Em meio a todos os ataques à liberdade de ensino, promovidos pelos defensores do movimento “Escola Sem Partido”, uma pergunta está no ar: por onde anda a Base Nacional Curricular Comum (BNCC)?
Se a primeira versão da BNCC, com razão, gerou polêmicas e debates acalorados, a segunda, apresentada pelo MEC, no dia 3 de maio, ainda na gestão de Dilma Rousseff, acabou ficando um pouco esquecida, ao menos em nossas listas de discussão. Provavelmente em função da união de todos educadores contra um inimigo comum e que cresce rapidamente nesses últimos tempos, a chamada “Escola Sem Partido”.
Para os interessados, a BNCC continua caminhando, mesmo que um pouco atrasada, no percurso previsto. Depois de entregue a segunda versão, em maio de 2016, o documento começa a ser discutido em seminários estaduais, com professores, secretários e dirigentes municipais, pelo que pode ser visto no site Movimento Pela Base. De acordo com o calendário apresentado para as reuniões, devem estar ocorrendo nessa semana, até o final de julho, reuniões na Bahia, Paraíba, Distrito Federal, Pernambuco, Sergipe, São Paulo, Ceará e no Rio de Janeiro!! Alguém está sabendo? Até agora, para além de muitas fotos, não consegui ter notícias dos resultados das reuniões que já aconteceram, muito menos avaliar o quanto os seminários regionais poderão intervir nos conteúdos e sentidos do texto final. No Rio de Janeiro, pelo que consegui descobrir, irá acontecer entre os dias 27 e 28 de julho, na Universidade Castelo Branco, centro.
Terminada essa fase, prevista para agosto, todas as contribuições serão sistematizadas pelo Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) e pela União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) para, finalmente, ser enviado ao MEC e aprovado, ou não, no Conselho Nacional de Educação. Pelo site Movimento Pela Base podemos acompanhar, ao menos em termos gerais, o movimento destas reuniões e os próximos passos.
Todo esse planejamento dos encontros estaduais, pelo que informa o site do Movimento, parece ter sido organizado, entre 20 e 21 de junho último, num seminário em Brasília, sob a coordenação de Hilda Micarello, coordenadora da equipe de redação da BNCC, desde a primeira versão do documento, ainda em 2015. Ao lado de Hilda Micarello, teriam participado Delaine Bicalho (Língua Portuguesa), Katia Smole (Matemática), Ghisleine Trigo (Ciências da Natureza), Gabriela Pellegrino (História) e Natacha Costa (Desenvolvimento integral). Na mesa dedicada às etapas, participaram Beatriz Ferraz (Educação Infantil), Anna Helena Altenfelder (Ensino Fundamental) e Ricardo Cardozo (Ensino Médio).
Os problemas de uma base nacional curricular comum são inúmeros, como muitos já apontaram, desde a primeira versão. Além da perigosa uniformização dos conteúdos e a ameaça à autonomia dos professores, o controle sobre o material didático e sobre os sistemas de avaliação por grupos privados poderosos precisam ser considerados – e combatidos. Esta segunda versão, por sua vez, também está longe de ser unanimidade e prometo voltar ao assunto em outra oportunidade.
No momento, minha proposta é tentar encontrar, ao menos como estratégia, algo interessante e positivo em todo esse esforço da BNCC, já explicitado na primeira versão: por um lado, a garantia de conteúdos mínimos que defendam a diversidade racial, social, regional e de gênero no ensino da História do Brasil; por outro, e complementarmente, a realização, em todos as dimensões, de uma história realmente plural. A segunda versão, ainda que com muitos problemas, consegue, na minha avaliação, manter estes valores.
Não será importante defendermos conjuntamente essas premissas? Quem sabe a BNCC poderá se tornar um bom lugar – ou uma boa bandeira – para lutarmos por um conteúdo de História dentro da tradição humanística e democrática que defendemos?
Vale ainda considerar que a PL867/2015, que busca incluir o Programa da Escola sem Partido entre as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, não consegue encaminhar ou propor conteúdos mínimos. Sua pretensão é limitar e constranger a liberdade da prática docente, a liberdade do professor de educar numa perspectiva crítica e de valorização das diferenças. O único momento em que a PL 867/2015 se refere a conteúdos é, como sempre, para tolher alguma ação do professor. No caso, para vedar os conteúdos que “veiculariam”, na sua versão, “doutrinação ideológica e política em conflito com as convicções religiosas ou morais dos pais ou responsáveis pelos estudantes”.
Ora, haveria algum conteúdo de História imune a esses “perigos”? Pensar criticamente sobre a produção de fatos e versões – o que eles chamam de “doutrinação política e ideológica” – são os instrumentos máximos de nossa profissão. Alguém conhece algum conteúdo que possa ser trabalhado sem essa perspectiva crítica? (Os mais velhos devem lembrar o que conseguíamos fazer com os conteúdos obrigatórios do ensino de Moral e Cívica e OSPB dos anos 1970!).
Bem, mas mesmo sem conseguirem propor conteúdos formais para o ensino de História, é bom lembrar que os defensores da Escola Sem Partido estão de olho na BNCC – e podem estar atuando nos seminários regionais. Foi bastante divulgado o quanto seus representantes buscaram relações próximas com o Ministro da Educação, Mendonça Filho, tentando paralisar os trabalhos da BNCC, acusada de ser “excessivamente ideológica”. Há deputados que defendem levar sua discussão e aprovação para o Congresso Nacional – ferindo completamente o que está estabelecido pelo Plano Nacional de Educação (PNE – Lei 13.005/2014), que garante a aprovação final ao Conselho Nacional de Educação.
Sem dúvida, está difícil avaliar o futuro da BNCC. Mas vou continuar preferindo torcer por ela. E se conseguirmos manter, ao menos em termos gerais, os princípios apresentados na primeira versão, vamos ter o que comemorar, se a BNCC for aprovada.