico de africanos escravizados e o pacto pela escravidão

19/08: Ynaê Lopes dos Santos (UFF): Cidades escravistas e diáspora negra no Atlântico

26/08: Ana Flavia Magalhães Pinto (UnB) – Liberdade negra e abolicionismos

02/09: Wlamyra Albuquerque (UFBA) – Racialização e cidadania negra

09/09: Martha Abreu (UFF) –  O pós abolição e a luta antirracista no campo cultural

16/09: Giovana Xavier (UFRJ) – Intelectuais Negras e história do pós-abolição no tempo presente

23/09: Mônica Lima (UFRJ) – Direitos, reparação e a história africana e afro-brasileira no campo da história pública

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Histórias que a nossa História já conta

Vibração e movimento

                                                                                                           Monica Lima

“Sou a flor dos campos renascida bela depois da tortura

Sou a mesma mulher serena, mas agora em festa

Neste mundo novo onde vivo não há trabalho escravo

Sou apenas brisa fresca, vibração e movimento (…)”

             Escrava Anastácia, poema de Paulina Chiziane[i]

No dia 25 de julho se celebra o Dia da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha, data comemorativa nascida em 1992 no1º Encontro de Mulheres Negras Latinas e Caribenhas, em Santo Domingos, na República Dominicana, e mais tarde, mas ainda no mesmo ano, incorporada pela ONU. No Brasil a data recebeu lugar oficial pela Lei nº 12.987/2014, sancionada pela presidenta Dilma Rousseff, e nomeada como o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra. A personagem evocada pela data é reconhecida como uma importante liderança do Quilombo do Piolho, em Mato Grosso, no século XVIII.

A produção sobre a história das mulheres negras no Brasil tem crescido muito nas últimas décadas e isso se deve em grande parte a força da presença dessas mulheres no presente, tanto no espaço da vida social como nos espaços acadêmicos. São tantos os estudos que não conseguiria citar aqui sem cometer sérias injustiças, e acredito não ter como conhecer uma produção tão rica em sua totalidade. Nesse sentido, e para que possam ter uma ideia aproximada do estado da arte atual, recomendo vivamente que assistam as lives da Rede de Historiadorxs Negrxs cujos links se encontram no texto de Ana Flávia Magalhães Pinto, aqui mesmo no post. Sabem as histórias que dizem que a história não conta? Pois estão sendo contadas. Aliás, vem sendo pesquisadas e contadas há algum tempo. É hora de pararmos para ouvir, ler, aprender mais.

Vale lembrar que nas universidades, em cursos de Graduação e de Pós-graduação, se vê cada vez mais estudantes negras, e se pode perceber a importância dos estudos em suas vidas, bem como a reverberação das questões que apresentam para esses próprios espaços de formação. A universidade vem se transformando com a presença delas – a duras penas, pois a academia tem um corpo com problemas de flexibilidade – e vem sendo desafiada a se repensar. No espaço universitário essa mudança se vive e observa tanto visualmente como na interação com elas nas salas de aula, reuniões e espaços de troca intelectual. E se pode observar como a vida acadêmica, aliás, mais que isso, a convivência com outros colegas e o lugar que passam a assumir, as transformam. Cabelos se soltam (belos blacks se formam), autoras e autores passam a integrar seus vocabulários e o fazem não deixando de inseri-los em suas circunstâncias. Essas pessoas estão reivindicando cursos com bibliografias mais plurais: mais autorxs negrxs, mais autoras, mais textos produzidos não apenas no domínio das academias europeias e estadunidenses. E a incorporação de outros saberes como referência. Vamos prestar atenção no que dizem.

Tudo isso é para que possamos refletir, sem deixar de celebrar. O dia de hoje, domingo, 26 de julho, vem também ser o dia dedicado aos avós e, no candomblé e umbanda, a Nanã Buruku (ou Buruquê), orixá identificado a com a presença feminina na criação do mundo. Portanto, trata-se de um dia para pensarmos na ancestralidade e na longa história das mulheres negras na diáspora, no seu sofrimento e sua dor, mas, sobretudo, nas possibilidades de criação que temos. Somos “brisa fresca, vibração e movimento” para o mundo.


[i] CHIZIANE, Paulina. O Canto dos Escravos. Maputo: Matiko, 2017,1ªedição, p.89

Sobre silêncios que se quebram e outros que persistem

Hebe Mattos

Em 2018, fui convidada por uma importante instituição de cultura para ministrar um curso de extensão. Quando o curso estava para se realizar, me pediram para enfatizar, entre outros temas, a questão da mulher negra na história abordando, se possível, o recente protagonismo político que o feminismo negro estava tomando no Brasil e no mundo. Por que eu, indaguei, com tantas historiadoras negras, ativistas, e diretamente engajadas com o tema? Ainda dá tempo para indicar outra pessoa? Não dava, a grade estava fechada, o tema teria surgido depois, a partir da demanda dos alunos.  

Pensei em recusar, mas resolvi fazer uma aula sobre algumas experiências recentes na minha vida acadêmica com a questão. Acabara de estar na banca de doutorado da Mariléa Almeida (sobre lideranças femininas quilombolas) e seu texto tinha me inspirado a revisitar os textos da historiadora Beatriz Nascimento para pensar a história do conceito de quilombo na Constituição de 1988 e a procurar conhecer mais sobre a história do feminismo negro no Brasil. Eu constatara, encantada, que Lelia Gonzales e Sueli Carneiro haviam se antecipado a qualquer influência estadunidense ao introduzirem, na prática, a questão da inteseccionalidade aos movimentos negro e feminista brasileiros na década de 1980. Naquele mesmo período, Giovana Xavier, a partir de um texto neste blog, havia movimentado a FLIP daquele ano com a presença de intelectuais negras. Minha aula comentava essas experiências e o que eu aprendera com elas, registrando, delicadamente, o racismo estrutural do convite e da minha tardia aproximação com contribuições tão importantes à historiografia.

A emergência dos intelectuais negros no campo historiográfico brasileiro explodiu como fenômeno nas duas primeiras décadas do século XXI. A nova historiografia sobre história da África, escravidão, pós-abolição e racismo é hoje uma das mais importantes do mundo e tem sido feita, prioritariamente, por historiadoras e historiadores negros. O ponto de vista a partir do qual fazemos nossas perguntas impacta os resultados de pesquisa. Felizmente, a importância dessa historiografia é, hoje, simplesmente incontornável.

Histórias que a nossa História já conta

Ana Flávia Magalhães Pinto

“Brasil chegou a vez de ouvir as Marias, Mahins, Marielles, malês”!

Na semana da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha e sob a inspiração deste hino que nasceu como samba-enredo da Mangueira em 2019, a Rede de Historiadorxs Negrxs (Historiadoras Negras e Historiadores Negros) promoveu a Jornada de História das Mulheres Negras para contar das algumas histórias que a nossa História já conta!

A frase é feita de repetições de palavras que marcam o ofício e os sujeitos do ofício, mas isso é necessário em tempos que cobram a demonstração de que “Vidas Negras Importam”, não apenas como tema ou objeto.

E, de fato, no fim das tardes de 21 a 24 de julho, uma maioria de historiadoras negras e também alguns historiadores negros de todas as regiões do Brasil compartilharam projetos, resultados parciais e trabalhos de pesquisa já concluídos, abarcando uma temporalidade que remete em especial aos séculos XIX e XX.

Essa foi mais uma ação em defesa do direito à história da gente negra que busca fortalecer o diálogo com um público crescente e diverso, interessado na produção de conhecimento antirracista e antissexista.

Todas as comunicações estão arquivadas no perfil do Instagram da Rede de Historiadorxs Negrxs e podem ser acessadas por meio dos links disponíveis na lista a seguir.

Na quinta-feira (30) e na sexta-feira (31), às 20h, teremos ainda a honra de receber, respectivamente, Sueli Carneiro (Coordenadora Executiva do Geledés – Instituto da Mulher Negra e filósofa) e Valdecir Nascimento (Coordenadora Executiva do Odara – Instituto da Mulher Negra e historiadora) para refletir sobre outros protagonismos de mulheres negra no Brasil e em demais pontos do território amefricano, na definição de Lélia Gonzales.

Dia 1 – 21 de julho

1 – Mulheres africanas: corpos e marcas na era do tráfico ilegal em cidades oitocentistas – Iamara Viana e Flávio Gomes;

2 – As Mulheres Negras das Ruas de São Luís do Maranhão sob a ótica do Jornal Publicador Maranhense (1821-1850) – Iraneide Soares;

3 – “Se Tem Tornado Insubordinada, a Ponto de Não Querer Obedece-lo”: a luta por emancipação da africana livre Benedita, Maceió (1850-1861) – Danilo Luiz Marques;

4 – A política das mulheres de elite: o caso da “morena” Amanda Paranaguá, dama de companhia na Corte do Brasil (1854-1889) – Itan Cruz;

5 – As Mães dos ingênuos por força da Lei de 1871 – Lucimar Felisberto dos Santos;

6 – Sabina da Cruz: a história da mulher que denunciou o levante dos Malês – Luciana Brito;

7 – Para serem donas de si: mulheres negras lutando em família (Feira de Santana, Bahia, 1871-1888) – Karine Teixeira Damasceno.

Dia 2 – 22 de julho

1 – Da educação primária ao ensino superior: O Desafio das mulheres de cor trabalhadoras para alcançar a educação escolar entre o final do século XIX e o início do século XX – Mayara Santos e Jucimar Cerqueira;

2 – Professora Coema e o “início” da manhã da família Hemetério dos Santos (1888-1920) – Luara Santos;

3 – Sarah Maldoror: cinema, redes femininas e luta anticolonial em Angola – Leandro Bulhões;

4 – O TEN das mulheres: Teatro, política, gênero e raça na década de 1940 – Cyda Moreno e Flávio Gomes;

5 – Trabalhadoras Negras em Maceió: experiência e cotidiano no pós-abolição – Sandra Sena

6 – Gênero, raça e classe: feminismos no Brasil entre as décadas de 1940 e 1960 – Iracélli da Cruz Alves.

Dia 3 – 23 de julho

1 – Benzedeiras Quilombolas: cuidados com o corpo e com a lavoura no litoral do Rio Grande do Sul – Claudia Daiane Garcia Molet

2 – Entre o tecer de redes e o arrastar de lamas: experiências de mulheres marisqueiras na comunidade Quilombola de Santiago do Iguape – Ana Paula Cruz;

3 – Mulheres Quilombolas na luta contra ao racismo ambiental – Silvane Silva;

4 – Mulheres negras e a defesa do direito à terra em Belo Horizonte-MG – Josemeire Alves;

5 – O direito à maternidade: Relatório da CPMI de 1992, esterilização em massa de mulheres negras e eugenia (Parte 1 e Parte 2) – Sabrina Cristina Queiroz Silva.

Dia 4 – 24 de julho

1 – “Expelho de Oxum”: memórias e representações de corpos subalternizados em escrevivências de mulheres da Diáspora Africana – Edinelia Maria Oliveira Souza;

2 – A “mulata trágica”: repensando a categoria mulata no Brasil – Angélica Ferrarez de Almeida;

3 – As rainhas do maxixe: gênero e raça no teatro de revista carioca (1889-1920) – Juliana Pereira;

4 – Beatriz do Nascimento – Quilombo como um território existencial e físico – Mariléa de Almeida;

5 – Luiza Bairros – uma bem lembrada entre nós – Ana Flávia Magalhães Pinto.

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Dossiê: Estátuas!!!!!

Há duas semanas, desde que a imagem da derrubada da estátua do traficante de escravos Edward Colston correu mundo, o assunto passou a ser intensamente discutido no Brasil. Tema caro a todas nós, o Conversa de Historiadoras preparou um dossiê no qual cada uma discute a força do passado na sociedade brasileira. Circulamos os textos em separado, e aqui apresentamos todos reunidos.

 

O que documenta um monumento?

Hebe Mattos

A imagem da derrubada da estátua do traficante de escravos Edward Colston, no domingo, 7 de junho, em Bristol, na Inglaterra, no próprio dia circulou por todo o mundo. A repercussão do fato rendeu dois artigos na imprensa brasileira que eu tomo como ponto de partida para este texto.

O primeiro, publicado em 12 junho no site da BBC News Brasil, continuou a circular no twiter da empresa jornalística com a hashtag #MaisLidas, com uma foto da estátua do contrabandista de escravos africanos Joaquim Pereira Marinho protegendo duas crianças brancas em frente ao hospital Santa Izabel, no Largo de Nazaré, em Salvador, com a manchete: “Quem foi Joaquim Pereira Marinho, o traficante de escravos que virou estátua na capital mais negra do Brasil”.

Antes de ver a chamada do artigo no twitter, na quarta feira, dia 18 de junho, eu havia participado da banca de defesa da tese de doutorado em história de Silvana Andrade dos Santos, na UFF. A pesquisa segue a trajetória de consagração de dois outros renomados comendadores contrabandistas de escravizados da sociedade baiana e de um negociante estadunidense que se tornou cônsul daquele país em Salvador, após deixar de negociar com o frete de navios fabricados na Filadélfia para o tráfico ilegal. Ainda em plena vigência do contrabando, os três se tornaram acionistas fundadores daquela que se tornaria a maior fábrica de tecidos do Império brasileiro, na Imperial cidade de Valença, no Sul da Bahia, voltada para a produção de algodão para sacaria de fazendas escravistas e roupas de cativos. A memória pública da fábrica, desde finais do século XIX, faz questão de enfatizar que a empresa nunca teria utilizado trabalho de escravizados, o que absolutamente não é verdade. Alguns dos acionistas foram, inclusive, proprietários de fazendas voltadas para os desembarques clandestinos de cativos na região em que a fábrica foi instalada, o que pode ter influenciado a decisão de instalação do empreendimento. O trabalho estará em breve disponível online no repositório de teses do PPGH/UFF.

Hipóteses relacionando os capitais liberados pelo fim do tráfico com o desenvolvimento da indústria no Brasil oitocentista são antigas, mas o detalhamento do entrelaçamento das atividades ilícitas dos acionistas com estratégias de consagração social e diversificação de “investimentos” me impressionaram. Ainda impactada pela leitura da tese, compartilhei o twitt da BBC-Brasil com o comentário:

“Manchete e foto são um soco no estômago. Para refletir sobre o força do passado na sociedade brasileira”.

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O segundo texto, dos historiadores Paulo Pachá e Thiago Krause, na Revista Época, do dia 19 de junho, contesta diversas manifestações na imprensa que criticaram o movimento pela retirada de estátuas que homenageiam antigos ditadores, traficantes escravistas ou colonialistas genocidas, entendido (o ativismo anti-estátuas) como ameaça ao patrimônio histórico, fundada no anacronismo. O texto é excelente e vale a leitura. Desenvolve um argumento fundamental e frequentemente ignorado: estátuas falam mais do tempo em que foram construídas do que dos personagens que celebram. O artigo destaca, ainda, a existência de moralidades em disputa na própria época em que as figuras controversas foram homenageadas.

Por que a estátua de Joaquim Pereira Marinho protegendo duas crianças brancas na capital mais negra do Brasil é um soco no estômago?

Porque foi construída no século XIX, pela instituição de caridade em que o personagem atuava, exatamente para ajudar a esquecer ou apagar o fato, amplamente conhecido, de que o homenageado havia enriquecido contrabandeando crianças negras escravizadas. Cada navio do tráfico ilegal transportou para o Brasil algumas centenas de jovens escravizados africanos, em sua maioria com menos de 12 anos de idade, desembarcados em praias de propriedade de fazendeiros traficantes, como os acionistas da fábrica de Valença, com alarmantes índices de mortalidade.  A associação entre contrabando de escravizados e filantropia no século XIX está diretamente ligada à tentativa de apagamento de um passado pessoal desonroso, nos termos da época, como bem destaca Ana Lucia Araújo na reportagem da BBC.

Joaquim Pereira Marinho não esteve sozinho. O apagamento da memória da intensa participação ou cumplicidade dos construtores da estabilidade do estado imperial com o contrabando de cativos africanos ocupa lugar privilegiado na fabricação do racismo institucional brasileiro. Nas palavras de Joaquim Nabuco, ao escrever a biografia do pai, Nabuco de Araújo, “pode-se dizer mesmo que pareceu sempre mais fácil [para gerações sucessivas de estadistas] abolir a escravidão de um golpe do que fazer cumprir retrospectivamente a lei de 7 de novembro” (de 1831 que tornou ilegal o tráfico de escravizados no Brasil), o que fazia até mesmo liberais anti-tráfico, como Nabuco de Araújo, cúmplices do contrabando que, em alguma medida, combateram.

Somos herdeiros de um estado contrabandista de crianças africanas que ergueu muitas estátuas para apagar este fato. Nascidas desse solo institucional, é absolutamente revoltante, mas não de todo surpreendente, que nossas instituições continuem ignorando o assassinato contumaz de crianças negras por suas forças policiais, com ampla cumplicidade dos “cidadãos de bem” da vez.

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Sobre destruição e reconstrução

Mônica Lima

“Pode não parecer, mas eu tenho uma história

Uma casa com alicerces profundos, paredes flexíveis.

No quintal uma mina d’água na sombra de um jequitibá.”

trecho de “História”, poema de Ana Cruz, publicado em SEMOG, Ele(org). Amor e outras revoluções, Grupo Negrícia. Rio de Janeiro: Pallas, 2019

Tenho acompanhado apaixonadamente as matérias jornalísticas e os debates sobre a derrubada e intervenção nas estátuas que homenageiam personagens cuja trajetória esteve ligada ao tráfico escravista, à própria escravidão, ao colonialismo e à diversas expressões de racismo. Leio e mal posso controlar meu entusiasmo, tornam-se um sopro de energia no meio da onda nefasta que me é trazida pelo assassinato sistemático de negros, o extermínio consentido de povos indígenas, as mortes da pandemia e a vida política do nosso país – cujas notícias vinham desnutrindo cotidianamente minha força vital.

Como historiadora e cidadã, reconheço que não é simples a discussão, e que há que se escutar e pesar bem os argumentos que assinalam o significado de um monumento para o entendimento da história, o valor de um patrimônio e a impossibilidade de estarmos destruindo e reconstruindo permanentemente nossas cidades e logradouros para que sejam erguidas estátuas, praças e prédios com outros personagens e referências. No entanto, nenhuma dessas ponderações até agora me convenceu que os movimentos e ações levadas a cabo por manifestantes em diferentes partes do mundo estejam equivocados. Muito pelo contrário, a articulação que esses movimentos recentes trazem com a campanha internacional #vidasnegrasimportam os tornaram não apenas oportunos como situados ao lado da justiça e da defesa de causas fundamentais para o momento em que estamos.

Vale lembrar outra história, que algumas vezes têm estado presente nesse debate. Em 2015, estudantes e ativistas sul-africanos iniciaram uma campanha para a retirada da estátua em homenagem a Cecil Rhodes na Universidade do Cabo, na África do Sul. Esta campanha teve como um de seus líderes um estudante bolsista de origem popular da universidade, que se chamava Chumani Maxwele, e que protagonizou uma ação de inequívoco desprezo pelo monumento atirando fezes na estátua. O caráter desse gesto causou espécie a muitos, e deu partida tanto a uma discussão sobre o “respeito ao patrimônio” como sobre o que deveria ser a conduta “mais adequada” de uma manifestação política. Outras lideranças estudantis surgiram, e o movimento cresceu, alcançou outras universidades fora da África do Sul, ganhou espaço na imprensa internacional e nas redes sociais e… Rhodes caiu. Porém, para além da vitória dos ativistas, o movimento #RodhesMustFall abriu espaço para um debate – que já existia, mas se fortaleceu – sobre o ensino de história da África do Sul e as diferentes perspectivas presentes nesse mesmo processo, considerando que estudantes africâneres também haviam engrossando a campanha, por questionarem a presença de uma visão favorável ao colonialismo inglês.

A história ocorrida na África do Sul nos permite pensar um pouco mais sobre o quanto ainda temos que avançar, no nosso país, no ensino da história e cultura africana e afro-brasileira e no conhecimento e reconhecimento de espaços e monumentos que nos remetem a nossa ancestralidade, a nossa luta, e aos personagens que as protagonizaram. Os monumentos que homenageiam os que se dedicaram a oprimir, a destruir e desvalorizar nosso passado presente negro africano podem e devem ser deslocados ou ressignificados, quando sua presença nos causar dor e ofender nossa autoestima. E por isso é importante debater sobre eles, problematizá-los. Mas, é importante também pensarmos em como produzirmos outros monumentos e ocupar a cidade com outras histórias.

Numa discussão com o grupo de representantes do conselho consultivo do Museu de História Africana e Afro-brasileira – projeto hoje silenciado – junto com a historiadora Martha Abreu, iniciamos um importante e rico debate sobre as formas de representar a história da escravidão, marcada pela violência e sofrimento, mas também pela criação, resistência e enfrentamento por parte das pessoas postas em situação de cativeiro. Foi apenas um começo, mas já nos anunciou as grandes possibilidades que esse caminho abria. Como romper com os estereótipos sustentados por imagens e textos que historicamente subalternizavam os escravizados? Como trazer questões contemporâneas, urgentes, como o debate sobre reparação e associá-lo a essa história, sem reduzir toda a explicação da força do racismo na nossa sociedade à escravidão? Como exibir, apresentar visualmente e materialmente esse passado presente – trago o termo remetendo conscientemente ao projeto que o consagrou – de forma a valorizar nossa história e a luta da população africana e negra? Certamente, não tenho respostas imediatas, mas a certeza que ampliar essa discussão e ouvir – e considerar – as pessoas e comunidades mais diretamente envolvidas nos efeitos desse passado sensível é a melhor maneira de dar conta dessas questões.

Valorizar essa história, com seus alicerces profundos e paredes flexíveis (como lembra o lindo poema de Ana Cruz, que recomendam que leiam todo), terá o poder de reconstruir e ressignificar o nosso patrimônio, a cidade e o país.

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Pela desmonumentalização do racismo em escala global

Ana Flávia Magalhães Pinto

Em 1926, quando Monteiro Lobato lançou o romance de ficção científica Choque das Raças, depois rebatizado de O Presidente Negro, o Brasil se aproximava da marca de 40 anos da abolição, enquanto os EUA tinham acabado de contabilizar seis décadas desde que se oficializou nacionalmente a emancipação, em 19 de junho de 1865, o Juneteeth.

Nos EUA, as leis Jim Crow, que tornavam legal a segregação racial, pavimentavam por lá também uma “falsa abolição”e encorajavam linchamentos e massacres coletivos contra a população negra, sabotando o sucesso de black towns e bairros negros. Enquanto isso, por aqui, reverberavam projeções de homens de ciência, letras e Estado que apostavam na eliminação da visualidade da presença negra por força do aumento do “elemento branco” via imigração, mestiçagem e outros expedientes. Violências ausentes ou suavizadas nos livros escolares de ambos os países por muito tempo.

Optei por trazer o romance de Lobato, não só porque ali podemos acompanhar um registro do consenso acerca do “não lugar” da população negra no Brasil e nos EUA, mas também porque o romance, o autor e as questões que o mobilizaram a escrever nos permitem refletir sobre o processos de monumentalização do racismo no passado, no presente e no futuro. Não por acaso, uma vez que a obra de Lobato entrou em domínio público no ano passado, estamos assistindo a uma série de tentativas de protegê-lo, tal como às estátuas de Borba Gato e do conde Pereira Marinho, de qualquer atitude de “vandalismo” promovida por “iconoclastas antirracistas” – acusações que circulam em mais bocas que a de um jornalista convicto da sua objetividade.

A ação do romance de 25 capítulos se passa no ano do lançamento da obra, mas seus personagens centrais Ayrton Lobo e Miss Jane, filha do professor Benson, estão às voltas com fatos ocorridos em 2228. Benson era descendente de um mineralogista norte-americano que havia se fixado em São Paulo no século XIX, casando-se com a filha de um fazendeiro, por certo escravista. Benson havia inventado uma máquina do tempo e escondia o feito num castelo habitado por “criados mudos”. Curiosamente o evento histórico que mais chamou a atenção de Miss Jane foi a eleição do primeiro presidente negro nos EUA, 363 anos após o fim da escravidão.

Muitos conhecem essa história por conta das citações feitas quando da eleição de Barack Obama em 2008. Mas eu gostaria de chamar atenção para elementos menos destacados.

No sétimo capítulo, intitulado “Futuro e Presente”, Ayrton e o professor Benson entram num gabinete do castelo em que Miss Jane observa o porvir através de um globo de cristal. Ao se dar conta da presença deles, ela comenta: “Papai, estou no fim da tragédia, do crepúsculo da raça. Dudley ganhou uma estátua.” A identidade de Dudley só começa a nos ser revelada no capítulo 20 “Convenção Branca”. Diante da vitória de Jim Roy nas eleições de 2228, a liderança negra de pele já esbranquiçada e cabelos crespos, uma convenção de homens brancos seria realizada a fim de encontrar uma saída para a “tragédia”. John Dudley é apresentado como “o pai da côr numero 8 e autor de 72 invenções”. Ele seria responsável pela descoberta dos raios ômega, que não só alisariam definitivamente os cabelos crespos de todos as pessoas negras, completando o processo de embranquecimento físico, como funcionaria como uma ação genocída, uma vez que, secretamente, promovia a esterilização de quem fizesse uso.

A posse do presidente negro não acontece, como parte do plano. E, tendo sido responsável por promover a resolução final para uma “dor de cabeça histórica” enfrentada por longos séculos, decênios mais tarde Dudley seria homenageado por meio de edificação de um busto seu, um “monumento de gratidão erigido pelo sócio branco em homenagem ao sócio negro”. Ou seja, homenageava-se o causador branco da extinção do negro.

Além da projeção da eliminação negra nos EUA, o romance de Lobato não reconhece qualquer ação política negra no Brasil ainda no século XX e depois. A julgar pelos comentários dos personagens locais, as decisões já haviam sido bem encaminhadas nos termos que por aqui teria funcionado melhor: contornando o equívoco da mestiçagem, a porção do Brasil temperado se juntaria com a Argentina, o Uruguai e o Paraguai, passando a ser habitada só por brancos e se mantendo próspera; enquanto o restante do território seguiria “sofrendo o erro e suas consequências”.

Sintoma do fracasso das leituras e projeções de Lobato e outros como João Batista de Lacerda, a pensadora negra Lelia Gonzales, em 1988, expôs sua perspectiva de leitura das experiências da gente negra neste lado de cá, por meio do conceito de “Amefricanidade”. Afora repertórios culturais e ancestrais comuns, Lelia encorajava análises das ações históricas negras em perspectiva transnacional, de modo a até mesmo romper a fronteira da América Latina e incorporar o vivido por nossa gente negra nos EUA, ainda visto por muitos como a expressão oposta da formação racial brasileira.

O desafio proposto por Lelia Gonzales está sendo reafirmado nas últimas semanas, como também deu a ver a escritora haitiana Edwidge Danticat, em seu artigo “So brutal a death”, publicado no jornal The New Yorker, em que ela demonstra como as reações ao brutal assassinato de George Floyd são ressonâncias de longas lutas contra o racismo antinegro em escala global. Algo que até mesmo fez com que funcionários africanos de alto nível das Nações Unidas tenham apresentado um manifesto na última semana e que uma tentativa de reposicionar a agenda da Década Internacional de Afrodescendentes esteja em curso.

O que estamos assistindo e realizando mais uma vez são expressões de sujeitos históricos negros múltiplos, que têm trajetórias de longa duração, mas que não cabem em matrizes narrativas que pressupõem a nossa inexistência, eliminação ou, quando muito, uma absoluta subalternidade. Matrizes narrativas que até permitem o esboço de comoção perante as evitáveis mortes de homens, mulheres e crianças negros, mas priorizam a defendesa do valor cívico e civilizatório atribuído a estátuas, escritores e práticas de sociabilidade que autorizaram a negação da nossa humanidade e cidadania, legitimaram linchamentos e genocídios. Essas matrizes narrativas em que a liberdade negra só faz sentido como causadora de uma “dor de cabeça histórica”, como registrado no romance de Lobato.

É importante dizer que tal dinâmica também sequestra nossa capacidade, como dissidentes, de reconhecer e nos apropriar profunda e seriamente das lutas negras. Tenho batido na tecla da necessidade de se pensar a liberdade, porque compartilho do entendimento de que fazer isso, numa sociedade estruturalmente racista, é caminho de acesso dados empíricos que deixem cada vez mais evidente a centralidade do racismo e as formas como ele opera em múltiplas direções. Precisamos ir além do que nos foi autorizado a pensar. Para fazer frente ao consenso acerca da irrelevância histórica da gente negra e de seus questionamentos, precisamos radicalizar nossas agendas de disputa das múltiplas narrativas sobre nós.

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Os deuses gregos e o Valongo: um caso exemplar de estátuas fora do lugar

Martha Abreu

Quem visita o Cais do Valongo hoje, local de chegada de aproximadamente 1 milhão de africanos escravizados,  tem dificuldades para imaginar quantas transformações aquele espaço já passou para esconder  um dos maiores crimes contra a humanidade, como tão bem demonstrou José Pessoa.  Da antiga praça do mercado, onde se localizava o Cais da imperatriz, projetada  por importantes engenheiros e arquitetos da Corte para mostrar a civilização do Império do Brasil,  só restou mesmo, e não sei bem os motivos, o obelisco, outrora um chafariz (um dos muitos destinados ao abastecimento da cidade).  A coluna de granito, bem visível, ficava ao centro de um tanque regular, não mais existente, e ainda sustenta uma esfera armilar e três setas de bronze, símbolo das armas da cidade.

Mas como o assunto são as estátuas, vou me ater ao sumiço de quatro estátuas de deuses gregos (ou romanos?) que lá tinham sido colocados em 1843 para receber (e impressionar?) a princesa napolitana Teresa Cristina, futura esposa de D. Pedro II e imperatriz do Brasil. Quem teria tirado as estátuas dos deuses gregos?  Foram arrancadas, destruídas ou foram para algum museu? Alguém protestou ou fez algum movimento para que permanecessem no local?

Ironias a parte, ficamos sabendo que as estátuas atravessaram o século 19 e dali só foram retiradas em função das obras de reforma do porto, empreendidas pelo então prefeito Pereira Passos, no início do século 20.  Não satisfeito de enterrar mais uma vez o passado africano, Pereira Passos enterrava também o passado imperial com a construção do porto moderno (e republicano) e com a retirada das estátuas do Cais.

Mas se o visitante seguir pelo Circuito da Herança Africana, idealizado quase 100 anos depois pela prefeitura de Eduardo Paes, encontrará as estátuas dos deuses gregos!!!  Elas estão muito bem conservadas e imponentes no Jardim Suspenso do Valongo, um jardim elevado alguns metros da rua, construído por Pereira Passos (simbolicamente associado aos jardins da babilônia), em 1906, quando da abertura da velha rua do Valongo (hoje Camerino). A ideia do arquiteto Luis Rei era um jardim para deleite e passeio em lugar aprazível, bem de acordo com a política municipal de embelezamento – e branqueamento – da cidade de acordo com o gosto europeu. Mas logo ali?

Pouco se sabe da origem ou autoria das estátuas de mármore que representam os deuses Minerva, Marte, Ceres e Mercúrio.  Mas, muito diferente dos marcos da presença africana na região, como o Cemitério dos Pretos Novos (IPN) e a Pedra do Sal, foram muito bem cuidadas e protegidas –  não tenho dúvidas.  Junto com o Jardim, as estátuas receberam proteção do IPHAN através do tombamento realizado em 1938. Na década de 1990 teriam saído dali para um apurado trabalho de restauração. Em 2014, quando das reformas do “porto maravilha” e do próprio Jardim Suspenso por Eduardo Paes, as estátuas teriam retornado ao Jardim por decisão do prefeito, pelo que pude apurar (não consegui descobrir ao certo se as que ali se encontram são as originais, ou não, posto que foram feitas cópias para garantir total proteção). Era o “porto maravilha”.

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Foto Guilherme Hoffmann. Projeto Passados Presentes.

Com certeza, é bom saber que estátuas da primeira metade do século 19, peças decorativas de um cais para receber uma princesa europeia, tenham sido tão consideradas e valorizadas.  A municipalidade pagou por elas, são obras artísticas e patrimônios tombados. Perfeito! O que não é nada perfeito é só elas terem recebido tratamento e destaque especial, quando vemos que o patrimônio afro-brasileiro na região só com enorme mobilização dos movimentos sociais mantém presença e visibilidade.

A pergunta que não pode calar é: Qual o sentido de visitarmos o Jardim Suspenso hoje e seus deuses gregos, se não sabemos o que suas estátuas realmente significaram quando foram colocadas no Cais e depois transferidas para o Jardim? Preciso confessar que não defendo a remoção das estátuas para algum museu, muito menos que sejam derrubadas ou destruídas, até porque todos os deuses merecem respeito. Esses, por sinal, não têm responsabilidade alguma com a história do tráfico, muito menos com as políticas racistas e de branqueamento da primeira república. MAS ELAS NÃO PODEM FICAR ALI SOZINHAS, registrando só um lado da história – esse é o ponto!!!!!

Ao longo do século XIX, essas estátuas ajudaram a esquecer o local de entrada de africanos escravizados. Ao longo do século XX pousaram com “olhar de paisagem”, certamente sem entenderem nada, no coração da Pequena África, onde os descendentes de africanos escravizados construíram um Brasil negro e antirracista com seus orixás, sambas, carnavais, associações dançantes, religiosas e de trabalhadores. Sua presença ali, sozinhas, indicam a vitória de uma única memória, passado e história. Basta. É hora de mudança no sentido de construção de uma história pública que registre a presença negra no espaço urbano.

Mas ainda cabe uma pergunta: o que fazer com as estátuas agora?  Já ouvi ótimas e criativas respostas de alunos e visitantes (como por exemplo, pintá-las de preto, cobri-las com um pano preto). Vale talvez uma ampla discussão e consulta com a população e movimentos sociais da Pequena África, mas meu voto será para deixá-las ali mesmo como testemunhas do racismo na decoração do espaço urbano. Por outro lado, todos os deuses podem ajudar na reconstrução do passado e no fim do silenciamento da história dos afro-brasileiros.

Podemos começar com a sugestão de mudança do nome do próprio Jardim Suspenso para Mirante da Pequena África, proposta que eu e Monica Lima desenvolvemos no Museu da História e Cultura Afro-Brasileira (MUCHAB), já que dali se avistam a Praça dos Estivadores, a Rua Barão de São Felix, o morro da Providência, a Central do Brasil, os morros das primeiras Escolas de Samba e a velha Praça Onze, locais de memória da história negra na cidade do Rio de Janeiro.  Outra possibilidade é invadirmos o velho espaço de Pereira Passos com estátuas de deuses africanos e personalidades negras que protagonizaram a história da região e do Brasil, como Tia Ciata, que, aliás, já está ali, a Rainha Mandinga, Mãe Aninha, Monteiro Lopes, Mano Eloi, Pixinguinha e muitos outros. Só desta forma os deuses gregos, ou melhor, as estátuas dos deuses gregos, podem permanecer na Pequena África.

Foto Alexandre Macieira - Riotur

Foto Alexandre Macieira, Riotur.

Isto não é uma estátua  

Keila Grinberg

Algo está muito errado em uma sociedade cuja polícia protege suas estátuas e ataca seus cidadãos. Ainda mais quando a polícia ataca os descendentes daqueles a quem a pessoa representada pela estátua escravizava.

Desde que a derrubada de estátuas de traficantes e escravocratas passou a integrar os protestos anti-racistas contra a violência policial na Inglaterra e nos Estados Unidos, a polícia de São Paulo vem protegendo a estátua de Manuel de Borba Gato (1649-1718), símbolo do bando que escravizava, estuprava e assassinava indígenas e negros.

O mais interessante é que, no contexto dos atuais protestos, nem a estátua de Borba Gato nem qualquer outra foi de fato ameaçada no Brasil. O que houve aqui foi um civilizado abaixo-assinado, demandando das autoridades a remoção da escultura. Mas só a possibilidade de que algo pudesse acontecer ao monumento gerou uma reação de tal monta que só pode ter sido causada pelo medo branco à simples ideia de uma onda negra entre nós.

Onda negra, medo branco é o título do livro de Celia Azevedo (Paz e Terra, 1987), cujo tema é o medo dos escravocratas brasileiros de que houvesse no Brasil uma rebelião de escravizados como a que houve na colônia francesa de Saint Domingue em 1791 e levou à independência do Haiti. Ao longo do século XIX, o pavor sentido pela elite brasileira foi usado como justificativa para a repressão desmedida contra qualquer ação de resistência da população escravizada. No pós-abolição, ele foi traduzido em políticas públicas excludentes e em violência racial.

Em geral, há dois argumentos usados por aqueles que defendem a  manutenção das estátuas nos espaços públicos. Uma é o seu valor como obra de arte. Convém lembrar, nesses casos, que  a prática de intervir em objetos, mesmo aqueles de indiscutível valor artístico, faz parte da própria dinâmica de constituição dos espaços públicos. Um exemplo: quem visita o Jardim Botânico do Rio de Janeiro tem a oportunidade de apreciar o portal da Real Academia de Belas Artes, projetado pelo arquiteto francês Grandjean de Montigny. Até 1908, o portal ficava no edifício da escola, próximo à praça Tiradentes, no centro da cidade. Com a demolição do prédio, ele foi removido e integrado à belíssima Aléia das Palmeiras, projetada no século anterior. Ficou lindo — mas totalmente descontextualizado de sua função original.

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O outro argumento contra a intervenção nas estátuas diz respeito ao seu suposto valor histórico. Remover uma estátua seria como apagar a História, argumentam alguns. Aqui é hora de lembrar que as estátuas são monumentos erigidos com a intenção explícita de homenagear pessoas ou acontecimentos do passado. Elas não são o passado.

A estátua que você vê na rua nunca é só uma estátua. No caso de esculturas que homenageiam pessoas, elas sempre remetem pelo menos a três tempos: ao tempo em que o homenageado viveu; ao tempo que o objeto foi elaborado; ao tempo presente, quando ele é cotidianamente ressignificado por aqueles que o vêem.

Quando uma estátua deixa de ser uma estátua e passa a ser objeto de disputas? Talvez todas sejam. Outro exemplo: bem no centro do calçadão da praia Vermelha, que eu frequentava quase diariamente antes do início da pandemia, jaz a escultura em bronze que representa o compositor polonês Frederic Chopin (1810-1849), de Augusto Zamoysky.  O monumento, inaugurado em 1944, foi transferido seis anos depois para a praça Floriano, de onde retornou em 1959. Pois outro dia descobri que o monumento foi um presente da Associação dos Poloneses do Rio de Janeiro em desagravo à destruição de uma estátua de Chopin em Varsóvia, quando a cidade foi invadida pelos nazistas. Símbolo do nacionalismo romântico polonês, a imagem do compositor já havia sido atacada pelos russos no século XIX, que proibiram suas músicas e até destruíram seu piano. O presente da comunidade polonesa à cidade do Rio de Janeiro não deixa de ser um protesto e uma afirmação da independência polonesa. Hoje em dia nós, frequentadores do local, sequer notamos a escultura.

Por que ninguém ataca a escultura de Chopin aqui no Rio? Por que tanto pavor é  suscitado pela mera discussão sobre o destino dos monumentos que representam assassinos, escravizadores, traficantes? Porque é este o passado que nós precisamos, aqui no Brasil, confrontar. Porque este é o passado do nosso desconforto, aquele que ainda não passou.

Ao invés de lidar com os nossos traumas, nós reforçamos os mitos da ausência de conflito em nossa história: fomos os únicos a proclamar a independência sem guerra; nossa escravidão foi abolida sem sangue, no Parlamento; nossa ditadura militar começou a ser finda com uma lei que anistiava resistentes e torturadores. Enquanto negamos os conflitos, convivemos com o racismo, com a violência, com a sombra do autoritarismo.

Confrontar o passado exige que reconheçamos seus horrores. Para começar, podemos deixar de homenagear ditadores e escravistas em nomes de ruas, praças, escolas. Talvez assim consigamos ver o dia em que a polícia vai deixar de proteger as estátuas e se dedicar a seus cidadãos.

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Estátuas, inadequações e o poder das “alternativas”

Giovana Xavier

Uma garotinha passava com a mãe diante da estátua de um europeu que havia dominado um leão feroz com as próprias mãos. A garotinha parou, olhou-a intrigada e perguntou: “Mamãe tem uma coisa errada com essa estátua. Todo mundo sabe que um homem não consegue ser mais forte que um leão”. “Mas querida”, respondeu a mãe, “não se esqueça de que quem fez a estátua foi o homem”.

(Karl Mannheim, Ideologia e Utopia Apud Patricia Hill Collins, Pensamento Feminista Negro, 2019, p. 402).

Ando em uma fase de muitas mudanças internas, que também têm repercutido nas minhas identidades e projetos profissionais. Dei-me conta disso em março de 2020, quando profundamente angustiada, com mais perguntas do que respostas, decidi pausar o ativismo intelectual nas redes sociais. Esse período coincidiu com a chegada da pandemia racial global COVID 19 ao Rio de Janeiro, culminando em políticas emergenciais de isolamento social. Ressignificado como recolhimento, o estar em casa, focada inteiramente na família, no trabalho doméstico e na produção acadêmica individual tem me suscitado reflexões densas sobre rupturas e conquistas oriundas de concepções sobre ativismo, ciência e política.

Dentro desse contexto de revolução pessoal, acontecimentos do último mês e suas repercussões em meios acadêmicos, ativistas e midiáticos levaram-me a pensar sobre a “inadequação” entre a formação recebida como historiadora social e os projetos acadêmicos de ativismo científico que conduzo na UFRJ. Resumidos aqui em dois: O Grupo Intelectuais Negras e o Programa de Educação Tutorial Conexões de Saberes Diversidade. Assim, a ideia do texto é comentar algumas das referidas reflexões dentro do contexto de ebulição política nacional e internacional em que se inserem. Para isso, fundamento-me nos debates de Patricia Hill Collins sobre a importância de intelectuais negras construírem “epistemologias alternativas” no meio científico:

Percebi que minha formação como cientista social era inadequada para a tarefa de estudar o conhecimento subjugado do ponto de vista das mulheres negras. Isso porque os grupos subordinados perceberam há muito tempo que é necessário recorrer a formas alternativa para criar autodefinições e autoavaliações independentes, rearticulando-as por meio de nossos próprios especialistas. Como outros grupos subordinados, as afro-americanas não apenas desenvolveram um ponto de vista específico das mulheres negras, mas usaram formas alternativas de produzir e validar o conhecimento para isso.

O assassinato de George Floyd, as manifestações e os atos políticos de derrubada de estátuas de um traficante de escravizados na Inglaterra e de um general confederado nos EUA tiveram grande repercussão no Brasil. Com uma série de autoavaliações sobre o valor e o lugar do trabalho intelectual de mulheres negras, recusei a chuva de convites da mídia e de organizações sociais para debater a temática. Estes nãos foram importantes para observar à distância as situações, pensando – na pausa – sobre meus incômodos diante da divisão entre contrários e favoráveis a ir às ruas protestar, a derrubar ou não estátuas. Penso que a construção do debate público focado na polarização dificulta, especialmente, que os “grupos subalternizados” dialoguem sobre “formas alternativas de produzir e validar conhecimentos” para avançarmos em nossas pautas.

Como professora, uma das coisas mais potentes que observo em sala de aula é quando estudantes tomam posse da autoria, da criação. Um processo que demanda o estudo, a observação e a criatividade que ser contrário ou favorável não suscita. Lembro-me, por exemplo, das dificuldades nas orientações de pós-graduação quando chega o momento da escrita de monografias e dissertações. Em geral, estudantes sentem-se “paralisadas”, “perdidas”, “desesperadas”, para usar alguns dos adjetivos que me chegam em relatos de dor e sofrimento característicos dos processos de se tornar autora. Estes sentimentos relacionam-se ao pressuposto de objetificação feminina negra e também à naturalização das divisões e polaridades como única possibilidade de definir posições e lugares de fala. Saindo do meio universitário, já repararam que no geral quando perguntamos, qual é a sua proposta? poucas pessoas apresentam “alternativas”.

Aqui entramos em um segundo nível do raciocínio. Uma vez que as “propostas alternativas” são reduzidas quem as apresenta passa a ser tratado como problema, o que no espaço acadêmico significa desqualificação da produção, preterimento de recursos de financiamento e da participação em espaços decisórios, entre outras situações que também foram enfrentadas por Azoilda Loretto da Trindade (10/12/1957-13/09/2015), Beatriz Nascimento (17/07/1942-28/01/1995), Lélia Gonzalez (01/02/1935-10/07/1994), entre muitas outras. Considero que é tempo de mudar a direção de nossos holofotes, diaogando mais sobre alternativas ao racismo, que está bastante longe de ser superado, do que confinando-nos à posição de rebate-lo. Por experiência própria, a energia gasta em debates entre contrários e favoráveis é tão intensa que, dificilmente, depois conseguem-se criar “alternativas”. Assim, ciente do impacto de meu trabalho intelectual entre universitárixs negrxs, chamo a atenção para o investimento pessoal necessário à formação individual. Isso demanda autoconhecimento e coragem para girar a chave interna do denunciante ao criador de projetos políticos “alternativos”, verdadeiramente centrados nos conhecimentos das classes trabalhadoras.

No Brasil, o Feminismo Negro Radical é nossa principal “alternativa” hoje. Ele é teorizado e praticado por intelectuais negras como Lúcia Xavier, Mônica Cunha e as sessenta e cinco ativistas assim como eu apoiadas como “líderes” pelo Programa de Aceleração e Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras Marielle Franco do Fundo Baobá para Equidade Racial . Ativistas que ao definirem de formas plurais o sujeito político mulher negra oferecem projetos inovadores para construção de “alternativas” em áreas como comunicação, educação, direitos humanos, finanças, política institucional, saúde. Dito tudo isso, entro na terceira e última parte do texto, relacionada a contextualizações históricas que considero importantes para as lutas do tempo presente.

A primeira relaciona-se à absurda revogação da portaria normativa nº 13 de 2016 que dispõe sobre a indução de ações afirmativas na pós-graduação das universidades federais. Assim como a Lei 10.639/03, que tornou obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana nas instituições de ensino foi uma conquista sobremaneira ligada ao trabalho de professores da educação básica e ativistas dos movimentos sociais negros (majoritariamente mulheres negras), a implantação das ações afirmativas em programas de pós só deve-se muito ao intenso ativismo intelectual da comunidade estudantil. Em diferentes universidades brasileiras, de forma independente e através da Associação Nacional de Pós-Graduandos, mestrandos e doutorandos participaram de comissões e colegiados universitários, integraram grupos de trabalho, realizaram pesquisas, produziram documentos, mapeamentos, Importantíssimos para a criação do Grupo de Trabalho Inclusão Social na Pós-Graduação da Capes, muitos desses estudantes dos “grupos subalternizados” sofreram retaliações de setores acadêmicos conservadores. Retaliações estas que culminaram em evasão, problemas de saúde mental, perda das já escassas oportunidades de auxílios e bolsas de fomento à pesquisa.

Fiquei pensando muito nessas histórias não contadas, quando no decorrer da semana, acompanhei colegas que, em diversas ocasiões, mostraram-se reticentes e contrários às cotas raciais (“no Brasil o problema é social”) e às políticas de identificação por raça de pesquisadores na plataforma Lattes do CNPq, compartilhando notas de repúdio. Arrematadas por discursos inflamados sobre a inadmissibilidade do racismo estrutural no Brasil. Como mostra Nilma Lino Gomes, o acesso à educação é uma luta histórica da população negra. E para assegurarmos a manutenção das conquistas assim como ampliá-las também é necessário refletir sobre o sistema de poder e privilégios que fundamenta a ciência brasileira e o que verdadeiramente precisa ser derrubado. Nesse sentido, indispensável conferir a pesquisa As negras e os negros nas bolsas de formação e de pesquisa do CNPq. Para 2015, de acordo com os dados levantados pelo CNPq, observa-se que a distribuição das bolsas de produtividade científica (PQ- voltadas a professores) deu-se da seguinte forma no grupo feminino: 75,5% para mulheres brancas; 6,2% para mulheres pardas e 0,8% para mulheres pretas. Este panorama relaciona-se ao início do texto sobre “inadequação” entre formação recebida e projetos acadêmicos realizados.

A segunda contextualização diz respeito à importância de aprender com as memórias traumáticas de dor, sofrimento e desigualdades nas quais a história do Brasil alicerça-se. Um dos antídotos está em “alternativas” que temos condições de fazer de imediato. Entre elas, visibilizar histórias silenciadas, tão presentes em nosso dia a dia. Aqui em terras cariocas, temos Tim Maia (28/09/1942-15/03/1998), um dos maiores músicos brasileiros, ocupando o centro da Praça Afonso Pena na Tijuca. Mercedes Batista (20/05/1921-19/08/2014), primeira bailarina negra na história do Theatro Municipal (salvo engano única), recebendo-nos majestosamente no Largo da Prainha, zona portuária. No Complexo de Favelas da Maré, temos a Escola de Desenvolvimento Infantil nomeada Azoilda Loretto da Trindade, após incessantes lutas e articulações de professoras negras como Angela Ramos, Janete Santos Ribeiro e Marta Muniz Bento. Eu que tive a honra de conhecer e ter Zó (Azoilda) como uma grande mentora fico esperançosa e feliz de saber que sua história e legado fazem-se presentes na vida de crianças negras da favela, que são o presente-futuro do Brasil.

Despeço-me inspirada por estas pessoas monumentais, ligadas à nossa ancestralidade e a projetos de vida “alternativos”, que são os que verdadeiramente importam.

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crédito da foto.

 

 

 

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“A congada é algo grande, é ancestral, é resistência”

O Conversa de Historiadoras desta semana apresenta três textos sobre as especiais Festas que, através das redes sociais, conectaram o espaço, o tempo e os congadeiros em Piedade do Rio Grande, Minas Gerais, no final de maio. Os textos são fruto de uma forte parceria entre duas historiadoras e um historiador – sendo esse também congadeiro. E as fotos são do Paulo Henrique da Silva Ribeiro, também historiador e atual secretário de Cultura de Piedade. Vida longa às festas negras!

OS SONS DE MAIO: FESTAS DE CONGADAS, PANDEMIA E RESISTÊNCIAS NEGRAS EM MINAS GERAIS

Simone de Assis

Francival Araújo de Sousa

Lívia Monteiro

 

Para quem acompanha, organiza e gosta das festas negras no Brasil, o calendário é concorrido. De janeiro a janeiro, praticamente em todos os meses e por todos os cantos do país, os festejos tomam as ruas das cidades. Devocionais, tradicionais, patrimonializados, disputados e tão diversos que conceitualizá-los foi, por muito tempo, sinônimo de imprecisão. Se, no passado, os batuques foram perseguidos e criminalizados, atualmente, muitas festas negras tornaram-se patrimônios imateriais embora ainda lutem por reconhecimento e valorização.

Em Minas Gerais, as Congadas, Congados ou Reinados coroam os reis e rainhas negros desde o período colonial. Com raízes africanas, especialmente de origem bantu, tornaram-se elos de rememoração no presente das lembranças, dores e resistências da diáspora dos povos escravizados para o Brasil. Intensas e dinâmicas, as festas do Congo – como também são conhecidas – acontecem em praticamente todo estado de Minas e, em função da pandemia do covid-19, muitas celebrações foram canceladas.

Porém, o batido da caixa congadeira-moçambiqueira, com as fitas coloridas e a leveza que impera nos ternos de Congada e Moçambique de Piedade do Rio Grande, campos das vertentes do estado de Minas Gerais, fez a cidade despertar para as alegrias que as festas proporcionam, mesmo com o distanciamento social imposto. O alvorecer no último sábado do mês de maio foi de esperança para quem estava em suas casas, em confinamento há quase três meses. A surpresa proporcionada produziu choro, vídeos nas redes sociais, mensagens de whatsapp e emoções que nenhum texto/imagem/vídeo é capaz de dar conta. Os congadeiros-moçambiqueiros produziram encontros e afirmaram que os sentidos dos afetos estão na possibilidade de mantê-los em nossas memórias e nas lembranças que queremos manter vivas.

Foi pensando nesses encontros, que decidimos escrever coletivamente esse texto. Nossos relatos – apresentados individualmente – tentam narrar as experiências vividas, os olhares distintos e as percepções causadas pela festa da Congada e Moçambique de Piedade do Rio Grande, em plena pandemia do covid-19, a partir dos nossos lugares de fala, como Djamila Ribeiro nos ensina. Reunimos virtualmente nossos esforços para fazer dessa escrita um espaço de diálogo regado a muita emoção. Escrevemos o que vivemos e sentimos.

Tradição congadeira-moçambiqueira: Festa de Maio de 2020 – Piedade do Rio Grande

Simone de Assis é mulher preta, graduada e mestranda em História pela Universidade Federal de São João del-Rei – UFSJ.

#FicaEmCasaSePuder, essa é a hashtag que circula no Brasil e no mundo nos últimos meses, desde o grande boom da pandemia do novo coronavírus, covid-19. Ok! As cidades de Minas Gerais, assim como outras, estão tentando cumprir os procedimentos de isolamento social e seguir os parâmetros da Organização Mundial da Saúde, em meio à experiência de muitas crises (sanitárias, econômicas, políticas, sociais, emocionais etc.) que a circunstância, atípica, tem gerado.

Março, abril, maio, há três meses vivemos em quarentena. Sobreviver, essa é a meta. Por isso o cuidado com as práticas de resguardo à saúde. Um respiro profundo. Maio. Estávamos no mês de maio. Tempo que evoca memórias do povo negro. Memórias de abolicionistas como Maria Firmina dos Reis, André Rebouças e muitos outro(a)s que influenciaram para que o marco legal da abolição, 13 de maio de 1888, acontecesse. No cenário cultural e religioso mineiro, ligado às memórias do atlântico negro, maio também evoca os batuques das Congadas. É tempo de festejar. Seria tempo de festejar. Com a pandemia, que sublinha o fosso social do pós-abolição, não há o que festejar. Outro respiro profundo e uma pergunta latente: se o sobreviver aniquila o próprio viver do povo preto, do que adianta ser?

Questionamento visceral. Foi necessário cautela, conectar a força, a sabedoria e a estratégia ancestral dos congadeiros de outrora para encontrar caminhos e repostas. Dessa forma, aquietar as inquietações do tempo presente e, assim, deixar viva a Festa de maio da Congada e Moçambique de Piedade do Rio Grande/MG no ano de 2020. Além do coronavírus, a insegurança e o estranhamento com a presença do novo padre da paróquia, Jorge Wilson. “Abriria, ele, as portas da Igreja?” “Compreenderia a missa afro realizada anualmente no contexto da Festa?” “Seria parceiro da tradição cultural e religiosa?”

Ao completar 92 anos de tradição, a Festa de maio não poderia ficar no esquecimento. Nem na dúvida do que representa perante os espaços reivindicados e conquistados em disputas territoriais anteriores. Foi com o ímpeto dos anciãos, também de maneira responsiva, que os congadeiros-moçambiqueiros se reinventaram para cumprir os ritos do Rosário de 2020. Entre conversas e negociações, o primeiro passo foi conseguir agendar a Missa Afro Moçambiqueira para a noite de sábado, 30 de maio, no santuário da cidade. Uma missa com a presença reduzida dos integrantes do terno e que seria transmitida ao vivo pela página do Facebook, Paróquia Nossa Senhora da Piedade – Pascom –  e rádio Alto Rio Grande FM.

Apesar da missa agendada, a cidade  estava triste, pois o festejo da Congada-Moçambique também se dá nas vias públicas, ao som dos tambores e guizos que percorrem as praças, bairros e ruas de toda Piedade/MG. Como eu estava em São João del-Rei/MG, acompanhava atônita às postagens do Facebook do grupo, de amigos pertencentes ao terno, professora(e)s e conhecido(a)s que se conectavam à Festa. Era notório: um lamento pairava no ar. O afeto, que tentava amenizar a situação, se fazia visível nos detalhes alimentados pelas redes sociais, como a postagem de fotografias, vídeos, músicas e memórias das comemorações vivenciadas no passado. Eram pequenas formas de se preencher o vazio.

Sexta-feira, 29 de maio, 23:49h, recebo a informação sigilosa, via WhatsApp, de que congadeiros, em pequeno número de integrantes, fariam uma alvorada às 5h na manhã do dia seguinte. O ato seria registrado por uma live transmitida pela página das redes sociais da paróquia. Vibrei de alegria! A parceria com o novo padre estava totalmente firmada e tudo seria arquivado para evidenciar que os cuidados como utilização de máscaras e distanciamento entre os participantes seriam cumpridos. Mais ainda, a filmagem ao vivo garantiria que a Festa chegasse a todos os cantos do mundo e aplacasse o coração daqueles que não poderiam estar no evento. Para muitos, é o ápice do ano. Por outro lado, o coração gelou de medo pela responsabilidade que os congadeiros escolheram assumir com a alvorada-manifestação no momento pandêmico. Mas entendi que a resistência cidadã de uma tradição de 92 anos não poderia falhar. Ademais, diante da realidade brasileira que a cada dia registra inúmeros casos de racismo, fascismo e apoia a necropolítica, entendi que a alvorada era a resposta da luta antirracista e a afirmação da existência dos congadeiros.

Acordei de madrugada, no momento da alvorada, para acompanhar pelo celular a surpresa e o acontecimento que a Congada faria para a cidade em tempo real. Assim como eu, sei que muitas pessoas da minha rede de amizades gostariam de estar lá, com toda adrenalina que a Festa é e representa. Mas não sendo possível, a tecnologia e mídia nos conectariam no espaço-tempo. Vi e ouvi, por meio da live , Piedade amanhecer ao som dos toques das caixas da Congada. Caminharam com a bandeira e santas (Nossa Senhora do Rosário e das Mercês) até a Igreja. Na porta entoaram o ponto: “seu padre abre a porta, que eu também quero entrar.” O padre lá estava, abriu as portas e os recebeu. Decoração e estamparia afro compunham o altar. Nos bancos da igreja, fotografias e chapéus dos congadeiros ausentes personificavam todos no recinto. Nas pilastras, fotos e banners de pessoas que foram importantes para a história da Festa, como reis, rainhas, princesas e toda corte Conga. Chorei nessa hora e me peguei pensando o quão difícil deve ter sido a deliberação da guarda, com mais de cem participantes, decidir apenas entre umas 15 pessoas para compor e realizar o ato da resistência congadeira-moçambiqueira. Na fé, amor e esperança, os ausentes faziam-se presentes, mas também por seus celulares e computadores que acompanhavam através da live e interagiam no espaço dos chats e comentários. Eu, espectadora devota da Festa, também estive lá através da tela do meu celular.

O ato não foi isolado. Manifestações congadeiras aconteceram em diferentes regiões de Minas Gerais, por todo mês de maio e foram registradas pelas mídias digitais dos respectivos grupos. Acompanhamos algumas delas:  Moçambique e Catopé Nossa Senhora do Rosário e São Benedito, da cidade de São João del-Rei/MG  se reuniu no dia 13 de maio; o Congo Camisa Verde, de Ituiutaba/MG realizou sua alvorada no dia 17 de maio e abriu a live do III Seminário da Congada – NEPERE, NEABI Pontal, UFU. Em Cambuquira/MG, lideranças dos ternos Nossa Senhora do Rosário e São Benedito e da Irmandade Nossa Senhora do Rosário se reuniram na tarde do dia 31 de maio. Num mês em que representantes do governo vigente exaltam símbolos da supremacia branca e tecem críticas ao movimento negro, os batuques das Congadas fizeram ecoar a resistência negra por toda Minas Gerais. #VidasNegrasImportam #ACongadaResiste #NossosPassosVêmDeLonge.

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Alvorada Congadeira – Piedade do Rio Grande/MG. Maio de 2020.

Foto: Paulo Henrique da Silva Ribeiro

Breve relato de um Congadeiro e Moçambiqueiro de Nossa Senhora do Rosário/Mercês de Piedade do Rio Grande-MG sobre o ano de 2020

Francival Araújo de Sousa, homem preto. Graduando em História na Universidade Federal de São João del rei (UFSJ).  

Falar sobre Congados nos leva a pensar sobre memórias que vêm desde a escravidão colonial. Para mim é algo muito gratificante e importante, mas ao mesmo tempo, difícil. Separar o Francival estudante de História do Francival congadeiro e moçambiqueiro, é algo complicado. Nesse ano de 2020, isso se tornou nítido para mim.

Vejo a movimentação da Congada e me deparei, em especial esse ano, com o poder e a comoção que ela consegue tirar de toda população. Em particular dos indivíduos ligados ao movimento. São estas pessoas que vivem à mercê de um racismo velado e institucionalizado que só têm aquele momento de “protagonismo”. Não digo que ser protagonista seja importante, mas sim ser agente, de fato, de suas histórias. O espaço da festa é aquele em que os congadeiros podem simplesmente tirar suas armaduras e chorar. Uso aqui a palavra chorar pelo fato de negros e negras serem obrigados a demonstrar no dia-a-dia dessa sociedade que são fortes. Este choro é na realidade libertação. Lágrimas de dor, angústia e tristeza, mas simultaneamente lágrimas de alegria, leveza e esperança de que dias melhores virão.

Os piedenses que guardam na memória a alegria da Festa de maio, este ano se depararam com a pandemia, inibindo a festa para controle da proliferação da covid-19. Na lembrança de todos congadeiros e matriarcas antigas, nenhum tem recordação de uma ausência da Festa de maio. Uma festa tão longínqua, quase centenária, que nem uma guerra mundial conseguiu parar. Mas este ano não houve as excursões de entes queridos, que retornam à sua saudosa terra justamente para buscar um elo ancestral e cultural.

Ao som do primeiro foguete na madrugada de sexta é que a ficha cai e também é que a festa “acontece”. Este ano, portanto, foi diferente: sem ensaios aos domingos, sem a busca da lenha para a saudosa fogueira, sem tantas outras tradições importantes. O mês de maio de 2020 doeu. É difícil assimilar todo o caos, e mais complicado entender que não haveria a nossa união, nossa força, os nossos sorrisos na grande comemoração.

O som da caixa no sábado pela manhã trouxe toda a imensidão de sentimentos, no lugar em que dói e dá arrepios ao se escutar o repique. No coração e nos pensamentos tenho lembranças boas e outras nem tanto. Nós, dançarinos, sempre pensamos nas pessoas que no passado sofreram para manter essa tradição viva, cruzando o preconceito, a negação e a demonização de nossa religiosidade.

Este ano tivemos medo e preocupação com a vinda de um novo pároco, até porque é recente a nossa entrada na igreja. Mas resistimos! Dom José Eudes nos abençoou e parabenizou por tudo.  Padre Jorge demonstrou que pretende ajudar ainda mais a nossa festa, além de ter exposto falas importantes com a temática racial em suas celebrações.

Quando fazemos nosso cortejo, é hora de cantar e de expor todos os sentimentos que nos alegram e afligem. Este ano, senti um canto calado devido à proteção contra a covid-19. Com isto, veio em minha mente a imagem da escrava Anastácia. Como se fosse para calar a nossa voz. Lembrei também de um relato surpreendente, de um amigo da minha família, sobre a importância da festa como um ato de existência e sobrevivência dos negros e negras de Piedade do Rio Grande. Independentemente do que aconteça, a homenagem sempre deve acontecer. Esse é o único momento em que se une o religioso e o político no município, e nós pretos e pretas, podemos demonstrar tudo aquilo que nos afeta.

O ocorrido de 2020 foi algo atípico, mas surpreendentemente, nós reafirmamos a nossa existência, em meio a todo transtorno que a pandemia vem causando em nosso país, principalmente na comunidade negra. Ver e sentir tudo isso expõe toda a dimensão da Festa de maio de forma direta e, em particular, para todos os que vivem o Congado e o Moçambique. O “estar vivo” significa isso, por mais que tentem nos calar.  A congada é algo grande, é ancestral, é resistência.

Os ecos da resistência

Lívia Monteiro, mulher branca, doutora em História pela UFF, professora no curso de História da Universidade Federal de Alfenas

Voltei a ouvir o eco. O som da caixa tocada na manhã gelada do último sábado do mês de maio de 2020 ecoou o que meu coração queria ouvir. O som naquele silêncio imposto pela pandemia fez expurgar todos os sentidos dolorosos e difíceis que estamos vivendo. O medo, o distanciamento, o isolamento e as incertezas que a maior crise sanitária, política, econômica e social nos coloca ficaram em suspenso enquanto ouvíamos o som dos instrumentos festivos e as músicas cantadas pelas vozes congadeiras que, mesmo com as máscaras, nos embalaram nas memórias dos territórios negros mineiros ocupados há mais de trezentos anos.

Enquanto a cerração fria, na madrugada com geada e temperatura de 5º, cortava a cidade, outros sentidos da festa foram sendo demarcados. Ao buscar as imagens de Nossa Senhora das Mercês e Nossa Senhora do Rosário na igrejinha do Rosário para levá-las ao encontro da imagem de São Benedito, que já estava na matriz, o mito fundante que estrutura uma das narrativas congadeiras-moçambiqueiras em Piedade se refundou. A água benta jogada na porta da igreja pelo pároco também fez lembrar um dos rituais mais antigos da festa e os elementos simbólicos, tão importantes para toda a performance, estiveram presentes. A fogueira não foi acesa online, mas os fogos, que iluminaram a cidade após a missa, demarcaram no céu que a chama da vida continuava acesa.

A força do barulho dos guizos moçambiqueiros entrando na igreja matriz e o batido da caixa nos colocaram em presença e a festa aconteceu na intensidade que deveria ter. Renovadora e triste, a missa Afro, transmitida ao vivo pelo facebook e rádio local, gerou um misto de sentimentos. E, mais uma vez, os protagonistas da festa nos mostraram os caminhos de reinvenção das dores e lutas, em meio a tantas incertezas que o momento presente nos apresenta.

Os chapéus coloridos colocados sobre os bancos da igreja balançaram durante toda a missa e a presença congadeira-moçambiqueira também se fez presente neles. Ver as crianças batendo com as manguaras no chão, para marcar que aquele território também lhes pertence e encarando, com toda seriedade necessária, as câmeras de celulares que os filmava, promoveu mais que esperança, mas a concretude de que o amanhã vai seguir.

Quando a transmissão terminou e os moçambiqueiros não estavam mais online, houve a queima de fogos na porta da igreja, com os capitães cantando “se a morte não me matar, tamborim, se a terra não me comer, tamborim, ai ai ai, tamborim, para o ano eu voltarei, tamborim”. Algo indescritível. Todos os elementos da festa estiveram presentes. Fogo, água, círculos, encruzilhadas, o mito da santa, músicas, passos e as memórias da escravidão e da liberdade, cantadas e reatualizadas no tempo presente.

O controle da festa, do tempo festivo e das narrativas que vão de encontro ao fazer lembrar, mesmo que em apenas um dia, demonstraram que a relação dos congadeiros-moçambiqueiros com o espaço público e sagrado, de tomar as ruas da cidade por 92 anos consecutivos, se manteve presente em 2020.

Ao utilizar as conexões e usos tecnológicos para aproximar, os congadeiros-moçambiqueiros escolheram o que seria visto/divulgado e o que seria secreto/ guardado. O que mais foi mostrado foram as resistências em meio às dores e sofrimentos, pela ausência física de muitos que não estiveram ali, mas que se conectaram via rádio e internet para acompanhar os festejos.

As marcas do passado permanecem, a pandemia escancara ainda mais as desigualdades sociais e raciais, com o racismo brasileiro sendo ainda mais noticiado. Mas, as formas de resistir ganharam novos contornos e a festa aconteceu. Com choros, tristezas, surpresas, emoções, redes sociais, instantâneos e conectados. Nas ausências, nos silêncios e nos distanciamentos, outros sentidos foram produzidos pelos congadeiros-moçambiqueiros.

No mesmo fim de semana da festa em Piedade, os primeiros protestos antirracistas e antifascistas tomaram as ruas dos Estados Unidos, após a morte violenta de George Floyd. Conectados às pautas internacionais, os moçambiqueiros encerraram a Missa Afro cantando músicas entoadas pelos movimentos negros e cantores(as) negras, como o samba enredo da Tuiuti de 2018, questionando “meu Deus, meu Deus, está extinta a escravidão?” 

Como pesquisadora branca da festa há quase dez anos, tive que lidar com o medo do contágio – além de distribuir máscara e álcool em gel – para viver a experiência que transcende esse texto. Em maio de 2018, o Brasil vivia uma greve de caminhoneiros que não impediu a festa de acontecer. Em maio de 2020, uma pandemia também não impediu que a festa ocorresse. A força do Rosário não tem tese/texto/filme/ciência que explique. É apenas sentir a força da resistência, das lembranças e das importantes lutas antirracistas do tempo presente.

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