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Escravidão e Subjetividades

O livro didático História, Sociedade e Cidadania, voltado para o ensino médio, de Alfredo Boulos Junior, citou uma frase minha sobre a abolição em uma de suas questões, contrapondo a uma afirmação de Emília Viotti da Costa, uma das referências em minha formação como historiadora. Reproduzo aqui:

DEBATES DA HISTORIA: A abolição tem sido alvo de constantes debates entre os historiadores. Para alguns, como Emília Viotti da Costa, professora da Universidade de São Paulo (USP), “a abolição libertou os escravos do pesado fardo da escravidão e abandonou os negros à sua própria sorte”. Para outros, como a historiadora Hebe Maria Mattos, professora da Universidade Federal Fluminense, “a abolição foi um acontecimento ímpar. Pela primeira vez se reconheceu a igualdade civil de todos os brasileiros […]”. Qual delas, em sua opinião, tem um argumento mais convincente? Justifique.

Li a questão e fiquei pensando, serão as duas afirmações realmente opostas? A história da experiência do racismo, entendido como memória/estigma da escravidão, aproxima, me parece, as duas assertivas. Por que (e como) o acontecimento ímpar da abolição (que reconheceu a igualdade civil entre todos os brasileiros, libertando os escravizados do fardo pesado da escravidão) não implicou na superação do racismo no Brasil, abandonando os “negros”, categoria socialmente construída, à sua própria sorte? Esta é a questão que as duas afirmativas tomadas em conjunto provocam.

Pensar a experiência da escravidão, do racismo e da violência colonial como trauma, individual e coletivo, é um campo de reflexão que tem se expandido nos últimos anos.

Em um contexto que entrelaça estruturas políticas do antigo regime e expansão comercial europeia na África e nas Américas, as relações entre capitalismo e escravidão, caras à Emília Viotti da Costa, também têm sido intensamente revisitadas.

Nesse cenário, uma história da constituição do mundo atlântico que englobe as estruturas políticas preexistentes à expansão europeia e a experiência do estigma da colonização e da escravização das populações indígenas e africanas apenas começa a ser escrita.

Este foi um dos pontos de coesão dos textos da coletânea Escravidão e Subjetividades no Atlântico Luso-Brasileiro e Francês, que organizei com Myriam Cottias, historiadora francesa da escravidão e da memória da escravidão, com textos de autorxs brasileirxs e francesxs, entre eles Martha e Keila aqui do Blog. O livro foi lançado em e-book neste ano de 2016, como resultado do edital Saint-Hilaire, cooperação acadêmica entre Brasil e França na área das humanidades.  

Convido os leitores do blog a acessarem a obra, disponível online, em português e francês. Com o livro, procuramos ressaltar a importância de insistir na história social como processo, e nos “jogos de escala” como estratégia, para enfrentar os dilemas que mais de 3 séculos de escravização africana nas Américas apresentam para a contemporaneidade. 

Os capítulos abordam experiências de sujeitos históricos individuais, entendidos como agentes sociais. De fato, na maioria dos casos, os autores os consideram também, ainda que nem sempre explicitamente, como sujeitos sensíveis, tomados como subjetividades específicas, ainda que em sociedades não individualistas, como era o caso da maioria das sociedades escravistas, sobretudo antes do século 19. Este segundo ponto de costura dos textos emergiu da leitura final do conjunto pelas organizadoras e acabou sendo escolhido como título do trabalho. 

Escravidão e Subjetividades revisita as sociedades escravistas do Atlântico luso brasileiro e francês desde o ponto de vista dos sujeitos racializados que elas acabaram por produzir.

Aborda as subjetividades racializadas dos “livres de cor”construídas pelas práticas do catolicismo na América portuguesa do século 18 através  da trajetória do Santo Pardo Gonçalo Garcia no Recife  [Larissa Vianna] e a institucionalização do racismo em Portugal, com a manutenção da mancha de sangue para os escravos libertados pela abolição da escravidão no reino, no mesmo período [Antônio Mendes].

Discute  a interseção entre classificacões jurídicas e subjetividades no colonialismo católico português e francês,  inclusive nas escolhas matrimoniais de índios e africanos livres ou escravizados [Charlotte Castelnau-LÉstoile] ou nas relações políticas, mas pessoalizadas, entre monarcas africanos e europeus, apagadas da memória enquanto seus registros se transformavam em objeto de museus coloniais [Mariza Soares].

Conecta aspirações de cidadania e histórias de vida ao analisar as expectativas frustradas de integração dos “livres de cor” no Haiti pre-revolucionário [Dominique Rogers], as desventuras de Rufina, sequestrada e vendida como escrava para o Brasil duas vezes na vida – uma na África outra no Uruguai [Keila Grinberg], as subjetividades cativas reveladas nos diários do administrador de uma plantation na Martinica [Myriam Cottias], as experiências diferenciadas de africanos livres ou resgatados da escravidão como trabalhadores por contrato, no Caribe francês, após a abolição da escravidão [Céline Flory].

Por fim, aborda as relações entre racialização e subjetividades na trajetória de artistas negros que encenaram estereótipos racistas no Brasil, na França ou nos Estados Unidos [Martha Abreu], bem como na solidão de intelectuais afro-brasileiros  [Hebe Mattos] e afro-franceses [Elsa Geneste] frente ao colonialismo europeu na África de finais do século 19.

Por conta do Escravidão e Subjetividades,  fui convidada a participar, no final de outubro, de um seminário multidisciplinar sobre o impacto psicológico da escravidão para as populações da diáspora africana, que reuniu psicólogos, psiquiatras, historiadores e cientistas sociais, na Martinica.

Faço parte da geração que,  nos anos 1980,  fez mais profundamente a crítica da influência das chamadas teorias da patologia social na famosa “escola sociológica paulista”, por transformarem a experiência da escravidão em um  quase completo aniquilamento cultural e moral para escravizados e libertos. Durante o seminário, tive oportunidade de refletir sobre  a pertinência do problema de base daqueles trabalhos, entre eles os textos seminais de Florestan Fernandes e Emília Viotti da Costa: as desvantagens sociais e psicológicas inerentes à experiência da escravidão e do racismo e sua reprodução no pós-abolição.  E sobre a importância de revisitá-lo de perspectivas que integrem as subjetividades negras, com sua agência social e riqueza cultural,  no centro das discussões.   

Na semana seguinte, participei de um segundo seminário, Slavery and Global Public History. Comecei a escrever este texto no avião, retornando da Universidade de Brown. Neste caso, foi a experiência do projeto Passados Presentes que me trouxe até ali. Pensar a representação da escravidão no espaço público é também pensar as subjetividades negras e a construção (e desconstrução) do racismo na contemporaneidade.  Foram ricas e sugestivas as discussões sobre descolonização de narrativas, propondo desconstruir e desnaturalizar imagens coloniais e escravistas nos espaços de museus e livros didáticos, sem apagar sua memória social ou existência como imagem de arte. 

Ao chegar ao Rio, o turbilhão do golpe me impediu de publicar o texto imediatamente. Em meio a ele, uma reportagem no The Intercept, sobre turismo histórico em uma antiga plantation do Rio de Janeiro, em que os turistas reencenam a escravidão como sujeitos senhoriais, me deixou simplesmente chocada com a naturalização do racismo ainda prevalecente no país. É como se reencenássemos Auschwitz, vivendo sem críticas o papel do nazista, em uma visita à Alemanha!  

Para qualquer brasileiro antiracista, a reportagem de Cecília Oliveira no The Intercept foi (mais) um grito de alerta e um soco no estômago. Como e onde exibir uma imagem de punição física de cativos do Debret levando em conta seus efeitos sobre as subjetividades das crianças negras e brancas?  Como contextualizar para estudantes negros e  brancos a leitura de um texto racista de Monteiro Lobato? Ainda que postas já há algum tempo do ponto de vista político, esses são desafios e discussões que  nós,  historiadorxs profissionais, não podemos mais adiar.

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Feliz Ano Novo

O Conversa de Historiadoras completa seu segundo ano no ar. Inauguramos o blog, em 15 de março de 2014, com um texto que chamamos de O Novo Caso do Bracuí. Hebe estava então como professora visitante em Nova York. Martha, no Rio, tinha acompanhado de perto o carnaval da Império Serrano, com enredo sobre Angra dos Reis, baseado em nosso filme Jongos, Calangos e Folias. O Quilombo do Bracuí tinha destaque no enredo, belamente defendido pela escola de samba da Serrinha, mas os quilombolas não puderam estar na avenida. Para completar sua decepção, as chuvas daquele fevereiro fizeram cair o teto da sede da associação quilombola. A situação de fragilidade social do grupo nos afligia e queríamos que o Projeto Passados Presentes, aprovado no edital de patrimônio imaterial da Petrobras do ano anterior e que tinha no Quilombo do Bracuí um de seus proponentes, se tornasse uma ferramenta para modificar isso. Nosso primeiro artigo e o próprio blog surgiram da vontade de construir um veiculo para divulgar o trabalho que então se iniciava.

Local de memória dos últimos desembarques ilegais de africanos no Rio de Janeiro, a história do quilombo do Bracuí e sua poderosa tradição oral são a matéria prima da exposição memorial inaugurada em 14 de novembro deste ano de 2015 na casa da quilombola Marilda de Souza. Ponto 1 do circuito de memória Passados Presentes no Rio de Janeiro, o Projeto reflete e divulga a experiência da última geração de africanos, sequestrados em África ainda meninos e trazidos para portos clandestinos da costa do Sudeste, como a antiga fazenda do Bracuí.

Enquanto montávamos a exposição no Bracuí, o terreno de Marilda foi invadido e três das placas do circuito de memória sinalizado foram arrancadas e destruídas. Ainda que a festa de inauguração tenha sido um grande sucesso e as visitas tenham se avolumado desde então, a fragilidade social dos quilombolas do Bracuí continuava a nos afligir, quase dois anos depois de iniciados o Blog e o Projeto.

Mas o ano de 2015 termina com uma ótima notícia para os quilombolas. Dia 23 de dezembro, foi finalmente publicado, no Diário Oficial da União, o edital que trata da regularização fundiária do território do Bracuí. A comunidade esperava desde o final dos anos 1990 por esse dia. Quase um presente de Natal. Claro que o caminho para a titulação definitiva ainda é longo, mas 2016 se anuncia com alguma esperança.

No Brasil e no mundo, 2015 foi um ano desafiador, ainda assim o Blog tem muito a agradecer e a comemorar. Em 30 de abril de 2015, o Quilombo de São José da Serra, segundo ponto do circuito de memória do projeto Passados Presentes, depois de 20 anos de luta, recebeu oficialmente a posse integral de seu território! Formado pelos descendentes de dois casais de africanos que moraram na antiga fazenda cafeeira que se metamorfoseou em quilombo abolicionista, a memória do jongo e de suas raízes na África Central estão na base do memorial erguido no Quilombo e no circuito de visitação desenvolvido pelos quilombolas.

Também em 2015, o Quilombo São José e o Jongo de Pinheiral, grupo que encabeçou o projeto Passados Presentes para o edital Petrobras Cultural, foram ganhadores do Prêmio de Cultura Afro-Fluminense. A cerimônia de premiação aconteceu no dia 19 de dezembro, na Casa do Jongo, em Madureira.

O memorial Passados Presentes erguido na cidade de Pinheiral celebra as migrações negras do século 20, que fizeram do jongo patrimônio imaterial do Rio de Janeiro. Ele foi inaugurado juntamente com o Parque das Ruinas da Fazenda de São José do Pinheiro, no último 26 de julho, dia estadual do Jongo. A parceria que surgiu daí, entre o Grupo de Jongo de Pinheiral, a Prefeitura da Cidade e o projeto Passados Presentes, tornou Pinheiral, oficialmente, Cidade do Jongo.

Fechamos o ano com a sensação de dever cumprido e isto é sempre muito bom. E ainda conseguimos guardar uma surpresa para março de 2016, quando iremos inaugurar o circuito dos lugares de memória em torno da Capoeira e da Pequena Africa no centro da cidade do Rio de Janeiro.

O Blog entra em recesso até fevereiro de 2016, quando voltaremos ampliando ainda mais nossas conversas sobre história, gênero, escravidão atlântica e políticas de memória.

Bom Ano Bom Para Tod@s!

Baixe o aplicativo Passados Presentes!

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Passados Presentes na Semana da Consciência Negra

A festa de inauguração da terceira exposição do projeto Passados Presentes aconteceu no último domingo, 14 de novembro, no Quilombo do Bracuí. A celebração foi memorável. Reuniu mais de 400 pessoas, organizada com brilho pela comunidade quilombola, que luta há mais de cem anos pelo território coletivo ocupado por seu antepassados, desde antes de o receberem oficialmente, em 1878, em doação no testamento de José de Souza Breves, que ali desenvolvia atividades negreiras na primeira metade do século 19.

As fazendas negreiras se desenvolveram no litoral das principais áreas escravistas do Império do Brasil, sobretudo depois da primeira proibição formal do comércio negreiro no então jovem país independente, em 1831. Elas substituíram as antigas áreas oficiais voltadas para este tipo de atividade, como o complexo do Valongo, no Rio de Janeiro.

Clique na figura abaixo para ouvir a narrativa dos griôs do Quilombo do Bracuí, sobre o funcionamento da antiga fazenda.

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Os griôs do Quilombo do Bracuí são guardiões da memória dos horrores cometidos contra os recém chegados e da sua recuperação para serem enviados serra acima, para as áreas cafeicultoras do Vale do Paraíba,

A tradição oral guardou até mesmo o naufrágio criminoso em águas próximas à fazenda, do Brigue negreiro Camargo, perseguido pela marinha brasileira após a segunda lei de extinção do tráfico atlântico, em 1850.

Confira a narrativa de Manoel Moraes, clicando na imagem abaixo.

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O naufrágio deixou documentos históricos na auditoria da marinha e no ministério da justiça brasileiros. O memorial do Quilombo do Bracuí homenageia os africanos sobreviventes resgatados pelas autoridades. Na imagem abaixo, vemos a griô quilombola Marilda de Souza contar esta história para estudantes que participaram da festa de inauguração.

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São, porém, os jovens do quilombo que transformam a tradição oral em bandeira de luta por novos e melhores tempos, simbolizados na imagem da Santa Rita Black, do artista Lee27.

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A Exposição Memorial do Quilombo do Bracuí conta a história de como funcionavam as antigas fazendas negreiras do litoral sul fluminense e de como elas se tornaram improdutivas após o fim do tráfico atlântico de escravos para o Brasil. De fato, os trabalhadores africanos ali residentes eram testemunhas de um crime contra as leis do Brasil, que apenas após 1850 passou a ser efetivamente reprimido pelas autoridades imperiais. O proprietário da antiga fazenda do Bracuí, José de Souza Breves, os deixou com o usofruto das terras após o encerramento das atividades negreiras. Em seu testamento, eles foram depois alforriados e transformados em herdeiros do território ocupado. A tradição oral de seus descendentes, no século 21, tornou-se testemunho, não de um crime contra as leis do Império do Brasil, mas de um crime contra a humanidade.

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A roda expositiva conta também a história da luta da comunidade pela terra coletiva ao longo do século 20. Na década de 1970, a construção da Rio Santos lhes tirou, não sem luta, toda a terra que ocupavam da estrada até o mar. Ainda hoje, o território comunitário continua ameaçado apesar da certificação da Fundação Palmares como comunidade quilombola. Três da placas do projeto Passados Presentes foram arrancadas poucas horas após terem sido colocadas. Tais locais de memória continuam sinalizados no roteiro do aplicativo e, felizmente, encontram-se fora da área que vem sendo negociada com o INCRA para demarcação definitiva. Esperamos que isso aconteça o mais rápido possível. Enquanto não acontece, a sinalização do projeto Passados Presentes atualiza a memória do território histórico ocupado pela comunidade e a fortalece para a futura titulação de acordo com a Constituição de 1988.

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O racismo é o mais terrível legado da sociedade escravista para a experiência nacional brasileira. Nessa semana da consciência negra, o conversa de historiadoras vem mais uma vez celebrar a riqueza e a especificidade do legado cultural da última geração de africanos no Rio de Janeiro. Trazidos à força ao país a menos de 150 anos, seus descendentes hoje compõem a maior parte das comunidades remanescentes de quilombo e dos grupos detentores do patrimônio cultural brasileiro de matriz africana oficialmente reconhecido.

“O Gente presta atenção na história que eu vou contar//Deitei minha cabeça na cabeceira do rio mas o pé está lá no mar” (Ponto de jongo sobre a extensão das terras do Quilombo do Bracuí – Marilda de Souza)

Assista o teaser atualizado do projeto Passados Presentes.

 

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Luiz Gama, o Prêmio APERJ de Monografias e o Quilombo do Bracuí

Na última terça-feira, 3 de novembro, 133 anos depois da sua morte, Luiz Gama (1830-1882) foi finalmente reconhecido como advogado pela Ordem dos Advogados do Brasil, em cerimônia inédita. O menino escravizado ilegalmente pelo próprio pai, que se tornou poeta e escritor, também atuou ativamente como rábula, como eram chamados, no século 19, os que exerciam a advocacia sem terem feito a faculdade de direito. Perante a lei do Império do Brasil, Gama especializou-se em libertar homens e mulheres que, como ele, puderam provar que estavam ilegalmente escravizados. De fato, desde a proibição do tráfico negreiro com a África, todos os cativos que entraram no Brasil o fizeram ilegalmente, ainda que a justiça insistisse em ignorar o fato. Gama ajudou a libertar mais de 500 escravos nos tribunais, mas sua militância teve repercussão política muito maior e abriu caminhos para o movimento abolicionista.

No mesmo dia 3 de novembro, foi revelada a identidade de um outro Luiz Gama, que assinou, como pseudônimo, o manuscrito vencedor do Prêmio Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro de monografias, “O complexo Breves: a força da escravidão no vale do café (Rio de Janeiro, c. 1850 – c. 1888)”. Parabenizamos aqui Thiago Campos Pessoa, professor de história e pesquisador no LABHOI/UFF, que terá o livro brevemente publicado.tiago

O texto foi originalmente tese de doutorado, orientada por Hebe, e dá a ver, de forma inédita, a ligação litoral / vale no complexo cafeeiro escravista do Vale do Paraíba. Sem as propriedades voltadas para o desembarque e quarentena dos “pretos novos” ilegais, o principal produto de exportação do Império do Brasil não teria se desenvolvido. Luiz Gama foi pioneiro em revelar isso, mesmo que ainda hoje sua mensagem esteja em grande parte silenciada nas narrativas da história do Brasil oitocentista.Captura de Tela 2015-11-04 às 17.46.16

Uma dessas fazendas do litoral, em que chegavam, em cada navio, centenas de crianças de 8 a 12 anos, ilegalmente escravizadas, deu origem ao atual Quilombo do Bracuí, em Angra dos Reis, que recebe um dos roteiros turísticos e abriga a terceira exposição memorial do projeto Passados Presentes. A narrativa expositiva conta a história e luta dos quilombolas, que nos inspirou a criar este Blog,

expo bracui 4e também a história do naufrágio do Brigue Camargo nas praias da antiga Fazenda, com mais de 500 africanos de Moçambique, registrada nos arquivos e incorporada na tradição oral da comunidade. expo bracui 2

Convidamos todos para a festa de inauguração, no próximo dia 14 de novembro! Para boa leitura do convite e do texto do folder, cliquem nas imagens para ampliar

Captura de Tela 2015-11-04 às 18.17.56

Salve Luiz Gama!

_Convite_Bracuí

 

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O Dia Estadual do Jongo e o Pós-abolição no Rio de Janeiro

Muita gente nos tem perguntado sobre como será o evento do projeto Passados Presentes em Pinheiral no próximo domingo. Nele, aproveitando as boas energias da festa de Santana da cidade de Pinheiral e a presença dos quilombolas do Bracuí e de São José da Serra nas comemorações do dia estadual do jongo, vamos inaugurar nossa primeira exposição e uma versão, de teste, do aplicativo de turismo de memória. Em Pinheiral, a exposição e o roteiro de memória abordam a história do jongo e do pós-abolição no estado do Rio de Janeiro através da experiência dos jongueiros da cidade.

O CREASF_Jongo de Pinheiral foi o proponente comunitário do projeto Passados Presentes junto ao edital de Patrimônio Imaterial. Desde que a proposta foi aprovada, a prefeitura de Pinheiral também se tornou um parceiro importante, inclusive com a criação do Parque das Ruínas da Fazenda São José do Pinheiro, onde ficará a exposição. Do nosso lado, uma equipe maravilhosa, de artistas, designers, artesãos e magos da tecnologia, vai aos poucos trazendo a exposição e o aplicativo do sonho para a realidade. A semana será de muita expectativa, especialmente para essas duas historiadoras, a quem só resta torcer. Rogamos todo apoio à Santana, já que dia 26 é o dia dela e do jongo no estado do Rio de Janeiro!

Sem dúvida, é hora de agradecer e de lembrar todo o trabalho coletivo que começou em 2013, quando tivemos o projeto aprovado com Keila Grinberg, em parceria com o Jongo de Pinheiral e as comunidades quilombolas de São José da Serra e do Bracui. O planejamento do que seria exposto, dos pontos de visitação e da própria concepção e narrativa das exposições memoriais foi realizado sempre coletivamente, depois de muitas reuniões, viagens e visitas das historiadoras e da equipe artística às comunidades. Os textos de história do projeto e sua concepção estética, ainda que autorais, foram construídos em dialogo com as histórias e desejos que os quilombolas e jongueiros nos confiaram. Já dissemos, há um tempo, o quanto o trabalho coletivo e em parceria mudou nossas vidas. Não dá mais para pensar a pesquisa acadêmica de outra forma.

De todo modo, o lançamento em Pinheiral é apenas o início de um processo. As exposições memoriais no Quilombo do Bracuí e no Quilombo de São José têm, cada uma, narrativas próprias, evocando o tráfico negreiro clandestino e a as raízes africanas do jongo, além de roteiros turísticos originais nos territórios quilombolas. Os roteiros serão sinalizados e a exposições montadas nas semanas seguintes à festa em Pinheiral e seus lançamentos específicos dependerão do calendário festivo das comunidades.

O roteiro da história da capoeira no Centro do Rio e os demais pontos do inventário dos lugares de memória UFF/UNESCO no estado do Rio de Janeiro serão incorporados ao aplicativo até setembro, quando pretendemos fazer um lançamento final na cidade do Rio de Janeiro, com a apresentação de um vídeo sobre o making off das três exposições memoriais.

Convite_Pinheiral

Para finalizar a postagem de hoje, fazemos votos de que toda a energia positiva em torno da exposição de Pinheiral e do protótipo do aplicativo possa também ajudar a mobilizar para a campanha de arrecadação de fundos em apoio à mestre jongueira Eva Lúcia de Moraes Faria Rosa, parceira antiga, da época dos Jongos, Calangos e Folias, que precisa realizar com urgência uma cirurgia na vista. Quem quiser ajudar, basta entrar em contato, por email, com o Pontão do Jongo e do Caxambu. A ela, nossa homenagem e total apoio!

eva

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A escravidão como problema moral e a presença africana nas Américas

Passados Presentes é o nome do projeto que estamos desenvolvendo em parceria com quilombolas e jongueiros do Rio de janeiro, mas também é o mote da rede de pesquisa de que participamos, com pesquisadores da Columbia University e outros colegas historiadores do Rio de Janeiro, discutindo a escravidão como problema moral no Ocidente e o legado da presença africana nas Américas. Em junho, recebemos no Rio o coordenador da rede de pesquisa na universidade de Nova York, o antropólogo jamaicano David Scott, que participou de workshop com os pesquisadores brasileiros e fez conferência sobre a escravidão como problema moral no Museu de Arte do Rio (MAR). Com o historiador Álvaro Nascimento, de UFRRJ, David também compôs a mesa de debates do V Festival Internacional do Filme de Pesquisa/ Memória da Escravidão no Brasil. Compartilhamos aqui, com nossos leitores, os emocionantes e inspiradores comentários de ambos ao filme Jogo de Corpo. Capoeira e Ancestralidade que encerrou, no auditório do MAR, a sessão Rio do festival 2015 e também o workshop Passados Presentes, ajudando-nos a refletir sobre dano moral e legado cultural na diápora africana nas Américas

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Eric Foner é um dos historiadores da Columbia University a fazer parte da rede de pesquisa e a entrevista que fizemos com ele em maio de 2014 foi tema de uma de nossas primeiras postagens. Um dos mais influentes historiadores sobre o pós-emancipação nos Estados Unidos, a íntegra da entrevista acaba de sair publicada, em português e inglês, no dossiê Pós-Abolição no Mundo Atlântico, da Revista Brasileira de História da ANPUH. O dossiê é o primeiro publicado na nova fase, bilíngue, da revista e atesta mais uma vez a consolidação dos estudos sobre o pós-abolição no Brasil. Confira mais uma vez a pequena parte filmada da entrevista transcrita no dossiê.

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Dando sequencia às trocas frutíferas sobre a diáspora africana nas Américas com pesquisadores da Universidade de Columbia, convidamos também para a palestra do historiador Jose Moya, diretor do Instituto de Estudos Latinos Americanos daquela Universidade, sobre “La presencia africana en las Americas como una historia de immigración”,  no dia 8 de julho (quarta-feira), às 19 hs, na sala 140 na Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) (Campus da Praia Vermelha – Av. Pasteur, 250 fundos). O evento é de entrada livre e gratuita  e a palestra será realizada em espanhol sem tradução. Trata-se de uma realização conjunta do Columbia Global Center, dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura (PPGCOM) e História Social (PPGHIS da UFRJ, do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense (UFF) e da Casa de Rui Barbosa (CRB). 

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Por fim, acontece esta semana na Universidade Federal Fluminense o XI Encontro Regional Sudeste da Associação Brasileira de História Oral, com o tema “Dimensões do Público: comunidades de sentido e narrativas políticas”. Hebe fará a conferência de abertura com o título Passados Presentes: comunidades de sentido e narrativas políticas sobre a diáspora africana no Brasil, também no dia 8 de julho, à 11 horas. Confira aqui a programação completa do evento.

cartaz

 

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Memória da Escravidão no Brasil

Andamos sumidas. Muito trabalho para fechar o projeto Passados Presentes. Desde 2014, formamos com Keila Grinberg uma nova rede de pesquisa, que tem atuado em conjunto com quilombos e comunidades jongueiras do Rio de Janeiro.

O projeto Passados Presentes: Memória da Escravidão no Brasil está desenvolvendo um aplicativo de geo-localizacão para o turismo de memória, iniciando com quatro roteiros ligados ao patrimônio imaterial do Rio de Janeiro (Jongos, quilombos e lugares históricos da capoeira) listados no Inventário  UFF/UNESCO dos Lugares de Memória do Tráfico Atlântico de Escravos e dos Africanos Escravizados no Brasil. Para tanto, em diálogo com o aplicativo, desenvolvemos um sistema de sinalização físico nas localidades com placas e códigos QR e 3 exposições/memoriais a céu aberto. Nas últimas semanas, estivemos no Quilombo São José da Serra, no Quilombo do Bracuí e na cidade de Pinheiral marcando por satélite os pontos identificados pelos moradores para cada um dos roteiros histórico-turísticos. Reproduzimos aqui o texto da placa principal do projeto, disponível também no hotsite Passados Presentes, que acaba de ser lançado. O projeto tem patrocínio do Edital Petrobras Cultural 2012 e apoio do convênio FAPERJ/Columbia Global Center.

O tráfico atlântico de africanos escravizados para as Américas é considerado pela ONU como um crime contra a humanidade. O Estado brasileiro, nascido em 1822, teve responsabilidade direta nesse processo: dos horrores da travessia à violência da escravização em terras brasileiras. Apesar disso, a presença africana no Brasil deixou um legado cultural inestimável, hoje oficialmente reconhecido em diversos patrimônios do país, entre os quais o Jongo do Sudeste.

No século 19, estima-se que cerca de pelo menos um milhão e meio de africanos tenham desembarcado no Brasil. No Rio de Janeiro, a maioria deles aportou no Cais do Valongo e depois em portos clandestinos do litoral, como a antiga fazenda do Bracuí, em Angra dos Reis, onde hoje se localiza o Quilombo do mesmo nome. Os africanos chegados viveram o resto de suas vidas nas plantações de café no Vale do Paraíba, como a antiga fazenda de São José da Serra, cujas terras hoje formam o Quilombo São José, em Valença. Abolida a escravidão, em 1888, muitos de seus descendentes migraram para as áreas urbanas do estado do Rio de Janeiro e transformaram a vida dessas cidades ao longo do século 20. A associação de jongueiros da cidade de Pinheiral, erguida em torno da antiga estação ferroviária, por onde muitos libertos chegaram, expressa esse movimento.

Com o objetivo de reconhecer essas histórias e estimular o turismo de memória no Rio de Janeiro, o projeto Passados Presentes – memória da escravidão no Brasil, em parceria com as comunidades, está construindo exposições permanentes no Quilombo do Bracuí, no Quilombo de São José da Serra e na cidade de Pinheiral. A sinalização turística e os memoriais a céu aberto buscam honrar as vítimas da tragédia da escravização e celebrar o patrimônio cultural negro erguido em terras brasileiras pelos que sobreviveram.

Convidamos todos a ver o teaser do projeto (imperdível).

passadospresentesCaptura de Tela 2015-06-30 às 21.42.05 Captura de Tela 2015-06-30 às 21.41.47 Captura de Tela 2015-06-30 às 21.41.27

Ficha Técnica

Coordenação Geral e Textos:

Hebe Mattos – historiadora, Universidade Federal Fluminense. Coordenadora do Laboratório de História Oral e Imagem (LABHOI/UFF).

Martha Abreu – historiadora, Universidade Federal Fluminense. Organizadora, com Hebe Mattos e Milton Guran, do Inventário dos Lugares de Memória do Tráfico Negreiro e da História dos Africanos escravizados no Brasil da UNESCO.

Keila Grinberg – historiadora, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Coordenadora do Núcleo de Documentação, História e Memória (NUMEM/UNIRIO).

Consultoria de Pesquisa

Matthias Assunção – Matthias Röhrig Assunção – historiador na Universidade de Essex, Reino Unido, e pesquisador associado ao LABHOI/UFF

Elaine Monteiro _ Educadora, Universidade Federal Fluminense e Coordenadora do Pontão da Cultura do Jongo e do Caxambu.

Coordenação de Pesquisa

Daniela Yabeta _ Historiadora, pos-doutoranda no LABHOI/UFF (CNPq/FAPERJ)

Assistência de Pesquisa

Lívia Monteiro _ Historiadora, doutoranda no PPGH/UFF.

Apoio Técnico

Alexandre Abrantes e Clarissa Mainardi (LABHOI/UFF)

Bolsistas de iniciação científica (Apoio FAPERJ/CNPq)

Eline Cypriano; Daniely Sant’Anna; Lissa Passos; Thamyris Morais; Vanessa Gonçalves.

Consultoria de pesquisa nas comunidades:

Jongo de Pinheiral

Maria de Fátima da Silveira Santos, Maria Amélia da Silveira Santos e Maria das Graças da Silveira Santos.

Quilombo de São José da Serra

Antônio do Nascimento Fernandes, Almir Gonçalves Fernandes, Gilmara da Silva Roberto e Luciene Estevão Nascimento.

Quilombo do Bracuí

Marilda de Souza Francisco, Angélica Souza Pinheiro e Luciana Adriano da Silva.

Direção de Criação e Arte do Memorial: André De Castro

Designer Sênior e ilustração: Julia Haiad

Designers: João Roma e Victor Lifsitch

Cenotécnico: André Salles

Equipe local de Montagem: Walmir de Souza Francisco; Antônio de Pádua Estevão; Jorge dos Passos Estevão e Carlos Roberto Roberto.

Criação Audio-Visual: Guilherme Hoffmann

Tecnologia – site e aplicativo: Digitok

Assessoria de Imprensa: Somma Comunicações

Produção Executiva: Isabel Pacheco

Direção de Produção: Cria Produções

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Da memória à reparação: filmes e workshop no Museu de Arte do Rio

Convidamos os amigos do conversadehistoriadoras para a sessão de encerramento do V Festival Internacional do Filme de Pesquisa, no sábado, dia 20 de junho, no auditório do Museu de Arte do Rio. A programação se abre às 11 horas,  com conferência de David Scott, antropólogo da Universidade de Columbia, com o título “On the moral justification of reparation for New World Slavery” (Sobre a justificação moral da reparação para a escravidão no novo mundo). Haverá tradução consecutiva.

Na parte da tarde, o celebrado filme de Matthias Assunção, Mestre Cobra Mansa e Richard Pakleppa Jogos de Corpo: Capoeira e Ancestralidade, precedido do belo curta A Mão e o Fogo: Louça e subjetividade entre artesãs de Itamatativa, de Raquel Noronha encerram a sessão Rio 2015 do festival, iniciada em maio. Confiram as sinopses na programação abaixo.

David Scott coordena com Hebe o projeto Passados Presentes, sobre memória da escravidão e políticas de reparação na área de educação no Brasil, com apoio do edital FAPERJ/COLUMBIA GLOBAL CENTER. Na sexta feira, o projeto realiza workshop sobre o tema, também nas dependências do MAR, que terá o inglês como língua de comunicação principal.

Divulgamos aqui a programação completa. 2Programacao_RFF_Edicao_Rio_Junho_20152Programacao_RFF_Edicao_Rio_Junho_2015

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Diário da Bicicleta (ou conversas de Havana)

Escrevemos este texto do aeroporto Internacional José Marti, em Havana, Cuba. Estamos deixando a cidade após participarmos de colóquio sobre memória da escravidão e herança africana em Brasil e Cuba, organizado por Andre Cicalo (pelo Museu Afro-Digital da UERJ) e por Alberto Granado (pela Casa de Africa, Havana). O colóquio reuniu especialistas brasileiros e cubanos para discutir o desenvolvimento do projeto Rota do Escravo da UNESCO nos dois países, e temas como patrimônio, democracia e racismo; escravidão, arqueologia e lugares de memória; religião, literatura e herança africana em perspectiva comparada.

São muitos os diálogos entre a história da escravidão e as formas peculiares de racismo no Brasil e em Cuba. Para nossa boa surpresa, a pesquisa sobre a história do tráfico ilegal no século XIX, que tem se desenvolvido no Brasil quebrando um silêncio clássico da nossa historiografia, é tema prioritário do grupo de pesquisa da universidade cubana, coordenado pela historiadora Maria del Carmem Barcia.

Também com evidente paralelismo em relação à questão das ações afirmativas no campo cultural na sociedade brasileira, o projeto Rota do Escravo em Cuba se apresentou como instrumento para promover ações no campo da pesquisa histórica e do ensino sobre a escravidão e o tráfico negreiro, valorizando as culturas vivas de matriz africana. Apesar do discurso oficial, que persiste, de afirmação de uma cubanidade revolucionária que nega a existência de racismo, a presença dos movimentos negros no simpósio e a discussão aberta do tema nos pareceram sinais de novos tempos.

Como participantes do colóquio, fomos levadas a visitar o Pueblo de Regla, sede de importantes irmandades e organizações religiosas negras, que fica do outro lado da baía de Havana, em frente ao porto. Ali, tomamos contato com a Nossa Senhora de Regra, Virgem Negra, com um menino Jesus mestiço em seu colo, objeto de intensa devoção da população local. A história da imagem é controversa, mas sua riqueza e possibilidades simbólicas quase dispensam comentários. Em Regla, pudemos visitar também um dos muitos museus de história local existente no país, com ênfase na identidade e história das associações religiosas de matriz africanas locais (além da história cívica da revolução cubana, é claro).

Em Havana, como qualquer visitante, andamos de bicicleta-taxi e ouvimos do jazz ao tecno-salsa, embaladas em alguns mojitos e daiquiris. Na Cidade Velha, patrimônio da humanidade, com grande parte magnificamente restaurada, fomos surpreendidas por uma multidão de turistas de todas as partes do mundo convivendo intensamente com a população local. Nesses 6 dias no país, nossa impressão de viagem foi de uma sociedade otimista com o futuro, buscando conciliar modernidade, mercado e orgulho revolucionário.

Apesar disso, o acesso a internet ainda é precário. Se começamos a escrever no aeroporto José Marti, postamos este blog já em casa, no Brasil.

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Mais um Treze de Maio?

Já faz algum tempo que o mês de maio nos mobiliza. O 13 de maio, dia da abolição legal da escravidão no Brasil, desde 1988 é celebrado como dia nacional de luta contra a discriminação racial no país. O sentido inacabado da reforma então empreendida não deve apagar, entretanto, seu profundo significado.

Resultado do primeiro grande movimento social do país e de intensa movimentação de desobediência civil por parte dos últimos escravizados, a magnitude da mobilização social que possibilitou a aprovação da chamada lei Áurea ficou registrada em foto histórica da multidão presente à missa campal de 17 de maio do fotógrafo Antônio Luis Ferreira. Reportagem do Portal Brasiliana Fotográfica, neste 17 de maio, identifica a presença de Machado de Assis no palanque oficial, o que é uma interessantíssima novidade. Porém, é a imponência da multidão que mais uma vez buscamos registrar aqui no blog. Foi a mobilização social e a fuga em massa dos escravizados que surpreenderam os conservadores e tornaram possível que a Lei fosse aprovada sem indenização aos senhores e com expectativas, depois frustradas, de alguma compensação aos escravizados.

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Nos cursos que ministramos, em seminários, entrevistas ou nas festas do quilombo de São José da Serra, sempre em data próxima ao 13 de maio, avaliar o legado da abolição com mais atenção e profundidade tem se tornado bastante comum. Entretanto, nesse último 13 de maio, tivemos a impressão que de que o reconhecimento do legado de sofrimento e racismo deixado pela violência do tráfico negreiro e da escravização para a população negra do país ganhou importância e visibilidade em diferentes veículos de comunicação.

A começar pala primeira página de O Globo do dia 13 de maio com uma matéria sobre Luis Pinto Jr do Quilombo do Sacopã que participou do projeto “Brasil: DNA África”, da produtora Cine Group. Para além de desmentir perspectivas biológicas de raça, que não possuem qualquer sentido científico, as pesquisas de DNA têm sido usadas para remontar o trajeto de grandes deslocamentos populacionais no espaço global, como o produzido pelo tráfico forcado de africanos escravizados. Por meio de exames feitos em um laboratório em Washington, Luis teve a origem de seus antepassados africanos identificada no território atual da Nigéria. Ao lado de outros escolhidos, participará de uma séria de documentários sobre o que os produtores definiram como o “resgate dos laços interrompidos pela escravidão”. Trata-se assim de discutir, de forma pública, o trauma e a violência da ruptura provocada pelo tráfico negreiro e pela escravização no Brasil.

Também chamou atenção o ótimo documentário produzido pela TV Brasil, com o título Ecos da Escravidão, para o programa Caminhos da Reportagem (TV Brasil, 54:31), apresentado pelos jornalistas Debora Brito e Carlos Molinari. Desenvolvido a partir do mote da criação da Comissão da Verdade Sobre a Escravidão Negra da OAB, o programa provou, como ressaltou Ana Flávia Magalhães Pinto, uma das historiadoras entrevistadas, “que um bom diálogo entre jornalistas, acadêmicos e ativistas é possível”. Alvíssaras! Com a participação de inúmeros historiadores, contou também com entrevistas importantes com militantes e lideranças quilombolas, como Toninho do Quilombo de São José, buscando registrar a escravidão e seu legado, do tráfico de escravizados até as ações de reparação nos dias de hoje.

Da mesma forma, ocorreram vários debates na UFF sobre os limites da liberdade e a continuidade do racismo, com destaque para a participação na campanha #AhBrancoDaUmTempo. As polêmicas daí resultantes são boa medida da urgência da discussão. Os alunos da História, do Coletivo Negro na Escola, organizaram belo evento no nosso prédio, na escola pública Guilherme Briggs e no Colégio Estadual Raul Vidal, com a Participação dos Professores Elaine Monteiro e Jonis Freire.

Com a Fogueira da Festa de 16 de maio no Quilombo São José, finalmente de posse do título de seu território, celebramos mais um 13 de maio. Dia dos Pretos Velhos e da Abolição Legal da Escravidão no Brasil.

fogueira quilombo 16 de maio 2015

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