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O Arco do Retorno

Uma importante notícia da última semana foi a inauguração, na ONU, em Nova York, na quarta feira, 25 de março, de um monumento em Memória das Vítimas da Escravidão e do Comércio Transatlântico de Escravos. O monumento, nomeado como “Arco do Retorno”, foi realizado pelo arquiteto e designer Rodney Leon. Vale conferir o filme disponibilizado no site da ONU em que ele explica (em inglês) o design desenvolvido. 

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O monumento celebra o reconhecimento pelas Nações Unidas da escravidão atlântica como crime contra a humanidade. Em mensagem para a inauguração, Ban Ki-moon, Secretário Geral da ONU, considerou que o Arco do Retorno irá “ajudar a curar feridas, a lembrar o passado e a honrar a memória das vítimas”.

Na mesma Nova York, no sábado, 28 de março, O New York Times comemorou os 150 anos da rendição do General Confederado Robert Lee, que marcou o fim da chamada Guerra de Secessão nos Estados Unidos, com um memorável artigo de Eric Foner, historiador da Columbia University. Recomendamos a leitura do texto, ainda que em inglês. A derrota da política de Reconstrução nos Estados Unidos, em 1877, foi uma tragédia para a democracia estadunidense que influenciou a questão racial em todo mundo ao longo do século XX. Conhecer a disputa de versões historiográficas sobre os seus significados também nos ajudar a pensar sobre a contemporaneidade do tema da escravidão atlântica, celebrada no monumento da ONU.

No Brasil, as discussões (em português) sobre escravidão e pós-abolição também têm presença importante. Na retomada do julgamento no Supremo Tribunal Federal da ação de constitucionalidade sobre o Decreto 4887/03,  que estabelece os procedimentos para titulação das terras quilombolas, de acordo com o artigo 68 do ADCT, retomada no mesmo dia 25 da inauguração do monumento na ONU, a Ministra Rosa Weber votou pela constitucionalidade.  Segundo ela: “A eleição do critério de autoatribuição não é arbitrária, tampouco desfundamentada ou viciada. Além de consistir em método autorizado pela antropologia contemporânea, estampa uma opção de política pública legitimada pela Carta da República, na medida em que visa a interrupção do processo de negação sistemática da própria identidade aos grupos marginalizados”.  O parecer pode ser consultado na íntegra. Porém o Ministro Dias Toffoli pediu vista do processo e não há previsão de retomada do julgamento. Fiquemos atentos

Sobre escravidão e pós-abolição, destacamos também a aproximação do grande Encontro Nacional da Associação  de História (ANPUH), a ser realizado em Florianópolis, entre 27 a 31 julho de 2015. O Grupo de Trabalho Nacional Emancipações e Pós-abolição, do qual fazemos parte, convida pesquisadoras e pesquisadores interessados em discutir temas como escravidão, liberdade, raça, trabalho, pós-abolição, memórias da escravidão, ensino de história e reeducação das relações étnico-raciais, a inscreverem seus trabalhos em um dos três simpósios temáticos que organiza:

Simpósio 108 – Outras paisagens do cativeiro e da liberdade: abolição, abolicionismo e pós-emancipação 
Coordenadores: Flávio dos Santos Gomes (UFRJ) e Maria Helena Machado (USP)
Espaço voltado para o debate teórico e metodológico sobre os estudos da escravidão, Abolição e pós-emancipação nas Américas.

Simpósio 112 – Pós-abolição, identidades e culturas

Coordenadores: Edinelia Oliveira Souza (UNEB) e Rodrigo de Azevedo Weimer (UNISINOS)
Espaço voltado aos estudos históricos situados em período posterior à Abolição da escravidão, com destaque para as relações entre pós-abolição e memória da escravidão.
O trabalho de coordenação do ST será dividido com Álvaro Nascimento (UFRRJ), Martha Abreu (UFF) e Hebe Mattos (UFF), que participarão como comentadores das sessões pelo sistema de “coordenações compartilhadas”.

Simpósio 114 – Reeducação das relações étnico-raciais e ensino de história: diálogos possíveis, relações necessárias
Coordenadores: Maria Aparecida Lima (UFF) e Lourival dos Santos (UFMS). Espaço voltado para discussões sobre educação étnico-racial e indígena no ensino de história. O trabalho de coordenação do ST será dividido com Warley da Costa (UFRJ), Giovana Xavier (UFRJ), Amílcar Pereira (UFRJ) e Mônica Lima (UFRJ), que participarão como comentadores das sessões pelo sistema de “coordenações compartilhadas”.

Fora do GT Emancipações e Pós-Abolição, mas também refletindo sobre a contemporaneidade dos estudos históricos sobre a escravidão, há ainda o Simpósio 005 – A Escravidão negra nas Américas: o antigo problema sob novas miradas, coordenado por Gabriel Aladren (USP) e Ynaê Lopes dos Santos (FGV).

As inscrições de trabalhos nos simpósios temáticos terminam nesta terça-feira, 31 de Março.

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Conversando com Eric Foner

Eric Foner é um dos mais importantes historiadores dos Estados Unidos. Sua releitura sobre a abolição e o pós-abolição no mundo atlântico influenciou  uma geração de novos historiadores nos Estados Unidos e no Brasil. Sua obra principal sobre o período após a guerra civil nos Estados Unidos, conhecido como Reconstrução (1865-1977), escrita durante os anos 80, revolucionou as abordagens sobre o período e não apenas no mundo acadêmico. Até a obra de Foner, a experiência política da Reconstrução ainda era vista como uma evidencia do despreparo dos libertos para a vida politica, e a escravidão muitas vezes considerada uma questão secundária para entender a guerra. Sua obra colocou a escravidão e os ex-escravos, respectivamente, como motivação e atores centrais de todo o processo, trazendo novamente à luz a primeira grande experiência dos libertos na luta por direitos políticos e civis, conforme pioneiramente propusera o historiador negro W.E.B. Du Bois, em 1935 .

Em mais de 400 páginas, “Reconstruction: America’s Unfinished Revolution” (1988) fez emergir um período pós guerra civil de crescente democratização e extraordinária riqueza política, cujo fim representara uma tragédia sem precedentes para a vida americana. A progressiva retirada dos direitos civis e políticos dos novos cidadãos, algumas décadas após os terem adquirido e exercido amplamente, culminaria com a institucionalização da segregação racial nos estados do Sul do país. De fato, sua pesquisa representou o golpe de morte em uma interpretação inacreditavelmente racista e elitista das disputas políticas do período – que havia transformado os integrantes da Ku Klux Klan em heróis, em luta contra o que era percebido como desmandos e corrupção de políticos negros ou oriundos do Norte apoiados no voto dos libertos. Até a vitória do movimento pelos direitos civis nos anos 60, essa leitura esteve fortemente presente nos livros didáticos e  no cinema – como nos célebres “The Birth of a Nation” (O Nascimento de uma Nação, 1915) e “Gone With the Wind” (E o Vento Levou, 1939), e ainda nos anos 80, resistia a desaparecer do senso comum.

Desde então, as pesquisas históricas sobre o período da Reconstrução se multiplicaram. Foner também se revelou incansável como historiador público sobre o tema. Foi curador de exposições, escreveu livros didáticos e refletiu, em livros e artigos, sobre o ofício do historiador em relação às questões políticas do presente e à memória pública (vale a pena conferir, especialmente, Who Owns History, 2002).

Foner acaba de publicar uma biografia de Lyncoln (The Fiery Tryal. Abrahan Lyncoln and American Slavery) – que ganhou o prêmio Pulitzer, e está terminando um livro sobre a Nova York pré-guerra civil. Ele nos recebeu em seu escritório na Columbia University na sexta feira, 28 de março, para uma entrevista combinada com Hebe, para ser publicada como texto no dossiê sobre Pós-Abolição no Mundo Atlântico da Revista Brasileira de História, previsto para 2015. O encontro terminou parcialmente registrado em video pelo ipad de Martha, que havia chegado na cidade naquele dia, para participar de um evento organizado pelo Center for Brazilian Studies e o Center for the Study of Ethnicity and Race da Columbia.

Disponibilizamos aqui os primeiros 5 minutos de seu depoimento, em que Foner aborda as primeiras influências na sua formação como historiador.  Os destaques ficam para o radicalismo de esquerda na Nova York dos anos 50, a que chama “the old left”,  do qual participaram seu pai e tio, ambos historiadores (Jack e Philip Foner), e para o movimento pelos direitos civis dos anos 60. Um breve diálogo do historiador com sua memória e as lutas políticas de seu próprio tempo. Vale a pena conferir. Em inglês, sem legendas, por enquanto.

 

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