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Sob Nova Direção (Registro da Posse de Ana Flávia Magalhães Pinto como Diretora Geral do Arquivo Nacional)

As historiadoras do Projeto Passados Presentes, bem como parte expressiva da comunidade que faz pesquisa em história no Rio de Janeiro, marcaram presença na posse da nossa companheira de Blog, Ana Flávia Magalhães Pinto, como Diretora Geral do Arquivo Nacional, na sexta-feira, 17 de março, no Centro do Rio de Janeiro, sob o olhar orgulhoso da grande Sueli Carneiro.

KEILA GRINBERG, MÔNICA LIMA, HEBE MATTOS E MARTHA ABREU, COORDENADORAS DO PROJETO PASSADOS PRESENTES.

HISTORIADORES, PRESENTES! Na foto acima, Fernanda Crespo, Amilcar Pereira, Alvaro Nascimento, Alessandra Tavares, Martha Abreu, Janete Ribeiro, Ivana Stolze Lima, Alexandre Fortes, Fabiane Popinigis, Hebe Mattos, Fernanda Bicalho, Maria Regina Celestino, Angela de Castro Gomes, Marcus Vinícius de Oliveira, Elson de Assis Rabelo, (agachados da esquerda para a diteita) João Paulo Lopes, Vinicius Natal e Gabriel Gabu. Na foto abaixo e no cabeçalho do artigo, Janete Ribeiro, Monica Lima, Amilcar Pereira, Leandro Bulhões, Alvaro Nascimento, Dom Filó, Ana Flavia Magalhaes Pinto, João Paulo Lopes, Diana Souza, Marcus Vinícius Oliveira, Elson de Assis Rabelo e Alessandra Tavares

Foi uma cerimônia histórica, encaminhada pela voz potente e emocionante de Hilton Cobra e pela prosa de Lima Barreto. Com a participação de duas ministras de estado e outros representantes do Ministério da Gestão e Inovação, com discursos de Sueli Carneiro, do historiador indígena Edson Kaiapó e da ativista feminista trans Sarah Wagner York. Com direito a cantar o hino nacional à capela e a encontrar Conceição Evaristo e muita gente bacana na plateia. As fotos abaixo, em sua maioria pelo celular de Hebe Mattos, não são profissionais, mas dão boa ideia da emoção do evento.

Conceição Evaristo com Equede Sinha.

Lúcia Grimberg e Keila Grinberg, Maria Fernanda Bicalho e Ângela de Castro Gomes, Hebe, Martha, Eric Brasil e Yaci Maia, Hildete Pereira. Nas demais fotos: Maria Regina Celestino, Mônica Lima, Alvaro Nascimento, Hebe Mattos, Martha Abreu e Amilcar Pereira.

Ana Flávia Magalhães Pinto com Hebe Mattos, Alvaro Nascimento, Alexandre Fortes e Fabiane Popiginis. Na foto embaixo, Edson Kaiapó e parentes.

Os Arquivos Nacionais são instituições centrais para a gestão da memória nacional. Como a cerimônia de posse bem sinalizou, uma historiadora brilhante, corajosa e inovadora está a frente do AN!!!!! Parabéns e boa sorte, Ana Flávia!!!!!!

Ana Flávia Magalhães Pinto e a equipe que assume com ela a direção do Arquivo Nacional, Eric Brasil, Leandro Bulhões, Gecilda Esteves, Diana Souza, Monica Lima, Jader Moraes e Fabio Costa de Souza.

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De Moçambique ao Moçambique!

Há muito tempo não fazia um texto solo neste Conversa de Historiadoras, que nasceu a quatro mãos e depois virou obra ainda mais coletiva.

Neste domingo, porém, ele é necessário, porque quero saudar algumas das companheiras de blog, que estão fazendo a diferença neste início de ano e contar de um novo projeto de pesquisa, coletivo, é claro, que estou coordenando na UFJF.  

Pensar a história como ciência social que propõe questões sobre os seres humanos no tempo e, por conta disso, impacta e condiciona a produção de narrativas sobre o passado, é premissa que tem orientado meu trabalho de historiadora neste século XXI. Formular novas questões de pesquisa, a partir de novos lugares sociais de observação, que possam levar a novas narrativas e abordagens da história do Brasil, é também fio condutor deste blog e de suas conversas e norteou nossa última iniciativa coletiva, o curso Emancipações e Pós-abolição: por uma outra história do Brasil.

Uma outra história do Brasil em relação a qual história? Tentei responder esta questão na primeira aula daquele curso. Não vou repetir por aqui tudo que falei por lá, mas entre as instituições de memória que surgiram com a emergência dos estados nacionais no contexto das independências americanas, os Arquivos Nacionais ocupavam lugar de destaque. Entre eles, o Arquivo Nacional Brasileiro, criado pelo estado imperial, “pelo regulamento n. 2, de 2 de janeiro de 1838, com o nome de Arquivo Público do Império, visando a guarda dos documentos relativos à memória nacional e à administração do Estado”. Desde então, a política do que deve ser guardado para a história e o que deve ser esquecido na experiência de gestão política do país passa por essa instituição.

Neste contexto, o anúncio para a direção do AN da nossa colega de blog Ana Flávia Magalhães Pinto, autora de uma vigorosa reflexão historiográfica com novas e iluminadoras questões sobre a experiência negra no Brasil, para além do trauma escravista, é notícia para ser celebrada. Depois de quatro anos de obscurantismo, ela é garantia não apenas de uma gestão acadêmica e profissional, mas também de um olhar inovador e corajoso a frente de uma instituição chave na produção da memória nacional e do racismo institucional que ainda a condiciona.

Ana Flávia Magalhães Pinto nomeada nova diretora do Arquivo Nacional. Foto de Divulgação.

O Blog está com tudo e está prosa. Novas histórias do Brasil, abraçando todos os brasileiros, parecem ainda mais possíveis e mais próximas.

Enquanto isso, na virada do ano, Martha Abreu associava nossa experiência de pesquisa sobre a história e memória do tráfico ilegal de escravizados no atual quilombo do Bracuí, às lideranças do próprio quilombo, ao Laboratório de Arqueologia de Ambientes Aquáticos da UFSE e à equipe de cineastas da Aventura Produções e Edições Educativas, em parceria com o Slave Wrecks Project do Smithsonian Institution National Museum of African American History and Culture, para criar o projeto Afrorigens: dos naufrágios ao quilombos, que já ganhou teaser e página na internet.

O projeto de história e arqueologia públicas revisita o naufrágio criminoso do brigue escravagista Camargo, por seu comandante, o estadunidense Capitão Gordon, após o desembarque ilegal de 503 africanos vindos de Moçambique nas praias da antiga fazenda do Bracuí. Em colaboração com a comunidade quilombola e sua tradição oral, Afrorigens busca registros do passado para alcançar um futuro mais inclusivo. Vale a pena conferir:

Martha Abreu, Marilda de Souza, liderança quilombola e a equipe de arqueólogos e mergulhadores do projeto Afrorigens.

Por fim, como coordenadora do grupo de pesquisa emancipações e pós-abolição em Minas Gerais (GETP-MG), em parceria com a Rede de Patrimônios Imateriais Afroameríndios e Políticas Públicas na América Latina (IRD-FR) e mais cerca de 40 pesquisadores de diferentes universidades, também atuantes no chão da escola, terminei 2022 com a alegria de ver aprovado, no edital Humanidades de CNPq, o projeto Passados Presentes: patrimônios e memórias negras e afro-indígenas em Minas Gerais.

Dos egressos de Moçambique que deram origem ao Quilombo do Bracuí ao vigor do Moçambique, signo maior de africanidade do patrimônio negro de Minas Gerais, delineia-se uma nova etapa do projeto transnacional Passados Presentes (LABHOI/ UFJF/UFF e CLAS/PITT). Propomos dessa vez, como problema de pesquisa, estudar as interações afro-indígenas na história e na memória de quilombolas e de detentores de patrimônios negros como reizados, congadas, moçambiques, jongos e folias de reis, nas Minas Gerais a leste da Mantiqueira, bem como as relações dessas manifestações e de seus sujeitos com a história da África, do associativismo negro e das religiões de matriz africana na região.

A partir de dezenas de pesquisas já em andamento, a ideia é explorar a memória das relações afro-indígena como elemento constituinte da negritude mineira contemporânea em diferentes espaços e temporalidade, com destaque para: 1) a região histórica da mineração, alvo do impacto da imigração maciça de colonizadores portugueses e escravizados africanos sobre áreas indígenas no século XVIII, em torno de Ouro Preto e Mariana, 2) as regiões que se conectaram mais diretamente com a imigração forçada da última geração de africanos e com o processo de etnocídio e desterritorializacão das populações originárias que ainda ocupavam as áreas de ligação entre a região do ouro e os portos do Rio de Janeiro e de Salvador, no século XIX, como o Sul de Minas, o Campo das Vertentes, a Zona da Mata e os Vales do Mucuri e do Jequitinhonha e 3) as cidades que receberam migrações negras no pós-abolição, com destaque para a capital, Belo Horizonte e a cidade de Juiz de Fora.

Os resultados da pesquisa de base vão alimentar o arquivo oral colaborativo Memórias do Cativeiro (LABHOI/UFF/UFJF)/ Afro-Brazilian Heritage (CLAS/PITT) e o banco de dados Passados Presentes: memória da escravidão no Brasil, alargando possibilidades de análises comparadas em novas pesquisas. Serão também divulgados na Plataforma Digital do projeto, tornando-se acessíveis aos detentores dos patrimônios culturais estudados, alguns deles pesquisadores do grupo, permitindo sua utilização na produção de material paradidático, em museus de território, em exposições e aplicativos de memória. O diálogo epistemológico entre saberes se coloca como ferramenta metodológica e desafio teórico do trabalho.

Divulgo, com alegria, a equipe completa do projeto. Enquanto não colocamos no ar nossa plataforma digital, vamos dar notícias do projeto e de sua equipe por aqui.

Para todos nós!

Bom trabalho!

PROJETO: PASSADOS PRESENTES – PATRIMÔNIOS E MEMÓRIAS AFRO-INDÍGENAS EM MINAS GERAIS.

Coordenação Geral: Hebe Mattos (Grupo de Pesquisa Emancipações e Pós-Abolição e LABHOi/Afrikas, UFJF) – hebe.mattos@gmail.com

Coordenação Associada: (PROJETO E BANCO DE DADOS Passados Presentes)

Martha Campos Abreu (LABHOI-UFF) – marthacabreu@gmail.com

Keila Grinberg (CLAS-PITT – UNIVERSITY OF PITTSBURGH) keila.grinberg@gmail.com

Coordenação Executiva (Pesquisa – MG):

Ana Luzia Morais – analuziadasilvamorais@gmail.com (Detentora)

João Paulo Lopes – jopalop@gmail.com (IFSULDEMINAS)

Lívia Nascimento Monteiro – livia.monteiro@unifal-mg.edu.br (UNIFAL-MG)

Jonatas Roque – jonatasroque4@gmail.com, jonatashistoria2010@hotmail.com

Josemeire Alves Pereira – josemeire.hist@gmail.com (FLACSO)

Mariana Bracks Fonseca – marianabracks@academico.ufs.br (UFS)

Pesquisa de arquivo/campo – produção de conteúdo:

Ana Luzia Morais – analuziadasilvamorais@gmail.com

Aline Guerra da Costa – agcosta@id.uff.br

Amanda Lira – amandalira2166@gmail.com

André Luiz Ribeiro de Araújo – andreclassrock@hotmail.com

Carolina dos Santos Bezerra-Perez – carolinaacoesafirmativas@gmail.com

Cleo Souza – cleosouzalh@gmail.com

Daniele Neves – danieleneves1793@gmail.com

Dayana Oliveira – dayanaoliveira01ufjf@gmail.com

Giovana Castro – racinacastro@gmail.com

Isaac Cassemiro Ribeiro – – isaac.ribeiro7@gmail.com

João Paulo Lopes – jopalop@gmail.com

Janete Flor de Maio Fonseca – flormaio@ufop.edu.br

Jéssica Mendes – JESSICAMENDESHIST@gmail.com

Jonatas Roque – jonatasroque4@gmail.com, jonatashistoria2010@hotmail.com

Josemeire Alves Pereira – josemeire.hist@gmail.com

Lívia Nascimento Monteiro – livia.monteiro@unifal-mg.edu.br

Luciano Magela Roza – luciano.roza@ufop.edu.br

Luis Roberto Cruz – luis.cruz@engenharia.ufjf.br

Luiz Gustavo Cota – luiz.g.cota@ufv.br

Luan Pedretti (UFJF) – luanpredetti@gmail.com

Mariana Bracks Fonseca – marianabracks@academico.ufs.br

Maria do Rosário – maria.mrgs@gmail.com

Marlon Marcelo – marlonmarcelo.s@gmail.com

Marileide Lázara – marileidelazara@gmail.com

Roseli dos Santos – selix07@hotmail.com

Rhonnel Américo – rhonnelcoach@gmail.com

Samuel Avelar – savelarjr@gmail.com

Sidnéa Francisca dos Santos – sidnea.ouropreto@gmail.com

Silvia Maria Jardim Brügger – sbrugger1970@gmail.com

Simone Assis – sissamones@hotmail.com

Tayane – tayanearo@gmail.com

Tailane de Oliveira Dias – tailane.o.dias@gmail.com

Vanessa (UFJF) – vanessaloopes13@gmail.com

Consultoria de produção de conteúdo relacionando Minas Gerais, História Pública e História da África:

Fernanda do Nascimento Thomaz (LABHOI/AFRIKAS-UFJF) – fefathomaz@yahoo.com.br

Mônica Lima e Souza (LE AFRICA, UFRJ) – monicalimaesouza@gmail.com

Vanicléia Silva Santos (University of Pensilvania) – vsantos@upenn.edu

Produção de conteúdo didático:

Lívia Nascimento Monteiro – livia.monteiro@unifal-mg.edu.br

Luciano Magela Roza – luciano.roza@ufop.edu.br

Luiz Gustavo Cota – luiz.g.cota@ufv.br

Consultores de conteúdo / Rede Patrimônios Afro-ameríndios na América Latina

Christine Douxami (IRD-Brésil) – chrisluabela@yahoo.fr

Carolina Christiane de Souza Martins (UFPA) – caroldesouzamartins@gmail.com

Matthias Assunção (UNIVERSTY OF ESSEX) – matthias_capoeira@yahoo.com.br

Consultores de conteúdo/ Parceiros na UFJF

Mateus Andrade – mateus.rezende@gmail.com (LAHES)

Robert Daibert Jr – robertdaibert@uol.com.br (LABHOI)

Marcos Olender – marolender@yahoo.com.br (LAPA)

Congado e Moçambique de Pidedade – MG

https://www.facebook.com/CongadaeMocambique/

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Arquivado em democracia, história e memória, história pública, Patrimônio Cultural, Pos-abolição

UMA DUPLA DE HISTORIADORAS EM GEORGETOWN UNIVERSITY

Chegamos domingo de uma viagem aos EUA que para Hebe deveria se concluir apenas no dia 28 de março e para Martha no dia 11 de abril.  Foi interrompida em função da expansão da pandemia do COVID-19. Fazemos aqui um relato dessa experiência.

Viajamos como convidadas do Departamento de História da Georgetown University, uma universidade católica em Washington DC, para uma série de atividades como Distingished Visiting Scholars, um novo programa da reitoria da instituição para trazer até 4 visitantes de várias áreas por ano, no primeiro semestre de implementação.

Hebe chegou primeiro, em 15 de fevereiro, em Nova York, para realizar pesquisas nos arquivos da Columbia University e uma palestra no Brazil Program da Universidade de Harvard, em Cambridge, para onde se deslocou de NY de avião até o aeroporto de Boston.  Para ela, foi uma experiência fascinante consultar as anotações de Frank Tannembaum para a redação de Slave and Citizen (1947) para o paper que espera apresentar em setembro no colóquio da AHILA em Paris. Em Cambridge, além da estimulante discussão no Brazil Seminar com Sidney Chalhoub, foi carinhosamente recebida em um jantar na casa de Henry Louis Gates e Marial Iglesias, onde assistiu depois o debate que marcaria a virada das primárias do Partido Democrata americano. Outra experiência memorável. Após uma semana em NY, foi de trem para Washington, onde a esperava o nosso anfitrião na Georgetown University, Bryan McCann, e instalou-se na simpática townhouse onde ficaríamos hospedadas.

3600 P St NW, Townhouse em Georgetown.

Os primeiros 15 dias da viagem correram na maior tranquilidade: metro, trem, aviões dentro do país, eventos em auditórios cheios, etc.  O maior assunto em todas as rodas que frequentou foram justamente as primárias do Partido Democrata. Ninguém falava muito do Corona Virus, apesar das notícias internacionais assustadoras e do ainda mais assustador descompasso de informações em relação ao número de casos nos EUA, fruto da atitude negacionista da atual administração do governo federal americano. A partir de final de fevereiro, porém, quando Martha chegou logo depois do Carnaval, instituições e empresas começaram elas próprias a tomar a iniciativa para prevenção da pandemia.

Apesar dos sustos, apreensões e cuidados, os poucos dias que passamos em Georgetown foram de muito aprendizado. Logo de início, tivemos uma reunião com Paul Gardullo do National Museum of African American History and Culture (NMAAHC), reforçando nossos propósitos comuns de organização de uma exposição transnacional sobre a escravidão atlântica no Brasil e de retomada do projeto de arqueologia aquática do Brig americano Camargo, no Bracuí.  Projeto antigo, a recuperação do Camargo poderá dar continuidade à pesquisa da história do tráfico africano e da memória da escravidão no Quilombo do Bracuí, fortalecendo a comunidade e sua luta pela terra.

Como já estamos há um tempo envolvidas  em projetos expositivos de museus e locais de memória, aproveitamos para rever a impactante narrativa  histórica do museu, do passado para o presente, do andar de baixo para o nível superior, que destaca sempre o protagonismo da população negra a despeito das cenas de dor (mais dor e violência que submissão e inferiorização).

No domingo, visitamos outro impactante museu que fazia parte de nossos planos para ampliar os horizontes expositivos sobre histórias de dor: o Museu do Holocausto.

A visita, logo de início, nos fez experimentar a sensação do desconhecido e do perigo, ao entrarmos num elevador grande, cinza e assustador, já acompanhadas de um cartão identificado com algum personagem que viveu o holocausto. A sensação é de empatia e conexão com os que sofreram tanta violência. Judeus, ciganos, socialistas, comunistas, gays, deficientes físicos nos acompanham no circuito estreito e escuro, repleto de fotos, jornais, objetos e muitas histórias de vida – a grande alma do museu. Os sujeitos sociais, suas famílias, namorados, filhos e amigos emergem o tempo todo, em meio à opressão. Uma das salas que nos chamou mais atenção foi exatamente a que trazia fotos de pessoas comuns, vivendo suas vidas em encontros, festas, restaurantes, antes dos imprevistos anos de 1930 (vide foto).

Já muito tínhamos ouvido sobre o Museu do Holocausto em Washington.  Talvez por isso, as salas que mais nos surpreenderam eram parte de uma exposição temporária sobre como os americanos lidaram com o nazismo e com os perseguidos pelo regime.  Sentiram empatia? Preocuparam-se? Entrariam na guerra por eles? Receberiam os refugiados? Baseadas em pesquisas de opinião da época, as respostas a essas perguntas nos desconcertaram muito, mostrando o quanto a maioria dos americanos estava mais preocupada em se manter fora da guerra. Os simpatizantes do nazismo nos EUA também não eram tão tímidos como imaginávamos e a exposição torna evidentes seus contatos com grupos de direita, como a Ku Klux Klan, que então perseguiam implacavelmente os negros. Em 1933, não foram poucos os linchamentos de homens negros nos EUA, ainda tolerados por grande parte da opinião pública apesar da intensa campanha de denúncias na imprensa negra. A narrativa da exposição sugere que, se não fosse o ataque japonês a Pearl Harbor, os EUA dificilmente teriam entrado na 2ª. Grande Guerra. No final, a ambiguidade e o imprevisível na história, bem como a força da solidariedade humana apesar da intolerância, são reintroduzidos na narrativa em apenas uma imagem: um dos fotógrafos do exército americano que primeiro chegou nos campos de concentração e documentou seus horrores em imagens históricas foi um afro-americano que servia em unidades segregadas. A segregação nas forças armadas dos Estados Unidos só seria abolida depois da guerra. O que ele teria pensado?  O quanto sua luta tomou outros rumos quando voltou aos EUA?

No final da primeira semana como afiliadas à Georgetown, os protocolos começaram a mudar rapidamente. Como primeiro sinal, os vidrinhos de álcool gel sumiram das farmácias, para um pouco depois passarem a habitar todos os espaços do campus em recipientes de uso coletivo.

Ainda assim, com muito álcool gel e cuidados, a vida seguia normalmente. A pesquisa que realizaríamos ficaria concentrada na Library of Congress, o imponente prédio bem atrás do Capitólio. E lá fomos nós, na terça feira, 10 de março, ajudadas por Victoria Broadus, que pesquisa os Vissungos coletados pelo folclorista Luiz Heitor (1905-1992) para sua tese de doutorado desenvolvida sob a orientação de Bryan McCann na Georgetown University.  O músico e pesquisador Luiz Heitor é pouco conhecido pelos historiadores não ligados à música, mas  (como Hebe aprendeu com Martha Abreu e Victoria Broadus) sua carreira de professor de folclore do Instituto Nacional de Música, de diretor da Revista Brasileira de Música, da programação erudita da Hora do Brasil, do DIP,  de responsável pele seção de música da Revista Cultura Política e representante do Brasil na Divisão de Música da União Pan Americana em Washington lhe dá muitas credenciais.

Além do mais, Luiz Heitor trabalhou articulado a Alan Lomax, o grande pesquisador e arquivista da Library of Congress sobre música folclórica americana. Foi Lomax quem primeiro gravou os chamados “pais do blues”, como Leadbelly, Jelly Roll Morton e Muddy Waters. Em síntese, no arquivo de Luiz Heitor no Congresso estão arquivados seus documentos e gravações de pesquisas no Ceará, Goiás, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, além do material sobre a Divisão de Música da União Pan Americana, principalmente sobre o Brasil e Argentina. Claro que não conseguimos ver tudo, mas o pouco que conseguimos deu um gostinho de queremos voltar. Só para se ter uma ideia, Luiz Heitor fez uma entrevista em 1944 com Antônio Félix Veloso, conhecido como Aprígio do cemitério por conta do ofício de coveiro, um ex-escravizado de Minas Gerais. Conseguimos ouvi-la.  Várias vezes.  Para nossa emoção, ouvimos registros de uma experiência pessoal com os pais em um navio que traficava cativos (provavelmente no tráfico interno) e trechos de canções que Eduardo das Neves gravou na primeira década do século XX, como a que canta a Mãe Caterina de Pai João e a Canoa Virada, o hino do 13 de maio que ainda circulava em Minas em 1944!!!!

Logo em seguida a esta visita, várias universidades começaram a suspender as aulas presenciais. Georgetown esperou o “spring break” (recesso de aulas por uma semana), mas tomou a decisão de fazer todas as aulas do semestre por meio virtual antes do fim do recesso, na quarta feira, 11 de março. Na quinta, 12, o chefe do departamento de história  Bryan McCann (que nos havia convidado) informou que nossa palestra principal (que aconteceria em um auditório maior no final de março) seria antecipada e filmada em studio na terça 17, para ser colocada no site da Universidade  – e sugeriu antecipar nossas passagens de volta para o dia 18, quarta feira, com o que concordamos. Sugeriu ainda que visitássemos o National Museum of Native American naquele dia, pois a tendência era que todos fechassem a partir da semana seguinte.

Um dia antes de fecharem todos os museus da cidade, a visita ao Museu sobre os índios americanos talvez tenha sido a melhor surpresa entre os museus que tínhamos planejado visitar. Além do belíssimo e imponente prédio, por dentro e por fora, descobrimos com satisfação que se tratava de um museu de história.  Começando pelo alto do 4º. Andar, fomos apresentadas aos índios americanos hoje (Who we are?). A narrativa começa do presente. Os índios existem, são muito diversos e nunca desistiram (“we never gave up’), como está escrito em um dos grandes posters. Com muitas fotos, filmes e músicas, o museu nos faz acompanhar a longa luta dos índios americanos – e não só do atual Estados Unidos. Ainda assim, é a luta dos índios daquele país para legitimar suas identidades e territórios hoje, depois de muitas traições e tratados, o eixo histórico da narrativa. No final do trajeto, saímos convencidas que precisamos mais do que nunca de um museu da história do índio no Brasil.  Como insiste tanto Hebe hoje, por que não aproximar a história indígena da afro-brasileira? Eles compartilharam, desde o início, a história da expansão da instituição da escravidão e dos processos de racialização no mundo atlântico.  Para nossa alegria, na lojinha do museu, localizamos dois livros sobre essa história partilhada de afroamericanos e seus descendentes com comunidades indígenas. Em um deles ficamos sabendo que o astro da música negra americana, Jimi Hendrix, se orgulhava de ser neto de uma índia.

Na sexta, acordamos decididas a preparar nossa palestra que seria gravada na terça seguinte. Logo depois do almoço, porém, a direção da universidade suspendeu todas as atividades presenciais, mesmo dos funcionários administrativos, e a gravação foi cancelada.  Library of Congress, Smithsonian, CEPAL, FMI, Banco Mundial suspenderam qualquer atividade presencial por tempo indeterminado neste mesmo dia.  A empresa de publicidade onde trabalha o filho de Hebe em NY colocou todos os funcionários, não apenas nos EUA, para trabalhar remotamente nesta mesma data.  Pedimos para mudar novamente nossas passagens, antecipando para sábado 14, e chegamos no domingo, dia 15, ao Rio. Martha voou o último voo da American Airlines para o Brasil. No dia seguinte, a companhia aérea suspendeu quase todos os seus voos internacionais. Nada disso foi iniciativa do atual governo dos EUA, mas de instituições e empresas. Segundo a OMS, é o protocolo correto para evitar o colapso dos sistemas de saúde e tem que ser feito rápido. Estamos fazendo nossos 7 dias de quarentena em casa com trabalho remoto, torcendo para não termos tido contato com o vírus.  E, sem dúvida, foi um alívio estar de volta, em casa, mesmo que com o risco de enfrentarmos um problema maior no Brasil.

Não poderíamos encerrar nosso relato, sem descrevermos algumas situações engraçadas, ou melhor, de risos nervosos.  Em pleno avanço dos cuidados com a expansão do Corona Virus, álcool gel para todo lado, nos movimentamos na universidade entre os prédios da biblioteca, do departamento, do suporte técnico (o laptop da Hebe foi invadido…) e do refeitório, o que fazer quando surgiam na nossa frente aquelas portas duplas pesadas americanas, quem abriria? Tenta com o pé? Empurra com o corpo e com o bumbum (pull ou push?) Usa a luva?  Cada hora uma abre? Os risos eram inevitáveis. Depois descobrimos que havia um botão para cadeirantes que podiam acionar a abertura automática das portas. Bem, aí era possível usar o cotovelo.  Mas nem sempre funcionava…

E depois de lavarmos as mãos super bem lavadas nos banheiros, seguindo os protocolos da OMS, como sair deles sem infectar de novo as mãos em outras portas duplas e pesadas…. tudo de novo (maldito frio que exige tantas portas!!).  Única solução: dividir o pouco de álcool gel que tínhamos (doação da irmã de Hebe que mora em Washington e tinha bom estoque em casa) e seguir torcendo para nada acontecer.

As situações mais difíceis mesmo eram as surpreendentes escadas. E como há escadas nas colinas de Georgetown.  Não podíamos colocar as mãos nos corrimões!!!! E já não temos tanta agilidade.  Medo de cair ou infectar as mãos? Muitas dúvidas e desafios. A foto de Martha no inicio de uma escada tirada por Hebe já lá em cima, é uma boa mostra do dilema de duas historiadoras em Georgetown. Mais uma vez agradecemos Bryan McCann e o Departamento de História de Georgetown pelo convite e pela hospitalidade. Outras oportunidades virão, temos certeza!

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Ocupar e Resistir: Conquista de Pinheiral em dia de Zumbi, por Hebe Mattos, Martha Abreu, Keila Grinberg e Elaine Monteiro

Dia 20 de novembro de 2016. Apesar dos retrocessos e ameaças aos direitos inscritos na Constituição de 1988 que marcaram o ano, foi um dia histórico para a comunidade jongueira de Pinheiral, que recebeu oficialmente, da prefeitura, a posse coletiva de parte das terras que cercam às ruínas do casarão central da antiga fazenda de São José do Pinheiro, antiga residência de uma dos maiores fazendeiros e traficantes de africanos escravizados do Brasil do século 19, José Joaquim de Souza Breves.

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Depois de muitos anos de luta, pelo menos desde os anos de 1980, a emoção contagiou a todos que lá estiveram para assistir  às comemorações bem em frente ao velho casarão em ruínas, de onde se avista o antigo terreiro de café, as casas que já foram as senzalas e o memorial do Projeto Passados Presentes, erguido nesse espaço outrora identificado com o poder senhorial, hoje o Parque das Ruínas da Fazenda São José do Pinheiro.

O prefeito de Pinheiral, Professor José Arimathea, conclui seu mandato fazendo justiça aos descendentes da trabalhadores africanos das antigas fazendas cafeeiras da região que, ao migrarem para a cidade ao longo do século 20,  a transformaram na “capital do jongo” do estado do Rio de Janeiro.

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O grupo de jongo de Pinheiral,  através do CREASF, centro de referência de estudo afro sul fluminense, e de suas lideranças, as irmãs Maria de Fátima (Fatinha), Maria da Graça e Maria Amélia dos Santos, viu um dos seus mais antigos sonhos, o de transformar as ruínas da antiga sede da fazenda e seu entorno em local de memória e celebração da cultura negra, se fazer realidade, em julho de 2015.  Uma ação concebida no âmbito na década internacional do afrodescendente (Década AFRO) instituída pela ONU (2015-2024) e do Projeto Rota do Escravo, da UNESCO.  Um passado para não ser mais esquecido, que faz de Pinheiral, a “cidade do jongo”.

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A comunidade jongueira da cidade torna-se agora, e para sempre, a principal guardiã desse lugar de celebração da herança africana e da identidade negra e jongueira.

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Em tempos de resiliência, esse dia 20 de novembro foi mesmo especial para a cultura e a consciência negra no velho vale cafeeiro. Vai ficar na história da região. Vai ficar na nossa história, coordenadoras do projeto Passados Presentes, desenvolvido em parceria com a comunidade jongueira.  Foi um dia de muito AXÉ!

Para registrar ainda com mais força a emoção do dia de hoje, transcrevemos a fala de Fatinha, em uma entrevista que nos concedeu em 2009, em momento que ainda não era possível imaginar tamanha conquista. Apesar dos tempos sombrios, o patrimônio negro de Pinheiral está nas mãos dos seus herdeiros legítimos, eles saberão garantir o futuro.

“…Porque a gente sempre pensou em fazer um centro cultural no casarão, isso é uma ideia muito antiga, a gente dançava em vários cantos da cidade, nos terreiros das casas, na rua e ficava aquela coisa com o casarão… foram os escravos que construíram aquilo tudo e nada daquilo nos pertence…foram nossos antepassados, os negros que vieram da África que construíram aquilo lá”

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Celebrando #PassadosPresentes

Em 2 de junhos de 2014, fizemos o nosso primeiro post com a hashtag Passados Presentes. Com o título “Uma Aula de História Pública” contávamos uma visita de Martha com uma turma da UFF ao Quilombo do Bracuí e dávamos a notícia:

“A partir deste mês de junho, iniciamos no LABHOI/UFF, em associação como o NUMEM, da UNIRIO, coordenado por Keila Grinberg, e apoio do Edital Petrobras Cultural, um projeto de história pública sobre o tema, com o título Passados Presentes: Patrimônio Imaterial e Lugares de Memória do Tráfico Atlântico de Escravos no Rio de Janeiro.”

Quase dois anos depois, celebramos ontem, 2 de abril de 2016, a disponibilização de todo o conteúdo previsto para o projeto no aplicativo Passados Presentes, com 4 roteiros de memória. No evento, foi lançado um novo circuito.

Mais de 500 pessoas, segundo o Museu de Arte do Rio (MAR), percorreram em diversos grupos os caminhos da antiga Pequena África no Centro do Rio.  Não deixe de conferir a reportagem da TV Brasil sobre  evento e a versão atualizada do teaser do roteiro,  ambos com imagens inéditas da histórica caminhada.

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No lançamento, nas dependências do MAR, ficamos emocionadas com a primeira exibição do curta de Guilherme Hoffmann, Criando Passados Presentes, de 23 minutos, sobre o “making of” do projeto, em parceria com o Grupo de Jongo de Pinheiral e os quilombos do Bracuí e de São José da Serra. Um pequeno e emocionante histórico de dois anos do mais gratificante trabalho.

Através de Maria de Fátima Silveira Santos (Fatinha), Antônio Nascimento Fernandes (Toninho) e Marilda de Souza, agradecemos mais uma vez a todos que fizeram do sonho realidade.

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COORDENAÇÃO GERAL E TEXTOS

Hebe Mattos – historiadora, Universidade Federal Fluminense. Coordenadora do Laboratório de História Oral e Imagem (LABHOI/UFF)

Martha Abreu – historiadora, Universidade Federal Fluminense. Organizadora, com Hebe Mattos e Milton Guran, do Inventário dos Lugares de Memória do Tráfico Negreiro e da História dos Africanos escravizados no Brasil da UNESCO – www.labhoi.uff.br/node/1507

Keila Grinberg – historiadora, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Coordenadora do Núcleo de Documentação, História e Memória (NUMEM/UNIRIO)

CONSULTORIA DE PESQUISA

Matthias Assunção – Matthias Röhrig Assunção – historiador na Universidade de Essex, Reino Unido, e pesquisador associado ao LABHOI/UFF

Elaine Monteiro _ Educadora, Universidade Federal Fluminense e Coordenadora do Pontão da Cultura do Jongo e do Caxambu www.pontaojongo.uff.br

COORDENAÇÃO DE PESQUISA

Daniela Yabeta _ Historiadora, pos-doutoranda no LABHOI/UFF (CNPq/FAPERJ)

ASSISTENCIA DE PESQUISA

Lívia Monteiro _ Historiadora, doutoranda no PPGH/UFF.

APOIO TÉCNICO

Alexandre Abrantes e Clarissa Mainardi (LABHOI/UFF)

BOLSISTAS DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA (APOIO FAPERJ/CNPq):

Eline Cypriano; Daniely Sant’Anna; Lissa Passos; Raquel Terto; Thamyris Morais; Vanessa Gonçalves.

ASSESORIA E CONSULTORIA DE PESQUISA NAS COMUNIDADES

Jongo de Pinheiral:
Maria de Fátima da Silveira Santos, Maria Amélia da Silveira Santos e Maria das Graças da Silveira Santos.

Quilombo de São José da Serra:
Antônio do Nascimento Fernandes, Almir Gonçalves Fernandes, Gilmara da Silva Roberto e Luciene Estevão Nascimento.

Quilombo do Bracuí:
Marilda de Souza Francisco, Angélica Souza Pinheiro e Luciana Adriano da Silva.

Quilombo da Pedra do Sal:
Damião Braga.

Instituto dos Pretos Novos:
Marced Guimarães e Claudio Honorato.

DIREÇÃO DE CRIAÇÃO E ARTE DO MEMORIAL: André De Castro

DESIGNER SÊNIOR E ILUSTRAÇÃO: Julia Haiad

DESIGNERS: João Roma e Victor Lifsitch

CENOTÉCNICO: André Salles

EQUIPE LOCAL DE MONTAGEM: Walmir de Souza Francisco; Antônio de Pádua Estevão; Jorge dos Passos Estevão e Carlos Roberto Roberto.

CRIAÇÃO AUDIO-VISUAL: Guilherme Hoffmann

TECNOLOGIA – SITE E APLICATIVO: Digitok

REVISÃO DOS TEXTOS: Simone Intrator e Renata Saavedra

GERENCIAMENTO DE REDES SOCIAIS: Renata Saavedra

VERSÃO EM INGLÊS: Kristin McGuire

ASSESSORIA DE IMPRENSA: Somma Comunicações

PRODUÇÃO EXECUTIVA: Isabel Pacheco

DIREÇÃO DE PRODUÇÃO: Cria Produções

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PASSADOS PRESENTES – Circuito PEQUENA ÁFRICA

Passados Presentes – Memória da Escravidão no Brasil chega à cidade do Rio de Janeiro. O circuito Pequena África, na região portuária da cidade, completa os roteiros de memória que contam a história da última geração de escravizados africanos no Rio de Janeiro, em um aplicativo de celular.

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19 pontos principais estão assinalados no mapa. Em três deles, com o leitor de código QR do aplicativo pode-se ouvir a voz de lideranças comunitárias e historiadores nos falando sobre a importância histórica da região. Outros 42 pontos, 7 dos quais sobre as atuais rodas de rua da capoeira da cidade, completam o roteiro, e podem ser acessados na função Perto de Mim.

Um filme de Guilherme Hoffmann sobre o desenvolvimento do projeto será exibido no próximo sábado, durante o lançamento do novo circuito,  dia 2 de abril, às 10 horas, no Museu de Arte do Rio. Em seguida, faremos parte do percurso em visita guiada.

Os locais que o visitante terá a oportunidade de conhecer são uma parte da cidade do Rio de Janeiro denominada de Pequena África pelo artista e sambista Heitor dos Prazeres no início do século 20. Divulgada em livros, letras de música e enredos de escolas de samba, a expressão passou a identificar parte significativa da zona portuária da cidade, onde a presença africana e o patrimônio cultural negro marcaram para sempre a história não apenas do Rio de Janeiro, mas de todo o Brasil.

Entre o final do século 18 e a primeira metade do século 19, a região foi marcada pelas  atividades de comércio e recepção dos africanos escravizados. Hoje as ruínas do Valongo e o Cemitério dos Pretos Novos rememoram a passagem  de mais de um milhão de africanos pela Pequena Africa, uma história de dor e sofrimento que não pode ser esquecida.

Na virada do século 19 para o 20, a vida cultural da Pequena África e da própria cidade foi renovada, com a chegada de migrantes negros, vindos especialmente  da Bahia e de antigas áreas cafeeiras do Vale do Paraíba, e de imigrantes portugueses, italianos e judeus.

A Pequena África passou a ser o centro de criação da cultura negra carioca e da organização de novas formas de mobilização política. Em torno de sindicatos, capoeiras, casas de santo, gestaram-se greves, revoltas urbanas e novos gêneros musicais. Naquele contexto, o samba emergiu como um gênero específico, e ganhou visibilidade em todo o país; também foram fundadas associações negras, sociais e dançantes, com seus cordões e ranchos, que ligaram a Pequena África ao que de mais moderno estava sendo produzido em termos musicais e artísticos no período.

O circuito Pequena África foi desenvolvido por nós (Hebe/Martha) e Keila Grinberg (co-autora deste texto), em parceria com o Quilombo da Pedra do Sal e o Instituto dos Pretos Novos. Semana passada, fizemos parte do circuito com Damião Braga, liderança do Quilombo, Claudio Honorato, historiador do IPN, Ruben Zonenschein, engenheiro responsável pelo desenvolvimento do app, e a jornalista Flávia Oliveira.

Como turismo comunitário e de memória, o projeto conta com apoio do Museu de Arte do Rio. O folder do projeto será distribuído gratuitamente na entrada do Museu, ponto zero do roteiro.

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Feliz Ano Novo

O Conversa de Historiadoras completa seu segundo ano no ar. Inauguramos o blog, em 15 de março de 2014, com um texto que chamamos de O Novo Caso do Bracuí. Hebe estava então como professora visitante em Nova York. Martha, no Rio, tinha acompanhado de perto o carnaval da Império Serrano, com enredo sobre Angra dos Reis, baseado em nosso filme Jongos, Calangos e Folias. O Quilombo do Bracuí tinha destaque no enredo, belamente defendido pela escola de samba da Serrinha, mas os quilombolas não puderam estar na avenida. Para completar sua decepção, as chuvas daquele fevereiro fizeram cair o teto da sede da associação quilombola. A situação de fragilidade social do grupo nos afligia e queríamos que o Projeto Passados Presentes, aprovado no edital de patrimônio imaterial da Petrobras do ano anterior e que tinha no Quilombo do Bracuí um de seus proponentes, se tornasse uma ferramenta para modificar isso. Nosso primeiro artigo e o próprio blog surgiram da vontade de construir um veiculo para divulgar o trabalho que então se iniciava.

Local de memória dos últimos desembarques ilegais de africanos no Rio de Janeiro, a história do quilombo do Bracuí e sua poderosa tradição oral são a matéria prima da exposição memorial inaugurada em 14 de novembro deste ano de 2015 na casa da quilombola Marilda de Souza. Ponto 1 do circuito de memória Passados Presentes no Rio de Janeiro, o Projeto reflete e divulga a experiência da última geração de africanos, sequestrados em África ainda meninos e trazidos para portos clandestinos da costa do Sudeste, como a antiga fazenda do Bracuí.

Enquanto montávamos a exposição no Bracuí, o terreno de Marilda foi invadido e três das placas do circuito de memória sinalizado foram arrancadas e destruídas. Ainda que a festa de inauguração tenha sido um grande sucesso e as visitas tenham se avolumado desde então, a fragilidade social dos quilombolas do Bracuí continuava a nos afligir, quase dois anos depois de iniciados o Blog e o Projeto.

Mas o ano de 2015 termina com uma ótima notícia para os quilombolas. Dia 23 de dezembro, foi finalmente publicado, no Diário Oficial da União, o edital que trata da regularização fundiária do território do Bracuí. A comunidade esperava desde o final dos anos 1990 por esse dia. Quase um presente de Natal. Claro que o caminho para a titulação definitiva ainda é longo, mas 2016 se anuncia com alguma esperança.

No Brasil e no mundo, 2015 foi um ano desafiador, ainda assim o Blog tem muito a agradecer e a comemorar. Em 30 de abril de 2015, o Quilombo de São José da Serra, segundo ponto do circuito de memória do projeto Passados Presentes, depois de 20 anos de luta, recebeu oficialmente a posse integral de seu território! Formado pelos descendentes de dois casais de africanos que moraram na antiga fazenda cafeeira que se metamorfoseou em quilombo abolicionista, a memória do jongo e de suas raízes na África Central estão na base do memorial erguido no Quilombo e no circuito de visitação desenvolvido pelos quilombolas.

Também em 2015, o Quilombo São José e o Jongo de Pinheiral, grupo que encabeçou o projeto Passados Presentes para o edital Petrobras Cultural, foram ganhadores do Prêmio de Cultura Afro-Fluminense. A cerimônia de premiação aconteceu no dia 19 de dezembro, na Casa do Jongo, em Madureira.

O memorial Passados Presentes erguido na cidade de Pinheiral celebra as migrações negras do século 20, que fizeram do jongo patrimônio imaterial do Rio de Janeiro. Ele foi inaugurado juntamente com o Parque das Ruinas da Fazenda de São José do Pinheiro, no último 26 de julho, dia estadual do Jongo. A parceria que surgiu daí, entre o Grupo de Jongo de Pinheiral, a Prefeitura da Cidade e o projeto Passados Presentes, tornou Pinheiral, oficialmente, Cidade do Jongo.

Fechamos o ano com a sensação de dever cumprido e isto é sempre muito bom. E ainda conseguimos guardar uma surpresa para março de 2016, quando iremos inaugurar o circuito dos lugares de memória em torno da Capoeira e da Pequena Africa no centro da cidade do Rio de Janeiro.

O Blog entra em recesso até fevereiro de 2016, quando voltaremos ampliando ainda mais nossas conversas sobre história, gênero, escravidão atlântica e políticas de memória.

Bom Ano Bom Para Tod@s!

Baixe o aplicativo Passados Presentes!

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Passados Presentes na Semana da Consciência Negra

A festa de inauguração da terceira exposição do projeto Passados Presentes aconteceu no último domingo, 14 de novembro, no Quilombo do Bracuí. A celebração foi memorável. Reuniu mais de 400 pessoas, organizada com brilho pela comunidade quilombola, que luta há mais de cem anos pelo território coletivo ocupado por seu antepassados, desde antes de o receberem oficialmente, em 1878, em doação no testamento de José de Souza Breves, que ali desenvolvia atividades negreiras na primeira metade do século 19.

As fazendas negreiras se desenvolveram no litoral das principais áreas escravistas do Império do Brasil, sobretudo depois da primeira proibição formal do comércio negreiro no então jovem país independente, em 1831. Elas substituíram as antigas áreas oficiais voltadas para este tipo de atividade, como o complexo do Valongo, no Rio de Janeiro.

Clique na figura abaixo para ouvir a narrativa dos griôs do Quilombo do Bracuí, sobre o funcionamento da antiga fazenda.

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Os griôs do Quilombo do Bracuí são guardiões da memória dos horrores cometidos contra os recém chegados e da sua recuperação para serem enviados serra acima, para as áreas cafeicultoras do Vale do Paraíba,

A tradição oral guardou até mesmo o naufrágio criminoso em águas próximas à fazenda, do Brigue negreiro Camargo, perseguido pela marinha brasileira após a segunda lei de extinção do tráfico atlântico, em 1850.

Confira a narrativa de Manoel Moraes, clicando na imagem abaixo.

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O naufrágio deixou documentos históricos na auditoria da marinha e no ministério da justiça brasileiros. O memorial do Quilombo do Bracuí homenageia os africanos sobreviventes resgatados pelas autoridades. Na imagem abaixo, vemos a griô quilombola Marilda de Souza contar esta história para estudantes que participaram da festa de inauguração.

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São, porém, os jovens do quilombo que transformam a tradição oral em bandeira de luta por novos e melhores tempos, simbolizados na imagem da Santa Rita Black, do artista Lee27.

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A Exposição Memorial do Quilombo do Bracuí conta a história de como funcionavam as antigas fazendas negreiras do litoral sul fluminense e de como elas se tornaram improdutivas após o fim do tráfico atlântico de escravos para o Brasil. De fato, os trabalhadores africanos ali residentes eram testemunhas de um crime contra as leis do Brasil, que apenas após 1850 passou a ser efetivamente reprimido pelas autoridades imperiais. O proprietário da antiga fazenda do Bracuí, José de Souza Breves, os deixou com o usofruto das terras após o encerramento das atividades negreiras. Em seu testamento, eles foram depois alforriados e transformados em herdeiros do território ocupado. A tradição oral de seus descendentes, no século 21, tornou-se testemunho, não de um crime contra as leis do Império do Brasil, mas de um crime contra a humanidade.

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A roda expositiva conta também a história da luta da comunidade pela terra coletiva ao longo do século 20. Na década de 1970, a construção da Rio Santos lhes tirou, não sem luta, toda a terra que ocupavam da estrada até o mar. Ainda hoje, o território comunitário continua ameaçado apesar da certificação da Fundação Palmares como comunidade quilombola. Três da placas do projeto Passados Presentes foram arrancadas poucas horas após terem sido colocadas. Tais locais de memória continuam sinalizados no roteiro do aplicativo e, felizmente, encontram-se fora da área que vem sendo negociada com o INCRA para demarcação definitiva. Esperamos que isso aconteça o mais rápido possível. Enquanto não acontece, a sinalização do projeto Passados Presentes atualiza a memória do território histórico ocupado pela comunidade e a fortalece para a futura titulação de acordo com a Constituição de 1988.

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O racismo é o mais terrível legado da sociedade escravista para a experiência nacional brasileira. Nessa semana da consciência negra, o conversa de historiadoras vem mais uma vez celebrar a riqueza e a especificidade do legado cultural da última geração de africanos no Rio de Janeiro. Trazidos à força ao país a menos de 150 anos, seus descendentes hoje compõem a maior parte das comunidades remanescentes de quilombo e dos grupos detentores do patrimônio cultural brasileiro de matriz africana oficialmente reconhecido.

“O Gente presta atenção na história que eu vou contar//Deitei minha cabeça na cabeceira do rio mas o pé está lá no mar” (Ponto de jongo sobre a extensão das terras do Quilombo do Bracuí – Marilda de Souza)

Assista o teaser atualizado do projeto Passados Presentes.

 

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Luiz Gama, o Prêmio APERJ de Monografias e o Quilombo do Bracuí

Na última terça-feira, 3 de novembro, 133 anos depois da sua morte, Luiz Gama (1830-1882) foi finalmente reconhecido como advogado pela Ordem dos Advogados do Brasil, em cerimônia inédita. O menino escravizado ilegalmente pelo próprio pai, que se tornou poeta e escritor, também atuou ativamente como rábula, como eram chamados, no século 19, os que exerciam a advocacia sem terem feito a faculdade de direito. Perante a lei do Império do Brasil, Gama especializou-se em libertar homens e mulheres que, como ele, puderam provar que estavam ilegalmente escravizados. De fato, desde a proibição do tráfico negreiro com a África, todos os cativos que entraram no Brasil o fizeram ilegalmente, ainda que a justiça insistisse em ignorar o fato. Gama ajudou a libertar mais de 500 escravos nos tribunais, mas sua militância teve repercussão política muito maior e abriu caminhos para o movimento abolicionista.

No mesmo dia 3 de novembro, foi revelada a identidade de um outro Luiz Gama, que assinou, como pseudônimo, o manuscrito vencedor do Prêmio Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro de monografias, “O complexo Breves: a força da escravidão no vale do café (Rio de Janeiro, c. 1850 – c. 1888)”. Parabenizamos aqui Thiago Campos Pessoa, professor de história e pesquisador no LABHOI/UFF, que terá o livro brevemente publicado.tiago

O texto foi originalmente tese de doutorado, orientada por Hebe, e dá a ver, de forma inédita, a ligação litoral / vale no complexo cafeeiro escravista do Vale do Paraíba. Sem as propriedades voltadas para o desembarque e quarentena dos “pretos novos” ilegais, o principal produto de exportação do Império do Brasil não teria se desenvolvido. Luiz Gama foi pioneiro em revelar isso, mesmo que ainda hoje sua mensagem esteja em grande parte silenciada nas narrativas da história do Brasil oitocentista.Captura de Tela 2015-11-04 às 17.46.16

Uma dessas fazendas do litoral, em que chegavam, em cada navio, centenas de crianças de 8 a 12 anos, ilegalmente escravizadas, deu origem ao atual Quilombo do Bracuí, em Angra dos Reis, que recebe um dos roteiros turísticos e abriga a terceira exposição memorial do projeto Passados Presentes. A narrativa expositiva conta a história e luta dos quilombolas, que nos inspirou a criar este Blog,

expo bracui 4e também a história do naufrágio do Brigue Camargo nas praias da antiga Fazenda, com mais de 500 africanos de Moçambique, registrada nos arquivos e incorporada na tradição oral da comunidade. expo bracui 2

Convidamos todos para a festa de inauguração, no próximo dia 14 de novembro! Para boa leitura do convite e do texto do folder, cliquem nas imagens para ampliar

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Salve Luiz Gama!

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Notícias da inauguracão no Quilombo São José

Foi com muita emoção que inauguramos a exposição memorial Passados Presentes no Quilombo São José. Como os que acompanham regularmente o Blog já sabem, é o segundo memorial/exposição do Projeto Passados Presentes com objetivo de promover ações de pesquisa e divulgação da história e do patrimônio imaterial relacionado ao legado do tráfico de africanos escravizados no estado do Rio de Janeiro, que coordenamos em colaboração com a historiadora Keila Grinberg, da UNIRIO. O primeiro memorial foi inaugurado em julho na cidade de Pinheiral e o terceiro terá sua abertura oficial em 14 de novembro próximo, no Quilombo do Bracui. Ao lado do memorial, faz parte do projeto a criação do aplicativo para celulares que indica os lugares de memória do tráfico, da escravidão e do pós-abolição, abertos à visitação pública, assim como do patrimônio cultural construído pelos descendentes da última geração de africanos escravizados no Rio de Janeiro.

Um grupo de colegas historiadores foram conosco em caravana conferir a festa no Quilombo São José, visitando no caminho o memorial do Parque das Ruínas da cidade de Pinheiral. Uma boa sugestão de roteiro de visitação.IMG_4133IMG_4171

Muitos já foram com o app passados presentes instalado. IMG_4247IMG_4248

Como indicado no roteiro, ao chegarmos ao Quilombo São José, visitamos primeiramente o Terreiro  do Jongo e, em especial, o  emocionante Museu da Casa Quilombola. IMG_4233IMG_4177IMG_4179

Na sequência do roteiro sugerido, nos dirigimos para a sede, onde foi servida a feijoada que antecedeu a solenidade de inauguração da exposição memorial. A inauguração de ontem contou com a participação de muitos jongueiros, alunos da graduação e da pós-graduação, assim como de muitos professores de História e moradores da região.blogsaojose1IMG_4217
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Compartilhamos com vocês, algumas fotos da festa e a alegria e emoção das nossas falas (Hebe Mattos, Martha Abreu, Keila Grinberg) durante a inauguração na roda expositiva do projeto.IMG_4225IMG_4228IMG_4224IMG_4192

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