Uma aula de história pública

Na sequência de visitas com turmas de fim de semestre, Martha esteve, este fim de semana, no Quilombo do Bracuí, em Angra dos Reis. O quilombo tem  uma bela história de lutas e uma incrível tradição oral, que inclui a memória da chegada ilegal de africanos para o trabalho forçado nas fazendas de café do Vale do Paraíba. Pode ser visitado mediante contato com Luciana Adriano. Quem nos acompanha aqui no blog, sabe do golpe que sofreram recentemente.  Sua sede, em construção, ruiu em pleno carnaval, ao mesmo tempo que que sua saga de lutas era lembrada e homenageada pelo belo desfile da Império Serrano. Mas eles estão mais uma vez de pé.

Organizaram uma super chegada para a turma. Todos os cartazes, banners e posters da antiga sede foram para a casa de Marilda de Souza, uma das lideranças locais, onde a turma foi recebida com uma feijoada divina e ficou hospedada. Luciana, Angelica e Fabiane, três lideranças quilombolas, que atuam no campo da educação,  levaram  todos para uma visita à cachoeira, onde contaram a história da luta recente do quilombo, os projetos de educação na escola, o trabalho com jovens jongueiros e sua atuação no pontão da cultura do jongo e do caxambu.

Depois disso, a turma percorreu todo o quilombo, subindo a rua principal em uma visita guiada, em que, sempre que pertinente, os guias paravam para explicar alguma coisa….

Depois do lanche, novamente na casa de Marilda, ela começou a contar histórias mais antigas e muitos “causos” da tradição oral, com as histórias  dos escravizados na região. Quem já assistiu os nossos filmes sobre a memória negra no Sul Fluminense, sabe do poder narrativo dela. Mas, ao vivo, é ainda mais interessante, pois sempre acrescenta novas histórias e envolve seus ouvintes com seu carisma. Destaque para a narrativa sobre a doação da antiga fazenda aos libertos, no testamento do antigo proprietário, José Breves, e a não implementação do direito. Foi uma super-aula de história pública.  Para fechar o dia, o grupo de jongo da comunidade do Bracuí fez uma belíssima apresentação e convidou todos os alunos para a roda.

Conhecemos o quilombo há quase 10 anos. É sempre impressionante e valioso voltar lá para revermos as pessoas que entrevistamos, renovarmos as parcerias e percebermos  o quanto a organização da comunidade cresceu. Hoje, três jovens lideranças concluíram o curso universitário (Luciana, Angélica e Vinícius) e outras mais se preparam  para isso. Em meio a inúmeras dificuldades,  continuam, como seus antepassados, construindo caminhos para legitimar suas terras e para dar visibilidade a sua história no município de Angra dos Reis. A  pesquisa com comunidades quilombolas e jongueiras, há muito descobrimos, nunca termina…

Quem quiser organizar visita semelhante, basta entrar em contato com a Luciana, pelo facebook do Quilombo, ou pelo celular, que disponibilizamos abaixo. Roteiro semelhante pode ser feito em outros quilombos e grupos de jongo do Rio de Janeiro. A partir deste mês de junho, iniciamos no LABHOI/UFF, em associação como o NUMEM, da UNIRIO, coordenado por Keila Grinberg, e apoio do Edital Petrobras Cultural, um projeto de história pública sobre o tema, com o título Passados Presentes: Patrimônio Imaterial e Lugares de Memória do Tráfico Atlântico de Escravos no Rio de Janeiro.

Mas não é preciso esperar o projeto, para tomar iniciativas como a de Martha e sua turma de graduação em história. O Quilombo São José da Serra, em Valença, dispensa maiores apresentações, está no facebook e  já conta com antena de Internet. O Creasf (Centro de Referência do Jongo de Pinheiral), dirigido por três professoras, foi pioneiro em iniciativas de história pública, unindo história e memória da região com narrativa dos próprios jongueiros. O grupo Sementes da Africa, de Barra do Piraí, dirigido Por Eva Lucia, marca presença no filme Jongos, Calangos e Folias, e também agenda visitas. O mesmo vale para a Associação jongueira de Cachoeira de Arrozal. Isso para ficarmos apenas nos grupos documentados na Caixa de DVDs Passados Presentes, que pode servir de referência para o Professor organizar a visita.

Segue abaixo os contatos dos grupos, a maioria disponível no guia do vale do café.

Quilombo do Bracuí, Angra dos Reis

24-999021264

Quilombo São José, Valença

24-24571130; 24-24571358

Grupo de Jongo Sementes da Africa, Barra do Piraí

24-24431397; 24-92532591

Creasf _ Centro de Referência do Jongo de Pinheiral

creasfjongopineiral@ig.com.br

24-33563559; 24-92217212

Associação jongueira de Cachoeira de Arrozal

24-33331367; 24-92342743

legendas da fotos: Conversa com Marilda; Conversa com Luciana, Angélica e Fabiana; Chegada do Bracuí.

Fotos de Laura Mineiro e Núbia Aguilar.

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3 Comentários

Arquivado em cultura negra, história e memória, história pública

3 Respostas para “Uma aula de história pública

  1. Aqui no Ceará a força do movimento quilombola, a despeito de tudo quanto possa ser posto como barreira, continua crescendo… nos lugares de memória sobre o passado escravista a mais tempo “descoberto” pelos pesquisadores, a luta por direitos tem sido construída potencializando as memórias da escravidão e da liberdade… suspeito seriamente que o que sabemos ainda seja pouco ante a tudo que poderíamos descobrir focando o olhar para as memórias do pós-abolição na “terra da luz”…

  2. Tania Gandon

    Estas iniciativas brasileiras são exemplos para os historiadores do mundo. Parabéns!

  3. Pingback: Celebrando #PassadosPresentes | conversa de historiadoras

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