Arquivo do autor:Hebe Mattos

Sobre Hebe Mattos

Hebe Mattos é Professora Titular Livre na Universidade Federal de Juiz de Fora e coordenadora do LABHOI/Áfricas na mesma universidade, em rede com o Laboratório de História Oral e Imagem da Universidade Federal Fluminense (LABHOI/UFF). É autora, entre outros livros, de Ao Sul da História (1987, 2009); Das Cores do Silêncio (1995, 1998, 2013) e Memórias do Cativeiro (com Ana Lugão Rios), 2005.

CARTA ABERTA AO JORNAL ESTADÃO por Suzette Bloch e Fernando Nicolazzi

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Divulgada segunda feira na página pessoal do historiador Fernando Nicolazzi no facebook, publicamos hoje, para registro e maior circulação, a CARTA ABERTA AO JORNAL ESTADÃO, EM RESPOSTA AO EDITORIAL DE 14 DE JUNHO DE 2016*, escrita pela neta de Marc Bloch.

Meu nome é Suzette Bloch. Sou jornalista e, além disso, neta e detentora dos direitos autorais do historiador e resistente Marc Bloch.

Eu li seu editorial do dia 14 de junho sobre o manifesto dos Historiadores pela democracia. Ele me deixou estupefata e indignada. Seu jornal utiliza o nome de meu avô para justificar um engajamento ideológico totalmente oposto ao que ele foi, um erudito que revolucionou a ciência histórica e um cidadão a tal ponto engajado na defesa das liberdades e da democracia que perdeu a vida, fuzilado pelos nazistas em 16 de junho de 1944.

O jornal recorre ao nome de Marc Bloch para responder aos historiadores brasileiros que se posicionaram contra o afastamento da presidenta Dilma Rousseff. “Pensamento único, historiadores muito bem posicionados na academia, a serviço de partidos, bajuladores do poder etc.”; seu editorial não argumenta, apenas denigre. Eis porque tiveram necessidade de se valer de uma obra de alcance universal e da vida irretocável do meu avô para tonar virtuoso seu apoio ao golpe de Estado.

Condeno toda instrumentalização política de Marc Bloch. Para além do homem público, ele é o avô que eu não conheci, mas que nos deixou como herança a memória de uma família para a qual a liberdade representa a essência de toda humanidade. Em todo lugar, a cada instante, no Brasil inclusive. Vocês omitiram aos seus leitores o fato de que o filho mais velho de Marc Bloch, meu tio Étienne, que libertou Paris junto com a 2ª. Divisão Blindada do General Leclerc, foi o presidente do comitê de solidariedade França-Brasil nos anos 1970. Este comitê auxiliou as vítimas do regime civil-militar iniciado com o golpe de 1964 e manteve-se na luta pelo retorno da democracia brasileira. Poderiam ainda ter explicado aos seus leitores que a neta de Marc Bloch se casou com um brasileiro, Hamilton Lopes dos Santos, refugiado político do Brasil e depois do Chile, tendo chegado na França em 1973 em razão do golpe de Pinochet. Poderiam, enfim, ter anunciado que dois dos bisnetos de Marc Bloch, Iara e Marc-Louis, são franco-brasileiros.

Conseguem imaginar a reação de meu avô diante do espetáculo dos deputados que votaram pelo afastamento de Dilma Rousseff em nome de suas esposas, de seus filhos, de Deus ou de um torturador? Imaginem ainda sua reação diante de um presidente interino que formou um governo exclusivamente de homens e cuja primeira medida foi suprimir o Ministério da Cultura e o Ministério das Mulheres, Igualdade Racial, Juventude e Direitos Humanos, suspendendo e reduzindo diversos programas sociais, como o Minha casa, minha vida. Ministros empossados são investigados por corrupção e alguns foram exonerados após a divulgação de conversas nas quais admitiam que o afastamento de Dilma não tinha senão um objetivo: parar as investigações contra a corrupção. Imaginem a reação de meu avô!

O presidente francês, François Hollande, foi eleito com 51,9% dos votos em 2012 e sua popularidade não passava de 16% em maio. No entanto, seus adversários políticos sequer sonharam em contestar sua legitimidade conquistada nas urnas, apenas estão se preparando para as próximas eleições, como em toda democracia digna deste nome. Não pode haver democracia sem o respeito às eleições. Contudo, um grande jornal como este aplaude o confisco do voto popular.

Mas deixo a palavra ao historiador Fernando Nicolazzi, integrante do grupo de Historiadores pela democracia, para quem solicitei escrever este direito de resposta com outras vozes.

O convite feito por Suzette Bloch para juntar minhas palavras às suas, no ato solidário e indispensável de combater a impostura de um jornal comprometido, em cada linha de seus editoriais, com a defesa de um golpe de Estado em curso, não poderia ser recusado. Este mesmo jornal, que há alguns meses disse um “basta!” à democracia, ecoando o gesto autoritário cometido pelo Correio da Manhã em 1964, agora direciona seus impropérios ao grupo de historiadores e historiadoras que atuam em defesa dos princípios democráticos de nossa sociedade. Faço parte deste grupo e estive na audiência realizada com a presidenta eleita Dilma Rousseff no último dia 7 de junho.

O editorial de 14 de junho, que pretende definir o “lugar de Dilma na história”, faz menção a palavras escritas por Marc Bloch, desvinculando-as irresponsavelmente daquele que as escreveu. Nesse sentido, instrumentaliza politicamente o nome do historiador francês, autor de uma apologia da história elaborada no momento mesmo em que atuava na resistência contra o fascismo e em defesa das liberdades democráticas. Suzette Bloch, em justificável indignação, já apontou acima o desrespeito ético e a desonestidade intelectual que caracterizam este texto. Quanto a isso não cabem aqui outras palavras.

Porém, é preciso fazer frente também à outra dimensão contida naquele editorial: sua falaciosa representação dos historiadores e historiadoras que assinaram o manifesto, definidos ali como intelectuais “a serviço de partidos políticos”, comprometidos com a elaboração de um “pensamento único”, “bajuladores do poder”. O editorial traz ainda as marcas da sua baixeza moral ao sugerir, sem qualquer respaldo aceitável, que muitos dos participantes do encontro com a presidenta a “detestam”. Nada mais desonesto, nada mais mentiroso! Mas também nada mais compreensível!

Afinal, não é difícil compreender que, para setores da sociedade comprometidos com a manutenção da exclusão em suas diferentes formas, a defesa da democracia e da inclusão social cause incômodo e provoque atitudes como esta que, faltando com a verdade, apenas encontra amparo na ofensa e na intolerância. Além disso, é fácil compreender que essa seja a única forma de linguagem política assumida pelo jornal, que já definiu os opositores ao golpe de “matilha de petistas e agregados”: a propagação do seu ódio na busca de cumplicidade, como se ele fosse compartilhado por todas as pessoas. Basta acompanhar as inúmeras e diversas intervenções dos Historiadores pela democracia para constatar quão caluniador e distante dos fatos é o editorial.

O golpe parlamentar, jurídico e midiático em curso ataca direitos sociais, políticos e civis que são fundamentais para a existência da democracia. Tais direito foram conquistas feitas pela sociedade e não simples concessões governamentais. Lutar contra este golpe não significa defender um governo ou um partido político, mas sim defender a vigência de princípios básicos de cidadania, considerando que a justiça social deve ser um valor preponderante em nossa sociedade. Foram estas razões que me fazem participar do grupo, além da convicção íntima, enquanto historiador e enquanto cidadão, de que posicionar-se pela democracia se coloca hoje como um imperativo incontornável na nossa vida pública.

Em um texto que pretende dizer o que deve ser o exercício da historiografia, lemos apenas o uso inconsequente da história e a utilização deturpada da obra de um historiador que soube como poucos escrever sobre o próprio métier. Apesar da indignação causada, o editorial cumpriu seu papel esperado, sem nenhuma surpresa. E ao menos algo positivo ficará dessa situação: não será preciso aguardar historiadores futuros para colocar o Estadão em seu devido lugar na história, ou seja, ao lado dos golpistas do passado, os mesmos que em 2 de abril de 1964 comemoraram a vitória do “movimento democrático” que hoje conhecemos como ditadura civil-militar e que, além de vitimar milhares de pessoas, ampliou a desigualdade social no Brasil. Seus editorialistas continuam realizando com esmero essa função no presente.

*O texto foi enviado para o portal Estadão, como resposta ao editorial publicado em 14/06/2016. Não houve resposta por parte dos editores.

 

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O ofício do historiador e os formadores de quadrilha/ por Silvia Hunold Lara/ Historiadora, pela democracia

Nos últimos meses, um grupo de historiadores decidiu se manifestar publicamente em defesa da democracia. Fazendo uso de meios de comunicação alternativos, criou nas redes sociais o grupo Historiadores pela Democracia, produziu vídeos e textos, além de um manifesto em defesa do governo legítimo que está sendo deposto por meio de um golpe. Há ali gente de tendências diversas, tanto do ponto de vista político como profissional. O que os une é a certeza de que o Legislativo e o Judiciário, com apoio dos grandes meios de comunicação, associaram-se para afastar do poder a presidente democraticamente eleita que, apesar da crise e de vários erros (incluindo relações ambíguas com corruptos), vinha se mantendo na defesa de direitos básicos estabelecidos na Constituição.

Em 7 de junho, uma parte desse grupo foi ao Alvorada, prestar sua solidariedade a Dilma Rousseff, afastada da presidência sob a alegação de ter cometido “crimes de responsabilidade” que, aliás, também foram praticados por seus antecessores e por vários governadores e prefeitos. O Legislativo fez uso de mecanismos constitucionais e o Judiciário estabeleceu o ritual do processo. A aparente legalidade não esconde, entretanto, o golpe articulado por forças retrógradas que se instalaram no poder e esforçam-se por dar uma guinada ultra liberal na economia, diminuir conquistas dos trabalhadores, limitar políticas sociais e restringir direitos humanos.

Os historiadores não foram os primeiros nem os únicos profissionais a se manifestar, nem a denunciar o golpe em curso. Mas chamaram a atenção de dois dos principais jornais do sudeste brasileiro: um publicou um editorial agressivo contestando a qualidade profissional dos participantes do grupo (“O lugar de Dilma na história”. O Estado de São Paulo, 14/06/16), e o outro um artigo, assinado por um de seus articulistas habituais, criminalizando o movimento (Demétrio Magnoli, “Formação de Quadrilha”. Folha de São Paulo, 25/06/16).

Ambos têm uma ideia bem tacanha do que seja o ofício do historiador. O primeiro afirma que o papel da história é “o de reconstituir o passado para entender o que somos no presente”. O segundo diz que “o historiador indaga o passado, formulando hipóteses que orientam a investigação e reconstrução da trama dos eventos”. Pois aí está o problema: o papel do historiador nunca foi o de “reconstituir” o passado. Analisando os documentos produzidos pelos diversos sujeitos que participam de um acontecimento ou fazem parte da sociedade, nós interpretamos o passado, procurando explicá-lo. Essa explicação nunca é unívoca, posto que deve compreender as diversas forças que produziram os “fatos”. Nem tampouco é singular: a história – como aprendem os alunos desde o primeiro ano do curso – não se escreve com verbos regulares e, geralmente, usa o plural. Isso acontece com o passado histórico que, pela sua própria natureza, como o presente, é prenhe de tensões e vozes dissonantes. O mesmo se dá com o trabalho dos historiadores, que só se realiza no diálogo com interpretações e explicações diversas. Ao supor a unicidade da história e dos profissionais que denunciam o golpe, os dois jornalistas produzem um efeito de verdade muito útil para a defesa de suas posições.

O Estado de São Paulo acusa os Historiadores pela Democracia de serem “intelectuais a serviço de partidos que se dizem revolucionários”, registrando que todos aqueles profissionais estão a serviço do “lulopetismo”. O articulista daFolha de São Paulo os coloca como militantes de um Partido totalitário. O primeiro recorre a um neologismo depreciativo. Ele faz par com outros, mais recentes, como “esquerdopata”, “petralha”, “feminazi”. São substantivos coletivos que servem claramente para desqualificar todos os que não pensam como o emissor do discurso. O uso varia conforme a ênfase que se queira dar: contra uma opção político-partidária, contra os que defendem princípios democráticos e/ou libertários ou os direitos das mulheres e de outras minorias. Como se em cada um desses registros só coubesse uma forma única de ser e de pensar. O tratamento coletivo e pejorativo serve, assim, a uma visão incapaz de abarcar a pluralidade. O mesmo acontece quando se tenta explicar que a atitude desses historiadores estaria sendo conduzida por um Partido, com “P” maiúsculo. Tal fantasmagoria só revela a completa ignorância do colunista em relação à diversidade de posições desses profissionais da área de História – alguns dos mais competentes e destacados, no Brasil e no exterior.

Além de associar dessemelhantes, o colunista da Folha acusa os Historiadores pela Democracia de possuírem “alinhamento ideológico” próximo ao “alinhamento corporativo” dos juízes do Paraná que tiveram seus salários divulgados em uma reportagem. Como se trata de um atentado contra a liberdade de imprensa, ele analisa contradições entre a pretendida defesa dos valores democráticos por associações de magistrados e o assédio judicial cometido contra os jornalistas. Aqui, o golpe e o “sequestro do sistema de justiça” podem ser denunciados. Estranhamente, o articulista não associa os historiadores aos jornalistas, mas sim aos juízes, invertendo completamente a lógica mais elementar. São os juízes que estão recorrendo a estratagemas e brechas do sistema legal para cassar, na prática (como diz o próprio Magnoli) os direitos dos jornalistas. Se pode admitir isso nesse caso, por que não consegue concordar com aqueles que denunciam que, “na prática”, o que se assiste é à produção lenta e gradual de um golpe contra a democracia? Ao preferir xingar, acusar e desqualificar, juntando desiguais sob o signo de comportamentos deploráveis, o colunista se aproxima – ele sim – mais dos juízes que de seus colegas jornalistas.

O que, na manifestação dos Historiadores pela Democracia teria incomodado tanto os autores desses dois textos e seus patrões? A pista está nos títulos. O lugar que todos nós ocupamos na história não está nas mãos dos historiadores, nem terão esses profissionais uma só verdade sobre ela, como já expliquei. Como são partidários de uma história unívoca e “verdadeira”, temem que a narrativa histórica não lhes faça “justiça”. Historiadores do presente e do futuro certamente lerão os documentos produzidos ao longo desse processo e poderão mostrar, com base neles, as forças atuantes, seus protagonistas, os vencedores e vencidos, e aqueles que ficaram em cima do muro. Todos nós temos um lugar – e aqueles que lutaram pela pluralidade e pela diversidade poderão estar juntos, mesmo sendo diferentes. O nome disso é democracia.

Os que usam malabarismos retóricos para criminalizar os que não pensam como eles estão fora deste campo. Ao imaginar uma quadrilha, usar neologismos pejorativos e maiúsculas generalistas, imputam ao outro unicidades que buscam apenas intimidar. Certamente exageros e figuras de linguagem fazem parte da disputa de ideias e argumentos. Mas nesses textos há mais que isso. A história tem exemplos dolorosos desse tipo de comportamento – basta lembrar textos e atitudes de alguns jornalistas, militantes e intelectuais da Alemanha ou da Itália nos anos 1930. O nome disso é fascismo.

(o post Contradança: réplicas às críticas ao movimento historiadores pela democracia foi atualizado com respostas às novas críticas ao movimento; clique na imagem para ver o vídeo manifesto)

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A força do passado e os editorialistas do Estadão

A internet e as redes sociais, com destaque para o facebook, tornaram-se um poderoso espaço de formação de opinião no Brasil. As chamadas “memórias” do face me fizeram revisitar um publicação minha de 19 de junho de 2013, sobre o “Anonymous Brasil”, “perfil” extremamente ativo durante as chamadas jornadas de junho de 2013.

“Os post do Anonymous Brasil são simplesmente um horror. …Por que o anonimato? Por que o chamado de tom moral com a palavra de ordem fascista “sem bandeiras partidárias” e “sem ideologia”? Mas, principalmente, por que tantos que não concordam com essa pauta (política e partidária, obviamente) compartilham seus conteúdos? 

Em 2 de julho daquele ano, quando a Copa das Confederações finalmente terminava, eu refletia:

Fim da Copa das Confederações. A democracia passou no teste. Ufa!  … A chamada crise da representação existe em diversos níveis e é em alguma medida mundial. Quero, entretanto, manifestar meu incômodo, com uma certa cultura política de fundo autoritário, que tem predominado nas redes sociais, tanto à esquerda, quanto à direita. Ela apresenta o adversário político, em geral bem eleito, muitas vezes em pleito majoritário, como um ser amoral, oportunista, muitas vezes simplesmente perverso (seus eleitores também o são ou então são ignorantes e manipulados). A tentação autoritária desse tipo de discurso é evidente, mas felizmente, com algumas exceções assustadoras, parece reduzida à dimensão retórica, para ser lida apenas por aqueles que já concordavam antes com quem escreve. Felizmente, ao fim das contas, a polifonia das ruas ficou bem estabelecida. … O fisiologismo foi para o corner. A crise de crescimento nas grandes cidades está no centro dos debates. Vamos ver se haverá reforma política. ..

Não tivemos reforma política, o fisiologismo saiu do corner e a democracia e a constituição de 1988 estão sob ataque. As tentações autoritárias venceram?

Textos publicados neste blog analisando a escalada fascistizante e reacionária que, desde então, se desenvolveu no país, atingindo inclusive os veículos tradicionais da chamada grande imprensa, estão na origem do movimento historiadores pela democracia. Esses textos e outros exercícios de história imediata estão sendo reunidos no tumblr do grupo, sob o título A Força do Passado.  A ideia é tomá-los como base para organizar um livro coletânea de mesmo título. No tumblr, o objetivo é conseguir reunir o conjunto mais amplo possível de reflexões de historiadores sobre a atual crise política brasileira, que se somam aos vídeos de depoimentos, ao vídeo manifesto e  ao registro completo do encontro de mais de 40 historiadores com a Presidenta afastada, na tarde do dia 7 de junho de 2016.

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O evento no Palácio da Alvorada foi precedido de um debate na Universidade de Brasília. Uma edição desse debate, com cerca de 7 minutos, acaba de ser concluída, destacando a preocupação dos presentes com a manutenção dos direitos garantidos pela constituição de 1988. Foi essa preocupação que orientou a iniciativa de organizar os debates “Historiadores Pela Democracia: Por um Brasil com Direitos”, ocorridos em todo o país, nos dias 16 e 17 de junho.

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No Rio de Janeiro, o painel “O Movimento Escola Sem Partido e o Direito à Diversidade Cultural”, na Casa de Rui Barbosa, com Ivana Lima, Hebe Mattos, Fernando Penna, Mônica Lima, Francisco Carlos Teixeira da Silva, Henrique Estrada, Ildeu de Castro Moreira, e mediado por Ângela de Castro Gomes, foi transmitido ao vivo e reuniu mais de 300 pessoas. O vídeo com a edição do debate da UNB foi apresentado no evento. O registro integral estará brevemente disponível no canal da instituição no youtube.

Toda essa movimentação reunindo alguns dos mais importantes historiadores do Brasil e do exterior, englobando uma enorme diversidade de escolas historiográficas e orientações teóricas, não mereceu sequer uma linha nos chamados grandes jornais brasileiros. Esta tem sido a regra predominante para quase todo o alentado movimento da sociedade civil de resistência ao governo interino e à forma como chegou ao poder.

Apesar disso, o movimento historiadores pela democracia tornou-se alvo de um editorial raivoso de “O Estado de São Paulo”, que acusava os historiadores em visita ao Palácio da Alvorada de “estar a serviço de partidos” e de desprezar aquilo que tinham ido homenagear: o estado democrático de direito e a Presidenta  legítima, eleita por 54 milhões de votos, Dilma Rousseff. No ataque desferido, o texto do editorial reduz os intelectuais que participaram do movimento ao anonimato,  enquadrando-os, como “lulopetistas”, no discurso de ódio que tenta legitimar o impedimento da Presidenta. A pluralidade de orientações teóricas e políticas dos historiadores que se engajaram no movimento, sua relevância intelectual nos diversos campos de atuação em que se inserem, a defesa comum dos sentidos republicanos e democráticos da ordem política brasileira, bem como a preocupação com o crescimento da intolerância e do discurso de ódio no país, essenciais ao vídeo manifesto veiculado, foram simplesmente ignorados.

Vivemos tempos sombrios. Intelectuais transformados em “não notícia” por decisão editorial podem tornar-se alvo de editoriais que não citam seus nomes. Um texto sem assinatura, representando uma entidade corporativa, O Jornal O Estado de São Paulo, desfere ataque absolutamente maniqueísta contra supostos “lulopetistas” igualmente anônimos. Os autores desconhecidos do editorial escolheram o texto coletivo do manifesto como base da crítica,  fingindo ignorar o vídeo síntese que lhe deu origem, construído como narrativa polifônica a partir de mais de 80 depoimentos, onde as autorias individuais estão bem evidenciadas. Citam, retiradas do contexto, como exemplo de “má fé” ou de “lulopetismo”, frases de Sidney Chalhoub, da Universidade de Harvard, de Martha Abreu, da UFF e de Iris Kantor, da USP, sem qualquer referência.

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O ataque fascista à UNB ocorrido na semana passada e o editorial do Estadão contra o movimento historiadores pela democracia são faces de uma mesma e assustadora moeda. Como bem disse a Presidenta Dilma, ultrapassaram a fronteira do Estado de Exceção. Repito, aqui, frase de Heloisa Starling, destacada no vídeo manifesto: Nós vamos mesmo abrir mão dos princípios das sociedades republicanas, princípios baseados na liberdade e na igualdade? 

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Para concluir, convido todos a assistir, já com legendas em inglês, uma pequena edição das falas públicas no encontro dos historiadores pela democracia com a Presidenta Dilma Rousseff, no Palácio da Alvorada (9 minutos). Foi um momento emocionante. Um dia para ficar na história.

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Lançamento do vídeo: historiadores pela democracia

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A tela acima dá acesso ao vídeo historiadores pela democracia, de 7 minutos, que lançamos em primeira mão aqui no Blog.  Ele será exibido amanhã, às 10 horas, na jornada Historiadores pela Democracia, no Auditório da Biblioteca Central da UNB.

A ANPUH Nacional estará representada no encontro pela Professora Tânia Bessone, conforme nota publicada hoje pela entidade.

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(clique na imagem para ler a nota)

O vídeo editado pode ser visto também no tumblr Historiadores Pela Democracia. Ficará ali arquivado de forma permanente, junto a todos os depoimentos individuais produzidos pelo nosso movimento.

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(clique na imagem para acessar o tumblr)

No ato da UNB será redigido um manifesto de historiadores em defesa do estado democrático de direito a ser entregue à Presidenta Dilma Rousseff, na parte da tarde, em audiência no Palácio da Alvorada.

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Os historiadores e a Presidenta (Carta Aberta à Dilma Rousseff)

Rio de Janeiro, 06 de maio de 2016

Querida Presidenta Dilma Rousseff,

Permita-me, por favor, chamá-la de querida. Eu tomo tal liberdade como cidadã indignada com o comportamento misógino de ampla maioria dos deputados da câmara baixa desse país, durante a vergonhosa votação da admissibilidade (sem qualquer base legal) do processo de seu impedimento do cargo de Presidente da República. Neste momento difícil, em que poucos ainda acreditam no espírito democrático da maioria dos senadores, escrevo-lhe, também, como historiadora profissional. Pesquisadora e professora de História do Brasil há mais de 30 anos, a partir da difícil vivência da atual crise política, venho renovando algumas das minhas antigas perguntas sobre o passado brasileiro. A angústia que experimento hoje, ao ver a democracia no Brasil mais uma vez ameaçada, me levou, sobretudo, a reavaliar a força da cultura do privilégio, de fundo patriarcal e escravocrata, no tempo presente da política brasileira.

Depois do dia 17 de abril, de triste memória, a direção da Associação Nacional de História fez uma nota oficial de repúdio à votação da admissibilidade do impeachment, lançando a palavra de ordem, “ditatura e tortura nunca mais“. Desde então, milhares de pesquisadores, no Brasil e no exterior, assinaram manifestos em defesa da democracia e do seu mandato. Apesar da divisão existente em toda a sociedade, com certeza a maior parte da comunidade dos historiadores e de cientistas sociais preocupados com a história percebe o impeachment em curso como uma tentativa de golpe de estado institucional. Muitos têm se manifestado, incansavelmente, em suas páginas nas redes sociais. Tania Bessone sugeriu que o 17 de abril fique instituído como dia da infâmia e data inicial do golpe. Nesta sexta feira triste, em que a Comissão Especial do Senado ratificou o espetáculo de horrores da câmara, achei, por bem, registrar em carta aberta, alguns argumentos históricos que têm sido publicamente enfatizados, em defesa da democracia .

Em primeiro lugar, há o forte argumento de que já estaríamos vivendo um estado de exceção, em que a cultura do ódio disseminada pelos meios de comunicação ocuparia papel central. A premissa é defendida por alguns cientistas sociais. Segundo o pesquisador Laymert Garcia dos Santos:

“Esse tipo de análise foi feito nos anos 20-30, com relação ao modo como foi desestabilizada a República de Weimar, na Alemanha, com a ascensão do nazismo. E foi durante a República de Weimar que a gente viu a implosão das instituições e uma desestabilização que deu, como resultado, o triunfo do enunciado “Viva a morte!” e a “Solução Final” do problema judeu. Uma das características importantes dessa implosão das instituições, nos anos 20-30, na Alemanha, é o modo como os juízes violavam a lei e a Constituição, e é ao que estamos assistindo aqui.”

Sem utilizar o conceito de estado de exceção, também eu, desde 2013, venho preocupada com a semelhança do que estamos vivendo no Brasil com o processo histórico de desqualificação dos governos formados por políticos abolicionistas e libertos, no Sul dos Estados Unidos, depois da guerra civil que aboliu a escravidão naquele país.

Nos Estados Unidos, o período conhecido como “Reconstrução Radical” (1865-1877) foi pioneiro em reconhecer direitos civis e políticos aos ex-escravos tornados livres com a guerra. No entanto, estes direitos retrocederam, devido à eficácia de um discurso construído a partir da manipulação seletiva de uma série de casos de corrupção, segundo o qual toda a ação política dos libertos e o idealismo dos radicais republicanos seriam uma simples fachada para a ação criminosa de um grupo de aventureiros corruptos, que enganavam ex-escravos desinformados. A predominância dessa narrativa resultou na hegemonia da Ku Klux Klan e em leis de segregação racial que durariam até a segunda metade do século XX.

Absolutamente trágicos como fenômenos sociais, os fantasmas do nazismo e da ku klux klan assombram o cotidiano da política brasileira.

O golpe em curso é também reação a mais de uma década de políticas sociais inclusivas. Neste sentido, são comuns, entre os historiadores, as analogias com o golpe de 1964 e outros ocorridos na América Latina da segunda metade do século 20. Como o historiador Rodrigo Patto Sá Motta, especialista no período, estamos, todos, infelizmente, surpresos de ver o Brasil, de novo, a beira do abismo. Mais que simples comparação, procedimento que em história nunca funciona muito bem, tais analogias oferecem uma base empírica para ajudar a pensar e a tentar entender o que está acontecendo hoje. Reproduzo aqui uma postagem recente em sua página pública no facebook, de Carlos Fico, também especialista no período, como exemplo desse exercício de compreensão. Segundo ele,

O golpe de Estado de 1964 teve etapa militar (com tanques dirigindo-se para o Rio de Janeiro no dia 31 de março), parlamentar (com declaração de vacância do cargo de presidente da República pelo Congresso Nacional na madrugada do dia 2 de abril) e jurídico-legal (com a posse do presidente da Câmara na Presidência da República, às 3h30min da manhã do mesmo dia). Essa posse foi sacramentada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, Ribeiro da Costa, que foi acordado às pressas e concordou em participar da farsa (porque Goulart ainda estava no Brasil).

A simples enunciação dos fatos do passado ilumina os riscos e atropelos que vivemos no presente.

Por fim, muitos historiadores evocam períodos mais recuados da nossa história e vão buscar a raiz da crise atual na nossa formação colonial e escravocrata, que teria feito, da lógica do privilégio, base da cultura política brasileira. Considero, porém, e o faço na boa companhia de Sidney Chalhoub, professor na Universidade de Harvard e, como eu, historiador do século 19, que o problema de fundo da cultura política brasileira não é a lógica do privilégio em si, mas a sua manutenção envergonhada, sem a sustentação da moral aristocrática, a partir da independência política e da criação do estado nacional brasileiro.

Em texto denominado “homenagem do vício à virtude” procurei abordar o nascimento do problema. Após a independência, muitos lutaram para que a lei que proibia o tráfico de escravos fosse efetivamente implementada, mas ela se tornou alvo de um vigoroso processo de desobediência civil por parte dos grandes senhores de escravos, por fim consolidado no movimento político conhecido como Regresso, que alcançou o poder em 1837. A hipocrisia generalizada como política de estado nascia ali. Um relatório do Foreign Affairs de Londres relata mais de 4000 escravizados desembarcadas entre Copacabana e a Ilha Grande apenas em janeiro de 1838.  Como os corpos escravizados de africanos nas praias do Rio no século 19, a corrupção endêmica está aí aos olhos de todos, mas boa parte da sociedade brasileira insiste em ignorar. Evocando Machado de Assis e o mesmo período, Sidney Chalhoub escreveu um artigo cheio de ironia sobre a base social e a ideologia do golpe em curso, em que uma assembleia de acusados de corrupção, presidida por um réu, decretou a admissibilidade do impedimento de uma presidente eleita por 54 mihões de votos, contra a qual não há acusação. O texto imaginava historiadoras do futuro lendo o artigo da revista alemã Der Spiegel, de título “A Insurreição dos Hipócritas”, sobre a sessão da câmara baixa brasileira de 17 de abril. O rei está nu.

Querida Presidenta, entre os inúmeros historiadores e cientistas sociais que hoje lutam contra o golpe travestido de impeachment, muitos sempre foram críticos e mesmo opositores ao seu governo. Não é o meu caso. Nunca fui filiada a qualquer partido político, mas, hoje, posso dizer que me tornei “dilmista”, e acho que nós, os dilmistas, somos muito mais numerosos do que as pesquisas conseguem detectar. Fui sua eleitora por duas vezes, Presidenta, com entusiasmo, e, apesar das alianças difíceis, que hoje cobram um preço doloroso, não me decepcionei. Além da minha empatia histórica pela solidão dos governantes de esquerda moderada à frente de economias capitalistas em crise, nos últimos meses só tem crescido a minha admiração por sua coragem e apreço às instituições democráticas. Graças à serenidade e firmeza de sua atitude, entre os muitos cenários sombrios que a crise atual nos evoca, há um que pode ser positivo. A opinião pública internacional denuncia o golpe em curso e jovens secundaristas em luta por suas escolas, no Rio e em São Paulo, trazem esperança de renovação ao coração de todos os democratas. Toda a estrutura da velha corrupção endêmica está, pela primeira vez, de um só lado. A luta está no começo. Esta pode ser a crise terminal da cultura da hipocrisia na política brasileira. Se assim for, sua atitude à frente da Presidência da República terá sido essencial. Se assim não for, mesmo que eles consigam mais uma vez golpear a democracia e cassar o meu voto e o de mais 54 milhões de brasileiros, ainda assim, não tenho dúvidas, passarão à história como hipócritas, corruptos e golpistas. 

Com admiração,  Hebe Mattos

Professora Titular de História do Brasil/ Universidade Federal Fluminense

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Homenagem do Vício à Virtude

Tentativas maniqueístas de desacreditar intelectual ou moralmente determinadas forças políticas estão na base de todos os fascismos. Infelizmente, os acontecimentos recentes no Brasil chegaram assustadoramente perto disso. Por outro lado, felizmente, os riscos do pensamento único me parecem que estão sendo superados na crise em curso. Sejam quais forem seus desdobramentos, não se farão em nome de qualquer unanimidade artificialmente construída. Estamos diante de um país politicamente dividido. Aprender a lidar democraticamente com isso é parte da solução.

Historiadores profissionais estão fortemente presentes na atual disputa política. O jogo de espelhos da história que se repete ora como farsa ora como tragédia assombrou a muitos, que vieram a público exorcizar tais fantasmas. Como escreveu meu amigo Sidney Chalhoub, em texto publicado aqui no blog, o jogo ainda está sendo jogado e eu não resisto a contar mais uma história.

A hipocrisia pode ser definida como o elogio que o vício presta à virtude e as raízes de sua presença na nossa cultura política são sabidamente antigas. Mesmo quando a estavam violando, a legalidade constitucional sempre foi celebrada pela tradição brasileira. Nem os anos abertamente autoritários do Estado Novo chegam a ser completamente exceção a esta regra. Bem antes do fim do período lá estava o ditador a criar partidos políticos, como bem nos ensina Ângela de Castro Gomes, no clássico A Invenção do Trabalhismo.  O golpe civil militar de 1964 gostava de chamar-se revolução democrática e Arena e MDB disputaram o poder em eleições regulares ao longo de todos os sombrios anos de chumbo.

Muitos remontam o gosto brasileiro pela hipocrisia na política à tradição católica, que ao propor códigos morais inalcançáveis à maioria dos seres humanos comuns, faz do pecado um pressuposto (como na proibição do uso de anticoncepcionais, para ficarmos num exemplo corriqueiro). Há muito, porém, que o Brasil é um país laico e plural do ponto de vista religioso e que a própria igreja católica discute a questão. Discursos únicos não podem dar conta da atualidade política do catolicismo ou do país.

Também a colonização ibérica costuma ser responsabilizada por nossas mazelas políticas. Seríamos uma sociedade de privilégios, mal adaptada à modernidade democrática. Vejo, porém, origem bem mais objetiva na condescendência brasileira com a hipocrisia política. E ela se encontra na nossa peculiar modernidade escravista, estruturadora da fundação do nosso primeiro estado nacional. O racismo à brasileira e a hipocrisia como tradição política têm origens comuns, se não são, a rigor, a mesma coisa.

Com a independência do Brasil, uma atividade mercantil até então considerada legal e legítima, apesar dos horrores em que implicava, que movimentava milhões de libras esterlinas – para ficarmos na então moeda forte do mercado internacional, transformou-se, oficialmente, em crime de contrabando. O reconhecimento da independência do país pela Inglaterra teve como contrapartida um compromisso oficial de extinção do tráfico de cativos africanos, depois ratificado por uma lei aprovada em 1831. Com a emancipação política, o comércio negreiro virou tráfico, e assim se fixaria na memória nacional.

A lei não foi aprovada para inglês ver, como passou para a história. Muitos lutaram para que fosse implementada, mas ela se tornou alvo de um vigoroso processo de desobediência civil por parte da classe senhorial que acabou se consolidando no movimento político conhecido como Regresso, que alcançou o poder em 1837. Ainda assim, não conseguiram revogar a lei de 1831 (ainda que tentassem), optando por fechar os olhos para seu descumprimento. A hipocrisia generalizada como política de estado nascia ali, juntamente com a prática de silenciar sobre a cor dos brasileiros livres nos documentos oficiais.

Invisibilizada na memória pública, a mobilidade social de intelectuais mestiços foi expressiva nas primeiras décadas após a independência. Francisco Montezuma, formado em direito por Coimbra, e Antônio Pereira Rebouças, advogado por notório saber, combateram o tráfico escravista no parlamento, como deputados pela Província da Bahia. Filho de uma liberta com um alfaiate português, Rebouças  tornou-se um dos maiores especialistas em direito civil no Brasil do século 19, como nos mostrou Keila Grinberg. Durante as tentativas de revogação da lei de 1831, discursou no parlamento denunciando a conivência da chamada “boa sociedade” brasileira com o tráfico de escravizados. Não porque alguns elementos se tivessem corrompido, como por vezes se acusava um ou outro inimigo político, fazendeiro ou funcionário público, mas porque todos os produtores rurais brasileiros, pequenos ou grandes, estavam de alguma forma envolvidos com o contrabando.

Homem de seu tempo, Rebouças defendia que os trabalhadores africanos no país fossem todos considerados como colonos livres, e que novos braços africanos fossem trazidos nessa condição. Para tanto, seria preciso revogar outra lei, de 1830, que baseada em pressupostos racistas proibia a imigração de africanos livres.

Foi derrotado. Os sobreviventes da terrível travessia continuaram a cruzar clandestinamente o Atlântico e a Serra do Mar, para serem ilegalmente incorporados como trabalhadores escravizados às plantações de café, principal produto de exportação do novo país. Desse percurso, porém, quase não ficaram rastros. A ilegalidade trazia consigo invisibilidade social e silêncio. As pessoas morriam nas praias a vistas de todos, mas depois de Rebouças, apenas os ingleses continuaram a falar sobre isso. Um relatório do Foreign Affairs de Londres relata mais de 4000 pessoas desembarcadas entre Copacabana e a Ilha Grande apenas em janeiro de 1838.

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 (agradecemos à Mariana Muaze pela reprodução do documento no blog)

Era como se toda a sociedade se fizesse propositalmente muda e cega em relação à continuidade do tráfico negreiro, bem como à cor de parlamentares como Rebouças ou Montezuma. O Brasil nasceu como nação comandado por corsários de corpos negros que se imaginavam como construtores (quase) brancos de um Império civilizado nos trópicos.

Em 1850, uma segunda lei colocaria fim ao tráfico atlântico de escravizados, com o compromisso de manter, porém, o manto de silêncio sobre a ilegalidade anterior. Desde então a ideia de que as leis no Brasil podem pegar ou não tem sido repetida. Bem como o jargão histórico que ameaça com a lei os inimigos. Na atual crise política, não existe bordão mais cruel do que o Quero Meu País De Volta.

Do ponto de vista da velha corrupção política, o risco de mais um tapetão histórico (acho que a expressão é de Luiz Felipe Alencastro) está mais que nunca no horizonte. Se o clima político atual por vezes lembra o pré 1964, a proposta de um governo Temer a partir do impedimento da presidenta ecoa 1837. Reencenando como farsa o gosto pela hipocrisia generalizada, o réu Eduardo Cunha ameaça o mandato de Dilma Rousseff, presidenta eleita com mais de 54 milhões de votos, entre eles o meu, e a própria democracia.

De novo, não. Os tempos são outros.

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Preocupante Semelhança?

Durante o segundo semestre de 2013, em função da minha pesquisa sobre o engenheiro abolicionista André Rebouças, eu lia diariamente exemplares das edições mensais de um periódico publicado em Nova York, por um jornalista brasileiro, do qual André foi ativo colaborador. O Novo Mundo registrava notícias dos Estados Unidos para o Brasil durante a década que se seguiu à guerra de secessão americana.

No antigo sul escravista derrotado, o período conhecido como “Reconstrução Radical” (1865-1877) foi pioneiro em reconhecer direitos civis e políticos aos ex-escravos tornados livres com a vitória da União. Muitos se alfabetizaram, participaram politicamente em seus locais de moradia, votando e sendo eleitos, junto aos políticos republicanos radicais oriundos do Norte do país. As conquistas sociais realizadas neste curto espaço de tempo são impressionantes e preenchem as melhores páginas da historiografia social e política sobre o pós-emancipação nos Estados Unidos.

No entanto, o movimento fracassou, graças principalmente à eficácia de um discurso de fundo aristocrático, construído a partir da manipulação seletiva de uma série de casos de corrupção, segundo o qual toda a ação política dos libertos e o idealismo republicano eram uma simples fachada para a ação criminosa de um grupo de aventureiros corruptos que enganavam ex-escravos desinformados. Esta leitura foi depois potencializada pela memória, associou-se ao chamado “racismo científico” do final do século XIX, e progressivamente foi corroendo as conquistas dos libertos, ainda pouco sedimentadas, resultando em leis de segregação racial em todo o Sul a partir dos anos 1890, que durariam até a segunda metade do século XX.

Todo este projeto foi glamourizado em um dos filmes pioneiros da indústria do cinema americano, um ícone da ideologia da supremacia branca, o conhecido The Birth of a Nation (Griffth, 1915), em que os cavaleiros da Ku Klux Klan são os heróis que salvam a América.  Apesar de repugnante em sua mensagem, o filme é uma aula sobre os riscos de processos como o que venho de relatar. E como eles podem ser duradouros. Ainda em 1939, de uma forma menos explícita, a interpretação de Griffth continuava forte e presente no famoso Gone With the Wind (E o Vento Levou), dirigido pelo trio Victor Fleming, George Cukor e Sam Wood. Neste ano de 2016, Nate Parker lançou, nos Estados Unidos, um novo filme com o mesmo título, The Birth of a Nation,  contando a história da rebelião negra de Nat Turner, na Virginia, em 1831. O filme ganhou o festival de Sundance e fez o país do filme do passado e o do presente dialogarem. Voltarei a ele em um próximo post, mas hoje, é a tragédia anunciada da Reconstrução Radical que me mobiliza a escrever.

Através das páginas de O Novo Mundo, acompanhei o dia a dia da tragédia que se anunciava e as semelhanças com o que eu ouvia no Brasil do século XXI, então em acirrada campanha eleitoral, muitas vezes me preocuparam. Uma versão muito próxima dos parágrafos acima abriam um texto que publiquei durante a campanha eleitoral de 2013. Na última sexta feira, quando eu me preparava para escrever o post da semana, o espetáculo midiático da condução forçada do ex-presidente Lula a depor no aeroporto de Congonhas me fez mais uma vez lembrar do primeiro The Birth of a Nation e a temer, mais que nunca, pelas muitas conquistas democráticas que o país obteve desde a Constituição de 1988.

HistoriadorAs

Quando decidimos abrir o formato do blog, uma das motivações foi exatamente poder trazer perspectiva mais autoral para alguns dos textos. É o caso da minha convicção e preocupação pessoais em como, desde o início, têm sido apropriadas, espetacularizadas e partidarizadas as investigações da operação lava jato. Na semana do dia internacional da mulher, porém, aproveito também para compartilhar, com minhas colegas de conversa, uma breve reflexão sobre outros sentidos do novo formato. Porque foi assim meio por acaso, enquanto eu e Martha pensávamos sobre possíveis colaboradoras para o blog, que nos demos conta que o fato de termos nos assumido no feminino nas conversas tinha se tornado uma marca essencial do blog. Por que conversa de historiadorAs e não conversa de historiadorXs?

A crítica às vulgarizações do pensamento de Gilberto Freyre, sobretudo o chamado mito da democracia racial que ele ajudou a disseminar, tornou-se bandeira política dos movimentos negros após 1970. Mas a universalidade da obra de Freyre, principalmente em Casa Grande e Senzala, está exatamente na identificação explícita que o autor faz do lugar de que ele fala. Em Casa Grande e Senzala, “todo brasileiro” traz na “alma” e/ou no “corpo” a “sombra do indígena ou do negro” … porque teria sido “embalado por uma mucama negra” ou sido iniciado sexualmente “no amor físico” por uma “mulata”, e também por que teve um “muleque” como companheiro. O brasileiro de Freyre era homem, ex-senhor de escravos e branco. E por que nos fala com brilho da relação deste brasileiro com o mundo que o cercava, e que a modernidade ameaçava destruir, Casa Grande e Senzala envelheceu sem perder poder explicativo. Sempre leio Freyre com as minhas turmas de graduação, e como na leitura de O Novo Mundo, sempre nos perguntamos ao final do livro, o quanto daquele mundo ainda permanece?

As historiadoras têm papel importante na historiografia produzida nas universidades brasileiras desde o seu início. Alice Canabrava, Eulália Lobo, Katia Mattoso, Maria Yedda Linhares são nomes que estão na fundação do campo acadêmico do profissional de história no Brasil. Quase todas elas, mulheres brancas de classe média ou alta.  Ainda hoje, uma olhadinha na lista de pesquisadores do CNPq na área de história nos apresenta uma alta proporção de mulheres. Impressiona o equilíbrio de gênero entre os profissionais da área, talvez sinal de um relativo desprestígio da profissão.

Apesar disso, tirando o campo específico dos estudos de gênero, a escrita historiográfica feminina raramente foi problematizada enquanto tal. As mulheres historiadoras tem procurado, em sua maioria, uma escrita comprometida com a neutralidade científica, produzida como a fala de um sujeito universal. Trabalhamos, nós historiadoras, pelo menos as historiadoras brancas de classe média e alta até a minha geração, no mais das vezes, com a ilusão do universalismo. À exceção da historiografia feminista sobre gênero e história das mulheres, é claro. E talvez por isso os  estudos de gênero permaneçam como um campo a parte, ainda isolado na disciplina da história. Convido então os leitores a revisitar os textos das historiadoras brasileiras, pensando em seus lugares de fala e em como esses lugares influenciaram suas perguntas. Creio que poderemos ter boas surpresas com uma releitura delas a partir dessa perspectiva.

Foi a experiência do blog, com seis historiadoras de diferentes gerações, origens e lugares de fala, que  me fez enxergar isso. E com essa constatação, chego a pensar, de forma otimista, que talvez as minhas preocupações do início do texto não tenham fundamento. Na experiência democrática brasileira dos últimos anos, o mundo patriarcal de Gilberto Freyre pareceu realmente estar mudando e o  novo mundo, buscado por André Rebouças, nunca pareceu tão próximo.

(Na foto, da esquerda para a direita, HistoriadorXs NegrXs no Simpósio Nacional da ANPUH 2015; Alice Canabrava, Eulália Lobo, Katia Mattoso, Maria Yedda Linhares)

 

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Sobre a BNCC e os historiadores

(por Hebe Mattos)

É com preocupação que tenho acompanhado a reação indignada, predominante em alguns círculos historiográficos, à divulgação, para consulta pública, do texto de história da Base Nacional Curricular Comum (BNCC), em elaboração no MEC. Como todos os outros textos da base, trata-se de um texto preliminar, aberto à discussão, construído por uma equipe de pesquisadores da área de ensino da disciplina em questão. Este caráter técnico do recrutamento do grupo de trabalho, efetuado a partir da expertise no campo do ensino da disciplina, tornou possível que o próprio ex-ministro da educação, professor de filosofia e ética da USP, Renato Janine Ribeiro, fosse o primeiro a fazer ressalvas públicas ao texto base de história, em sua conta pessoal no facebook.  Um comentário postado por ele teve grande repercussão na imprensa.

“O documento entregue, porém, na sua primeira versão ignorava quase por completo o que não fosse Brasil e África. Pedi que o revissem. (…) Mas o grupo que elaborava a base não entendia assim. Não havia sequência histórica. (…) Queriam partir do presente para ver o passado. No caso do Brasil, por exemplo, propunham a certa altura estudar revoluções com participação de escravos ou índios. E deixavam de lado a Inconfidência Mineira!”, escreveu o ministro.

Li este pequeno comentário, publicado na imprensa, antes de conhecer o texto completo publicado por Renato Janine. Imediatamente me lembrei da minha principal experiência com o ensino da história. Há quinze anos atrás, deixei a meio caminho a coordenação da equipe de história do Telecurso 2000, da Fundação Roberto Marinho, por desentendimentos com a direção da Fundação, que passavam pelo lugar da Inconfidência Mineira nas aulas de história e por um suposto ‘excesso’ do tema da escravidão nas aulas propostas para a história do Brasil. A crítica me soou como um convite para que eu lesse com atenção o que “o grupo que elaborava a base” estava propondo. Pareceu-me que eles podiam estar disputando os repertórios que ainda hoje compõem as narrativas canônicas da história brasileira. Construídos quase todos, como sabemos bem, a partir de uma perspectiva racista e eurocêntrica, no século 19 ou na primeira metade do século 20. Ganhavam minha simpatia.

Eu ainda estava lendo o documento com a atenção que merece, para formar minha opinião sobre ele, quando tive acesso a uma segunda crítica, que se pretendia devastadora. A atual diretoria da ANPUH-Rio de Janeiro convocou uma jornada de estudos para discutir o texto. Já na convocação, me chamou a atenção que o GT História Indígena e o GT Emancipações e Pós-Abolição, que reúnem inúmeros historiadores do Rio de Janeiro, muitos com destacado reconhecimento internacional, não tivessem sido formalmente convidados. E mesmo o GT Ensino de História, presente à reunião, foi desconsiderado na redação do documento final, divulgado no site da Associação. A carta acabou por gerar um pequeno abaixo assinado daqueles que não se sentiam representados pelo texto, encabeçado pelos representantes do GT de ensino de história na reunião e pela minha colega Martha Abreu.

Pessoalmente, me senti profundamente incomodada com o tom dos primeiros parágrafos da carta crítica, que vaticinava que a proposta em discussão estava em flagrante “descompasso com as pesquisas historiográficas de ponta”. Concedia ao texto, apenas, “a boa intenção” de romper com uma perspectiva eurocêntrica e quadripartite do tempo histórico. Ainda que sem sucesso, pois, para os autores, “o tempo histórico é o tempo humano, o tempo da espécie humana em seu fazer-se, o Homem se reconhecendo em suas relações sociais”. Quase parei a leitura após esta frase. Pelo menos na minha área de estudos, o ser humano universalizado no masculino e com agá maiúsculo não se faz presente em qualquer pesquisa de ponta. Há muitos anos.

Voltei à leitura do documento proposto para discussão, com redobrada boa vontade. Não sei se precisamos de uma base curricular comum. Se precisamos, ela sem dúvida deve ser amplamente discutida com a comunidade de educadores, de historiadores e com a sociedade, antes de ser aprovada. Mas fico feliz que tenhamos largado para discussão a partir de um documento tão radical no seu esforço de romper com o eurocentrismo que informa a concepção de história até agora predominante no ensino de história do país. Inclusive nas nossas universidades.

Por onde recortar para apresentar aos estudantes uma história global não eurocêntrica? Do neolítico à internet, como escolher o que estudar? A entrada pela história do Brasil, espaço de inserção política do estudante, faz todo sentido no contexto de um base curricular mínima nacional. E pode ser amplamente cosmopolita, se conseguir articular de forma consistente o local, o global e o nacional.  A ênfase nas representações do passado no tempo presente também me pareceu chave interessante para propor recortes em sala de aula, capazes de ajudar o professor a problematizar as noções de tempo e de historicidade, matérias primas da disciplina da história. Os usos do passado no presente são também ferramenta eficaz para elencar conteúdos programáticos anteriores à colonização portuguesa no Brasil, problematizando legados filosóficos, artísticos ou religiosos fortemente presentes na contemporaneidade. No conjunto, porém, parece-me necessário precisar mais quais contextos, em cada uma das fases do aprendizado, permitirão refletir sobre a dimensão temporal da história humana, bem como sobre a alteridade entre épocas e culturas.

De fato, concordo com algumas das críticas elencadas pelo ex-ministro Janine ou pela carta da ANPUH-Rio, apenas me parece que elas devem ser dirigidas aos especialistas que vem trabalhando o documento, para que a proposta seja aperfeiçoada. No texto apresentado, em especial na proposta de ensino médio, o esforço de se libertar da organização eurocêntrica da história resultou, em grande medida, em uma dificuldade de abordar historicamente a centralidade da expansão europeia para a própria construção de uma “História do Brasil”. A incorporação da noção de história Atlântica, articulando América, Europa e África, a partir da expansão marítima e comercial europeia, pode ser uma chave de leitura eficaz para superar o problema. Algum investimento na interdisciplinaridade com a filosofia e a sociologia me parece também fundamental.

A ideia de fazer uma base nacional curricular mínima é em si bastante problemática. Pessoalmente, não gosto da ideia. Currículos mínimos pressupõem consensos mínimos sobre o que deve ser ensinado e isso não é fácil. E também não é estritamente técnico. Em nenhuma área. Nas ciências humanas mais do que nas outras.

Por outro lado, o grupo que elabora a base foi recrutado entre os especialistas em ensino de história, campo que teve importante desenvolvimento nos últimos anos. É uma área que vem pensando há anos como ensinar a história, para quem estamos ensinando história e para que serve a história ensinada. Seus especialistas estão fortemente embasados no que de melhor tem acontecido nas salas de aula do ensino básico e das universidades na matéria. O MEC mostra-se consciente do caráter preliminar da proposta apresentada – e da delicadeza política da missão, o que é bastante auspicioso. A base está aberta para críticas e comentários em um site específico, e diversos historiadores, nacionalmente reconhecidos e com interface com o campo do ensino da história, de diversas áreas, foram convidados a atuar como leitores críticos, conforme adiantou o ex-ministro Renato Janine e relatou Martha, em carta divulgada em sua conta pessoal no facebook. Outros historiadores e nossas associações serão todos ouvidos. Pessoalmente, redigi uma pequena contribuição sobre o texto, que pode ser acessada aqui.

Com as tensões teóricas e políticas inevitáveis à decisão de construir um currículo mínimo nacional, e tendo em vista a obrigatoriedade legal de abordar a história indígena, da África e da cultura afro-brasileira, o trabalho me parece estar muito bem encaminhado.

Rio de Janeiro, 2 de dezembro de 2015

Hebe Mattos

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Defesa de Memorial para aprovação de novos Professores Titulares do Departamento de História da UFF

A terra vai tremer com o peso da historiografia que será passada em revista amanhã e depois no Campus do Gragoatá da Universidade Federal Fluminense, onde irá ocorrer a prova pública de progressão funcional para Professor Titular do Departamento de História da Universidade Federal Fluminense. Entre os que se apresentam para a progressão, Martha Abreu, que já é titular aqui do blog. Convidamos todos a acompanhar as defesas.

Aproveitamos o post também para divulgar o email que Hebe Mattos escreveu, em resposta à nota crítica sobre a prova pública de defesa do memorial em momento de greve, publicada hoje na Coluna de Ancelmo Gois, no Jornal O Globo.

Prezado Ancelmo,
As greves nas federais se tornaram há muitos anos uma ficção sindical que atinge apenas os cursos de graduação (ainda assim, enquanto se mantém o semestre letivo, bastante parcialmente) e, infelizmente, a credibilidade da instituição da Universidade Pública, como inúmeros professores do Departamento de História da UFF têm denunciado há tempos (e não apenas Daniel Aarão Reis). Assim como as pesquisas acadêmicas ou as bancas de mestrado e doutorado, os concursos internos de progressão para Professor Titular continuam ocorrendo nas Universidades Federais de todo o país, em todas as áreas de conhecimento, amplamente noticiados e abertos a todos os professores que atendam aos requisitos da nova legislação (aliás fruto da última greve). 
Os professores que estão se apresentando à progressão para Professor Titular no Departamento de História da UFF são, cada um deles, referências da historiografia brasileira em suas áreas de pesquisa, como pode ser acompanhado em seus cv lattes ou nas defesas públicas de memorial que acontecerão amanhã e depois. As inscrições para o concurso de progressão foram feitas há muitos meses atrás. 
O mapa das atividades suspensas, e das que não o são, durante as greves nas Universidades Federais, que se prolongam indefinidamente, com garantia de salários, não produz um retrato bonito da comunidade acadêmica. Por isso, muitos se recusam a aderir a elas, por objeção de consciência. É o meu caso e de muitos outros. 
Uma nota como a da coluna de hoje, porém, repercutindo acusações baseadas em ressentimentos internos sem qualquer base de sustentação merecia consulta a mais de uma fonte. 
Atenciosamente,
Hebe Mattos
Professora Titular de História do Brasil da Universidade Federal Fluminense

 defesas de memorial

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Ainda eleições e protagonismo negro…

Uma peça publicitária da campanha presidencial do PSDB acaba de divulgar um jingle com muitos jovens brancos, cantando versos de funk, num cenário que mostra a favela ao fundo. É inacreditável ainda circularem iniciativas que silenciam o protagonismo negro na transformação e ação política moderna, como quer dar a entender a propaganda. Descuido racista dos marqueteiros ou dissimulada intenção de atrair a nova classe média das favelas e periferias – explorando o déficit de autoestima produzido pelo racismo, a estratégia precisa ser denunciada. É lamentável e inaceitável. Além de tudo, contraria todo o esforço materializado na lei 10.639 que, no campo educacional, procura afirmar a presença negra na história do Brasil, em qualquer partido político, e combater o racismo através da valorização da cultura e identidades negras.

Para um forte e belíssimo exemplo de como o protagonismo negro pode ser valorizado e divulgado em outros termos, apresentamos hoje o catálogo de uma exposição itinerante, já anunciada há algumas semanas atrás, Para não perder a memória, D. Zica 100 anos do Centro Cultural Cartola – Museu do Samba Carioca. O catálago da exposição dá uma boa ideia do que podemos conhecer sobre a história dos sambistas, homens e mulheres negras que reinventaram a historia cultural da cidade do Rio de Janeiro a partir de seus morros e periferias. Conta com textos de especialistas, Nei Lopes, Felipe Ferreira, Nilcemar Rocha, Luciano Nascimento, Desiree Reis e Martha Abreu, além excelentes atividades pedagógicas sobre o patrimônio cultural do samba. Vale conferir na biblioteca do blog.

Foi também refletindo sobre apagamento/resgate do protagonismo negro que Hebe produziu um texto sobre o atual momento eleitoral. Reproduzimos aqui o primeiro parágrafo e os convidamos a ler o texto na íntegra também na biblioteca do blog.

“Durante o segundo semestre de 2013, em função da minha pesquisa sobre o engenheiro abolicionista André Rebouças, eu lia diariamente exemplares das edições mensais de um periódico publicado em Nova York, por um jornalista brasileiro, do qual André foi ativo colaborador. O Novo Mundo registrava notícias dos Estados Unidos para o Brasil durante a década que se seguiu à guerra de secessão americana. No antigo sul escravista derrotado, o período conhecido como “Reconstrução Radical” (1865-1877) foi pioneiro em reconhecer direitos civis e políticos aos ex-escravos tornados livres com a vitória da União. Muitos se alfabetizaram, participaram politicamente em seus locais de moradia, votando e sendo eleitos, junto aos políticos republicanos radicais oriundos do Norte do país. As conquistas sociais realizadas neste curto espaço de tempo são impressionantes e preenchem as melhores páginas da historiografia social e política sobre o pós-emancipação nos Estados Unidos. No entanto, o movimento fracassou, graças principalmente à eficácia de um discurso de fundo aristocrático, construído a partir da manipulação seletiva de uma série de casos pontuais de corrupção, segundo o qual toda a ação política dos libertos e o idealismo republicano eram uma simples fachada para a ação criminosa de um grupo de aventureiros corruptos que enganavam ex-escravos desinformados. Esta leitura foi depois potencializada pela memória, associou-se ao chamado “racismo científico” do final do século XIX, e progressivamente foi corroendo as conquistas dos libertos, ainda pouco sedimentadas, resultando em leis de segregação racial em todo o Sul a partir dos anos 1890, que durariam até a segunda metade do século XX.  Através das páginas de O Novo Mundo, acompanhei o dia a dia da tragédia que se anunciava e as semelhanças com o que eu ouvia no Brasil do século XXI muitas vezes me preocuparam. A divulgação seletiva e sincronizada com o segundo turno das eleições de depoimentos relacionados ao escândalo de corrupção na Petrobras me fez duvidar de onde e em que século me encontro agora….” (continuar lendo)

Boas leituras.

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