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Uma sociedade nascida estamental sempre será estamental?

É um acinte à democracia o desrespeito com a figura presidencial de Luís Inácio Lula da Silva.  A requisição judicial de presentes recebidos pelo político, no exercício da Presidência da República, depositados no Instituto Lula, é quase inacreditável. É a dignidade presidencial do ex-chefe de estado que basicamente se busca atingir. Como nas antigas sociedades estamentais, onde as pessoas eram consideradas diferentes em dignidade e direitos, às vésperas do dia do trabalho, o presidente operário, com dezenas de titulo de doutor honoris causa de universidades de todo o mundo, não parece merecer o mesmo respeito que seus antecessores da justiça do país que governou.

No estado nacional brasileiro, que desde a sua primeira constituição reconheceu formalmente a igualdade de todos os cidadãos perante à lei, o padrão de comportamento é antigo e remonta mais uma vez aos tempos do chamado “Regresso” (1837). O movimento político garantiu a  centralização política e a generalização do tráfico ilegal de africanos escravizados no Brasil imperial, acionando a velha lógica estamental na nova ordem formalmente liberal.

Na derrota das insurreições federalistas que marcaram o chamado período regencial, lideranças políticas populares foram sistematicamente criminalizadas ou associadas à condição escrava, enquanto opositores de elite eram anistiados. Um comportamento judicial tão injusto quanto atual. Lembremos da condenação recente e absolutamente escandalosa de Rafael Braga. Uma sociedade nascida estamental sempre será estamental?

O país dos elegantes continua atado ao século 19. O STF liberou o teto salarial da alta burocracia federal na mesma semana em que o congresso nacional, quase todo acusado de corrupção, aprovou a retirada de direitos trabalhistas da maioria da população. E isso só foi noticiado como escândalo no New York Times.

A atual mobilização dos trabalhadores brasileiros combate bem mais do que uma pauta neoliberal de reformas econômicas. Os trabalhadores brasileiros lutam pelo direito ao século 20, por seus direitos políticos, civis, sociais e culturais, garantidos na Constituição de 1988.

A truculência ilegal da repressão às manifestações ocorridas durante a greve geral de 28 de abril ameaça os mais básicos direitos civis. A unidade de narrativas da grande mídia, negando os fatos e a palavra greve, aprofunda o ataque, golpeando, a um só tempo, direitos civis e direitos sociais. O escândalo de um governo não eleito aprovando a toque de caixa uma pauta de reformas derrotada nas urnas coloca em cheque a garantia dos direitos políticos e a soberania do sufrágio popular. Um dia antes da greve geral de 28 de abril, povos indígenas em luta pela demarcação de suas terras e pelo direito à diversidade cultural tiveram a entrada barrada no Congresso Nacional.

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A exclusão simbólica dos indígenas do mundo da política e o ataque à dignidade do presidente operário são gestos complementares da pauta estamental do golpe de 2016.

Dizem que a jabuticaba é uma fruta que só existe no Brasil. A prevalência da linguagem dos direitos está em cheque em todo mundo, não apenas no Brasil, mas o país cultiva algumas “jabuticabas” podres difíceis de engolir.

FRANCA10

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CARTA ABERTA AO JORNAL ESTADÃO por Suzette Bloch e Fernando Nicolazzi

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Divulgada segunda feira na página pessoal do historiador Fernando Nicolazzi no facebook, publicamos hoje, para registro e maior circulação, a CARTA ABERTA AO JORNAL ESTADÃO, EM RESPOSTA AO EDITORIAL DE 14 DE JUNHO DE 2016*, escrita pela neta de Marc Bloch.

Meu nome é Suzette Bloch. Sou jornalista e, além disso, neta e detentora dos direitos autorais do historiador e resistente Marc Bloch.

Eu li seu editorial do dia 14 de junho sobre o manifesto dos Historiadores pela democracia. Ele me deixou estupefata e indignada. Seu jornal utiliza o nome de meu avô para justificar um engajamento ideológico totalmente oposto ao que ele foi, um erudito que revolucionou a ciência histórica e um cidadão a tal ponto engajado na defesa das liberdades e da democracia que perdeu a vida, fuzilado pelos nazistas em 16 de junho de 1944.

O jornal recorre ao nome de Marc Bloch para responder aos historiadores brasileiros que se posicionaram contra o afastamento da presidenta Dilma Rousseff. “Pensamento único, historiadores muito bem posicionados na academia, a serviço de partidos, bajuladores do poder etc.”; seu editorial não argumenta, apenas denigre. Eis porque tiveram necessidade de se valer de uma obra de alcance universal e da vida irretocável do meu avô para tonar virtuoso seu apoio ao golpe de Estado.

Condeno toda instrumentalização política de Marc Bloch. Para além do homem público, ele é o avô que eu não conheci, mas que nos deixou como herança a memória de uma família para a qual a liberdade representa a essência de toda humanidade. Em todo lugar, a cada instante, no Brasil inclusive. Vocês omitiram aos seus leitores o fato de que o filho mais velho de Marc Bloch, meu tio Étienne, que libertou Paris junto com a 2ª. Divisão Blindada do General Leclerc, foi o presidente do comitê de solidariedade França-Brasil nos anos 1970. Este comitê auxiliou as vítimas do regime civil-militar iniciado com o golpe de 1964 e manteve-se na luta pelo retorno da democracia brasileira. Poderiam ainda ter explicado aos seus leitores que a neta de Marc Bloch se casou com um brasileiro, Hamilton Lopes dos Santos, refugiado político do Brasil e depois do Chile, tendo chegado na França em 1973 em razão do golpe de Pinochet. Poderiam, enfim, ter anunciado que dois dos bisnetos de Marc Bloch, Iara e Marc-Louis, são franco-brasileiros.

Conseguem imaginar a reação de meu avô diante do espetáculo dos deputados que votaram pelo afastamento de Dilma Rousseff em nome de suas esposas, de seus filhos, de Deus ou de um torturador? Imaginem ainda sua reação diante de um presidente interino que formou um governo exclusivamente de homens e cuja primeira medida foi suprimir o Ministério da Cultura e o Ministério das Mulheres, Igualdade Racial, Juventude e Direitos Humanos, suspendendo e reduzindo diversos programas sociais, como o Minha casa, minha vida. Ministros empossados são investigados por corrupção e alguns foram exonerados após a divulgação de conversas nas quais admitiam que o afastamento de Dilma não tinha senão um objetivo: parar as investigações contra a corrupção. Imaginem a reação de meu avô!

O presidente francês, François Hollande, foi eleito com 51,9% dos votos em 2012 e sua popularidade não passava de 16% em maio. No entanto, seus adversários políticos sequer sonharam em contestar sua legitimidade conquistada nas urnas, apenas estão se preparando para as próximas eleições, como em toda democracia digna deste nome. Não pode haver democracia sem o respeito às eleições. Contudo, um grande jornal como este aplaude o confisco do voto popular.

Mas deixo a palavra ao historiador Fernando Nicolazzi, integrante do grupo de Historiadores pela democracia, para quem solicitei escrever este direito de resposta com outras vozes.

O convite feito por Suzette Bloch para juntar minhas palavras às suas, no ato solidário e indispensável de combater a impostura de um jornal comprometido, em cada linha de seus editoriais, com a defesa de um golpe de Estado em curso, não poderia ser recusado. Este mesmo jornal, que há alguns meses disse um “basta!” à democracia, ecoando o gesto autoritário cometido pelo Correio da Manhã em 1964, agora direciona seus impropérios ao grupo de historiadores e historiadoras que atuam em defesa dos princípios democráticos de nossa sociedade. Faço parte deste grupo e estive na audiência realizada com a presidenta eleita Dilma Rousseff no último dia 7 de junho.

O editorial de 14 de junho, que pretende definir o “lugar de Dilma na história”, faz menção a palavras escritas por Marc Bloch, desvinculando-as irresponsavelmente daquele que as escreveu. Nesse sentido, instrumentaliza politicamente o nome do historiador francês, autor de uma apologia da história elaborada no momento mesmo em que atuava na resistência contra o fascismo e em defesa das liberdades democráticas. Suzette Bloch, em justificável indignação, já apontou acima o desrespeito ético e a desonestidade intelectual que caracterizam este texto. Quanto a isso não cabem aqui outras palavras.

Porém, é preciso fazer frente também à outra dimensão contida naquele editorial: sua falaciosa representação dos historiadores e historiadoras que assinaram o manifesto, definidos ali como intelectuais “a serviço de partidos políticos”, comprometidos com a elaboração de um “pensamento único”, “bajuladores do poder”. O editorial traz ainda as marcas da sua baixeza moral ao sugerir, sem qualquer respaldo aceitável, que muitos dos participantes do encontro com a presidenta a “detestam”. Nada mais desonesto, nada mais mentiroso! Mas também nada mais compreensível!

Afinal, não é difícil compreender que, para setores da sociedade comprometidos com a manutenção da exclusão em suas diferentes formas, a defesa da democracia e da inclusão social cause incômodo e provoque atitudes como esta que, faltando com a verdade, apenas encontra amparo na ofensa e na intolerância. Além disso, é fácil compreender que essa seja a única forma de linguagem política assumida pelo jornal, que já definiu os opositores ao golpe de “matilha de petistas e agregados”: a propagação do seu ódio na busca de cumplicidade, como se ele fosse compartilhado por todas as pessoas. Basta acompanhar as inúmeras e diversas intervenções dos Historiadores pela democracia para constatar quão caluniador e distante dos fatos é o editorial.

O golpe parlamentar, jurídico e midiático em curso ataca direitos sociais, políticos e civis que são fundamentais para a existência da democracia. Tais direito foram conquistas feitas pela sociedade e não simples concessões governamentais. Lutar contra este golpe não significa defender um governo ou um partido político, mas sim defender a vigência de princípios básicos de cidadania, considerando que a justiça social deve ser um valor preponderante em nossa sociedade. Foram estas razões que me fazem participar do grupo, além da convicção íntima, enquanto historiador e enquanto cidadão, de que posicionar-se pela democracia se coloca hoje como um imperativo incontornável na nossa vida pública.

Em um texto que pretende dizer o que deve ser o exercício da historiografia, lemos apenas o uso inconsequente da história e a utilização deturpada da obra de um historiador que soube como poucos escrever sobre o próprio métier. Apesar da indignação causada, o editorial cumpriu seu papel esperado, sem nenhuma surpresa. E ao menos algo positivo ficará dessa situação: não será preciso aguardar historiadores futuros para colocar o Estadão em seu devido lugar na história, ou seja, ao lado dos golpistas do passado, os mesmos que em 2 de abril de 1964 comemoraram a vitória do “movimento democrático” que hoje conhecemos como ditadura civil-militar e que, além de vitimar milhares de pessoas, ampliou a desigualdade social no Brasil. Seus editorialistas continuam realizando com esmero essa função no presente.

*O texto foi enviado para o portal Estadão, como resposta ao editorial publicado em 14/06/2016. Não houve resposta por parte dos editores.

 

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O ofício do historiador e os formadores de quadrilha/ por Silvia Hunold Lara/ Historiadora, pela democracia

Nos últimos meses, um grupo de historiadores decidiu se manifestar publicamente em defesa da democracia. Fazendo uso de meios de comunicação alternativos, criou nas redes sociais o grupo Historiadores pela Democracia, produziu vídeos e textos, além de um manifesto em defesa do governo legítimo que está sendo deposto por meio de um golpe. Há ali gente de tendências diversas, tanto do ponto de vista político como profissional. O que os une é a certeza de que o Legislativo e o Judiciário, com apoio dos grandes meios de comunicação, associaram-se para afastar do poder a presidente democraticamente eleita que, apesar da crise e de vários erros (incluindo relações ambíguas com corruptos), vinha se mantendo na defesa de direitos básicos estabelecidos na Constituição.

Em 7 de junho, uma parte desse grupo foi ao Alvorada, prestar sua solidariedade a Dilma Rousseff, afastada da presidência sob a alegação de ter cometido “crimes de responsabilidade” que, aliás, também foram praticados por seus antecessores e por vários governadores e prefeitos. O Legislativo fez uso de mecanismos constitucionais e o Judiciário estabeleceu o ritual do processo. A aparente legalidade não esconde, entretanto, o golpe articulado por forças retrógradas que se instalaram no poder e esforçam-se por dar uma guinada ultra liberal na economia, diminuir conquistas dos trabalhadores, limitar políticas sociais e restringir direitos humanos.

Os historiadores não foram os primeiros nem os únicos profissionais a se manifestar, nem a denunciar o golpe em curso. Mas chamaram a atenção de dois dos principais jornais do sudeste brasileiro: um publicou um editorial agressivo contestando a qualidade profissional dos participantes do grupo (“O lugar de Dilma na história”. O Estado de São Paulo, 14/06/16), e o outro um artigo, assinado por um de seus articulistas habituais, criminalizando o movimento (Demétrio Magnoli, “Formação de Quadrilha”. Folha de São Paulo, 25/06/16).

Ambos têm uma ideia bem tacanha do que seja o ofício do historiador. O primeiro afirma que o papel da história é “o de reconstituir o passado para entender o que somos no presente”. O segundo diz que “o historiador indaga o passado, formulando hipóteses que orientam a investigação e reconstrução da trama dos eventos”. Pois aí está o problema: o papel do historiador nunca foi o de “reconstituir” o passado. Analisando os documentos produzidos pelos diversos sujeitos que participam de um acontecimento ou fazem parte da sociedade, nós interpretamos o passado, procurando explicá-lo. Essa explicação nunca é unívoca, posto que deve compreender as diversas forças que produziram os “fatos”. Nem tampouco é singular: a história – como aprendem os alunos desde o primeiro ano do curso – não se escreve com verbos regulares e, geralmente, usa o plural. Isso acontece com o passado histórico que, pela sua própria natureza, como o presente, é prenhe de tensões e vozes dissonantes. O mesmo se dá com o trabalho dos historiadores, que só se realiza no diálogo com interpretações e explicações diversas. Ao supor a unicidade da história e dos profissionais que denunciam o golpe, os dois jornalistas produzem um efeito de verdade muito útil para a defesa de suas posições.

O Estado de São Paulo acusa os Historiadores pela Democracia de serem “intelectuais a serviço de partidos que se dizem revolucionários”, registrando que todos aqueles profissionais estão a serviço do “lulopetismo”. O articulista daFolha de São Paulo os coloca como militantes de um Partido totalitário. O primeiro recorre a um neologismo depreciativo. Ele faz par com outros, mais recentes, como “esquerdopata”, “petralha”, “feminazi”. São substantivos coletivos que servem claramente para desqualificar todos os que não pensam como o emissor do discurso. O uso varia conforme a ênfase que se queira dar: contra uma opção político-partidária, contra os que defendem princípios democráticos e/ou libertários ou os direitos das mulheres e de outras minorias. Como se em cada um desses registros só coubesse uma forma única de ser e de pensar. O tratamento coletivo e pejorativo serve, assim, a uma visão incapaz de abarcar a pluralidade. O mesmo acontece quando se tenta explicar que a atitude desses historiadores estaria sendo conduzida por um Partido, com “P” maiúsculo. Tal fantasmagoria só revela a completa ignorância do colunista em relação à diversidade de posições desses profissionais da área de História – alguns dos mais competentes e destacados, no Brasil e no exterior.

Além de associar dessemelhantes, o colunista da Folha acusa os Historiadores pela Democracia de possuírem “alinhamento ideológico” próximo ao “alinhamento corporativo” dos juízes do Paraná que tiveram seus salários divulgados em uma reportagem. Como se trata de um atentado contra a liberdade de imprensa, ele analisa contradições entre a pretendida defesa dos valores democráticos por associações de magistrados e o assédio judicial cometido contra os jornalistas. Aqui, o golpe e o “sequestro do sistema de justiça” podem ser denunciados. Estranhamente, o articulista não associa os historiadores aos jornalistas, mas sim aos juízes, invertendo completamente a lógica mais elementar. São os juízes que estão recorrendo a estratagemas e brechas do sistema legal para cassar, na prática (como diz o próprio Magnoli) os direitos dos jornalistas. Se pode admitir isso nesse caso, por que não consegue concordar com aqueles que denunciam que, “na prática”, o que se assiste é à produção lenta e gradual de um golpe contra a democracia? Ao preferir xingar, acusar e desqualificar, juntando desiguais sob o signo de comportamentos deploráveis, o colunista se aproxima – ele sim – mais dos juízes que de seus colegas jornalistas.

O que, na manifestação dos Historiadores pela Democracia teria incomodado tanto os autores desses dois textos e seus patrões? A pista está nos títulos. O lugar que todos nós ocupamos na história não está nas mãos dos historiadores, nem terão esses profissionais uma só verdade sobre ela, como já expliquei. Como são partidários de uma história unívoca e “verdadeira”, temem que a narrativa histórica não lhes faça “justiça”. Historiadores do presente e do futuro certamente lerão os documentos produzidos ao longo desse processo e poderão mostrar, com base neles, as forças atuantes, seus protagonistas, os vencedores e vencidos, e aqueles que ficaram em cima do muro. Todos nós temos um lugar – e aqueles que lutaram pela pluralidade e pela diversidade poderão estar juntos, mesmo sendo diferentes. O nome disso é democracia.

Os que usam malabarismos retóricos para criminalizar os que não pensam como eles estão fora deste campo. Ao imaginar uma quadrilha, usar neologismos pejorativos e maiúsculas generalistas, imputam ao outro unicidades que buscam apenas intimidar. Certamente exageros e figuras de linguagem fazem parte da disputa de ideias e argumentos. Mas nesses textos há mais que isso. A história tem exemplos dolorosos desse tipo de comportamento – basta lembrar textos e atitudes de alguns jornalistas, militantes e intelectuais da Alemanha ou da Itália nos anos 1930. O nome disso é fascismo.

(o post Contradança: réplicas às críticas ao movimento historiadores pela democracia foi atualizado com respostas às novas críticas ao movimento; clique na imagem para ver o vídeo manifesto)

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Contradança: réplicas às críticas ao movimento historiadores pela democracia

Este post vai para o tumblr Historiadores Pela Democracia com todos os textos em resposta ao editorial do Estadão de 14 de junho, O Lugar de Dilma na História, e ao artigo de Demétrio Magnoli, “Formação de Quadrilha”, publicado na Folha de São Paulo, em 25 de junho de 2016.

Convidamos Magnoli a vir dançar a quadrilha da democracia foi o título da réplica de Hebe Mattos, publicada na Folha de São Paulo em 27/6 e O ofício do historiador e os formadores de quadrilha, o título do texto resposta de Silvia Lara, a ambos os artigos, publicado na mesma data, no VIOMUNDO. 

João José Reis também respondeu Magnoli, em email coletivo, depois disponibilzado no perfil do facebook de Ana Flávia Magalhães Pinto.

“O historiador indaga o passado, formulando hipóteses que orientam a investigação e reconstrução da trama dos eventos.”
Demétrio Magnoli, Folha de São Paulo, 25/06/2016

“Um dos métodos de trabalho mais usados pelo historiador se assemelha ao de uma investigação policial: começamos com hipóteses (ou “suspeitas”) e vamos aos documentos em busca de provas para confirmá-las, ou não. A hipótese que muitos de nós — não apenas nós, é claro! — vínhamos sugerindo há alguns meses era a de que um golpe estava sendo gerado e que culminou com a abertura do processo de seu impedimento naquela lamentável sessão da Câmara dos Deputados, e chefiado por quem!

Ora, com as gravações desse Sérgio Machado, temos o que chamamos de fonte segura a comprovar a hipótese do golpe, está tudo lá, explicadinho. Espera-se que a Justiça, cujos métodos de trabalho se assemelham aos dos historiadores, começará, pelo menos, a considerar a hipótese do golpe, avançando na coleta de provas e decidindo de acordo com elas.”

João José Reis, do grupo Historiadores pela democracia, no vídeo manifesto de 6/6/2016.

Também as falas públicas no Alvorada, de Hebe Mattos, Tania Bessone (representando a diretoria da ANPUH Nacional), Wlamyra Albuquerque, Dulce Pandolfi e da própria Presidenta Dilma Rousseff, são respostas prévias aos ataques que não as ouviram ou citaram.  O vídeo #Historiadores Pela Democracia, de menos de 10 minutos, com legendas em inglês, faz uma boa e emocionada síntese daquele momento histórico. Confiram.
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Mais historiadores, pela democracia, escreveram réplicas às críticas ao movimento.

Keila Grinberg, com Hebe Mattos e Martha Abreu, 14/6/2016 Mais respeito com a biografia dos outros, pessoal. e em 15/6/2016 (carta maior), com pequenas variações,  Mais respeito coma biografia dos outros, pessoal.
Alexandre Moraes, 15/6/2016, Quem tem medo da História? 
Historiadoras e Historiadores matriculados no Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), 22/6/2016, O medo do Estadão: a disputa pela história e pela memória em mais um golpe contra a democracia.
Clovis Gruner e Murilo Cleto, 28/6/2016, A história como exercício democrático

Os textos de Hebe e Silvia já circularam muito, mas vão aqui mais uma vez reproduzidos.

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Convidamos Mangnoli a vir dançar a quadrilha da democracia/ Hebe Mattos

Em tempos de festa junina, Demétrio Magnoli acusa o movimento Historiadores Pela Democracia de “formação de quadrilha”, em texto publicado na Folha em 25/6.

O artigo começa com o meu nome, honrando-me com a companhia de renomadíssimos colegas de ofício que, estando no exterior, só puderam participar da iniciativa com depoimentos em vídeo ou por escrito.

Esses e outros depoimentos e vídeos podem ser consultados no tumblr “Historiadores pela Democracia”. Convido todos a fazerem isso.

Como não é historiador, Demétrio Magnoli não consultou tais documentos. Se o fez, omite isso, mas ainda assim afirma que nossa iniciativa “viola os princípios que regem o ofício do historiador”, que temos “vocação totalitária” e que queremos escrever versão da história útil para o “Partido”, com P maiúsculo.

Como já tive oportunidade de escrever no blog “Conversa de historiadoras”, sobre editorial de teor semelhante publicado no jornal “O Estado de S. Paulo”, a utilização desse tipo de lógica maniqueísta por órgãos de imprensa é surpreendente e muito preocupante.

Os depoimentos individuais foram feitos por alguns dos mais importantes historiadores do país, mas também por jovens profissionais e estudantes de história, englobando uma enorme diversidade de orientações políticas, bem como de escolas historiográficas e teóricas.

Juntos, formam uma narrativa polifônica e plural, que vem se somar ao alentado movimento da sociedade civil em defesa da Constituição de 1988 e de resistência ao governo interino, ao programa que tem desenvolvido sem o amparo das urnas e à forma como chegou ao poder.

Em comum, têm a preocupação com os sentidos republicanos e democráticos da ordem política brasileira, ameaçados desde a votação da Câmara dos Deputados de 17 de abril, de triste memória.

“A Força do Passado” é o título do arquivo de textos do tumblr, com exercícios de história imediata publicados ao longo dos últimos meses, que servirão de base para a organização de um livro.

A tese de que há um golpe branco em andamento, como reação conservadora às mudanças da sociedade brasileira produzidas desde a adoção da Constituição de 1988, é hipótese que defendo, junto a outros colegas e, por enquanto, inspirou o título da coletânea.

Para os que discordam que um golpe branco à democracia brasileira está em curso, basta escolher dialogar com alguns dos muitos e diferenciados argumentos dos depoimentos e textos arquivados no tumblr “Historiadores pela Democracia”. As autorias individuais estão bem assinaladas e os autores têm tradição democrática.

Por fim, para não parecer que só tenho discordância com o artigo de Magnoli, gostaria de me solidarizar com a sua defesa dos cinco jornalistas da “Gazeta do Povo” processados por juízes paranaenses.

Quanto ao título do seu artigo, não pretendemos processá-lo, e aqui falo pelos colegas citados. Temos certeza de que eram as festas juninas que Magnoli tinha em mente quando falou em formação de quadrilha.

Nós o convidamos a deixar de lado o maniqueísmo e o discurso de intolerância e a vir dançar conosco a quadrilha da democracia.

(texto reproduzido na página da diretoria da ANPUH Nacional no facebook)

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O ofício do historiador e os formadores de quadrilha  

Silvia Hunold Lara/ Historiadora, pela democracia

Nos últimos meses, um grupo de historiadores decidiu se manifestar publicamente em defesa da democracia. Fazendo uso de meios de comunicação alternativos, criou nas redes sociais o grupo Historiadores pela Democracia, produziu vídeos e textos, além de um manifesto em defesa do governo legítimo que está sendo deposto por meio de um golpe. Há ali gente de tendências diversas, tanto do ponto de vista político como profissional. O que os une é a certeza de que o Legislativo e o Judiciário, com apoio dos grandes meios de comunicação, associaram-se para afastar do poder a presidente democraticamente eleita que, apesar da crise e de vários erros (incluindo relações ambíguas com corruptos), vinha se mantendo na defesa de direitos básicos estabelecidos na Constituição.

Em 7 de junho, uma parte desse grupo foi ao Alvorada, prestar sua solidariedade a Dilma Rousseff, afastada da presidência sob a alegação de ter cometido “crimes de responsabilidade” que, aliás, também foram praticados por seus antecessores e por vários governadores e prefeitos. O Legislativo fez uso de mecanismos constitucionais e o Judiciário estabeleceu o ritual do processo. A aparente legalidade não esconde, entretanto, o golpe articulado por forças retrógradas que se instalaram no poder e esforçam-se por dar uma guinada ultra liberal na economia, diminuir conquistas dos trabalhadores, limitar políticas sociais e restringir direitos humanos.

Os historiadores não foram os primeiros nem os únicos profissionais a se manifestar, nem a denunciar o golpe em curso. Mas chamaram a atenção de dois dos principais jornais do sudeste brasileiro: um publicou um editorial agressivo contestando a qualidade profissional dos participantes do grupo (“O lugar de Dilma na história”. O Estado de São Paulo, 14/06/16), e o outro um artigo, assinado por um de seus articulistas habituais, criminalizando o movimento (Demétrio Magnoli, “Formação de Quadrilha”. Folha de São Paulo, 25/06/16).

Ambos têm uma ideia bem tacanha do que seja o ofício do historiador. O primeiro afirma que o papel da história é “o de reconstituir o passado para entender o que somos no presente”. O segundo diz que “o historiador indaga o passado, formulando hipóteses que orientam a investigação e reconstrução da trama dos eventos”. Pois aí está o problema: o papel do historiador nunca foi o de “reconstituir” o passado. Analisando os documentos produzidos pelos diversos sujeitos que participam de um acontecimento ou fazem parte da sociedade, nós interpretamos o passado, procurando explicá-lo. Essa explicação nunca é unívoca, posto que deve compreender as diversas forças que produziram os “fatos”. Nem tampouco é singular: a história – como aprendem os alunos desde o primeiro ano do curso – não se escreve com verbos regulares e, geralmente, usa o plural. Isso acontece com o passado histórico que, pela sua própria natureza, como o presente, é prenhe de tensões e vozes dissonantes. O mesmo se dá com o trabalho dos historiadores, que só se realiza no diálogo com interpretações e explicações diversas. Ao supor a unicidade da história e dos profissionais que denunciam o golpe, os dois jornalistas produzem um efeito de verdade muito útil para a defesa de suas posições.

O Estado de São Paulo acusa os Historiadores pela Democracia de serem “intelectuais a serviço de partidos que se dizem revolucionários”, registrando que todos aqueles profissionais estão a serviço do “lulopetismo”. O articulista da Folha de São Paulo os coloca como militantes de um Partido totalitário. O primeiro recorre a um neologismo depreciativo. Ele faz par com outros, mais recentes, como “esquerdopata”, “petralha”, “feminazi”. São substantivos coletivos que servem claramente para desqualificar todos os que não pensam como o emissor do discurso. O uso varia conforme a ênfase que se queira dar: contra uma opção político-partidária, contra os que defendem princípios democráticos e/ou libertários ou os direitos das mulheres e de outras minorias. Como se em cada um desses registros só coubesse uma forma única de ser e de pensar. O tratamento coletivo e pejorativo serve, assim, a uma visão incapaz de abarcar a pluralidade. O mesmo acontece quando se tenta explicar que a atitude desses historiadores estaria sendo conduzida por um Partido, com “P” maiúsculo. Tal fantasmagoria só revela a completa ignorância do colunista em relação à diversidade de posições desses profissionais da área de História – alguns dos mais competentes e destacados, no Brasil e no exterior.

Além de associar dessemelhantes, o colunista da Folha acusa os Historiadores pela Democracia de possuírem “alinhamento ideológico” próximo ao “alinhamento corporativo” dos juízes do Paraná que tiveram seus salários divulgados em uma reportagem. Como se trata de um atentado contra a liberdade de imprensa, ele analisa contradições entre a pretendida defesa dos valores democráticos por associações de magistrados e o assédio judicial cometido contra os jornalistas. Aqui, o golpe e o “sequestro do sistema de justiça” podem ser denunciados. Estranhamente, o articulista não associa os historiadores aos jornalistas, mas sim aos juízes, invertendo completamente a lógica mais elementar. São os juízes que estão recorrendo a estratagemas e brechas do sistema legal para cassar, na prática (como diz o próprio Magnoli) os direitos dos jornalistas. Se pode admitir isso nesse caso, por que não consegue concordar com aqueles que denunciam que, “na prática”, o que se assiste é à produção lenta e gradual de um golpe contra a democracia? Ao preferir xingar, acusar e desqualificar, juntando desiguais sob o signo de comportamentos deploráveis, o colunista se aproxima – ele sim – mais dos juízes que de seus colegas jornalistas.

O que, na manifestação dos Historiadores pela Democracia teria incomodado tanto os autores desses dois textos e seus patrões? A pista está nos títulos. O lugar que todos nós ocupamos na história não está nas mãos dos historiadores, nem terão esses profissionais uma só verdade sobre ela, como já expliquei. Como são partidários de uma história unívoca e “verdadeira”, temem que a narrativa histórica não lhes faça “justiça”. Historiadores do presente e do futuro certamente lerão os documentos produzidos ao longo desse processo e poderão mostrar, com base neles, as forças atuantes, seus protagonistas, os vencedores e vencidos, e aqueles que ficaram em cima do muro. Todos nós temos um lugar – e aqueles que lutaram pela pluralidade e pela diversidade poderão estar juntos, mesmo sendo diferentes. O nome disso é democracia.

Os que usam malabarismos retóricos para criminalizar os que não pensam como eles estão fora deste campo. Ao imaginar uma quadrilha, usar neologismos pejorativos e maiúsculas generalistas, imputam ao outro unicidades que buscam apenas intimidar. Certamente exageros e figuras de linguagem fazem parte da disputa de ideias e argumentos. Mas nesses textos há mais que isso. A história tem exemplos dolorosos desse tipo de comportamento – basta lembrar textos e atitudes de alguns jornalistas, militantes e intelectuais da Alemanha ou da Itália nos anos 1930. O nome disso é fascismo.

(versão arquivada em 26/6/2016 na Biblioteca do Blog)

#HistoriadoresPelaDemocracia

 

 

 

 

 

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A força do passado e os editorialistas do Estadão

A internet e as redes sociais, com destaque para o facebook, tornaram-se um poderoso espaço de formação de opinião no Brasil. As chamadas “memórias” do face me fizeram revisitar um publicação minha de 19 de junho de 2013, sobre o “Anonymous Brasil”, “perfil” extremamente ativo durante as chamadas jornadas de junho de 2013.

“Os post do Anonymous Brasil são simplesmente um horror. …Por que o anonimato? Por que o chamado de tom moral com a palavra de ordem fascista “sem bandeiras partidárias” e “sem ideologia”? Mas, principalmente, por que tantos que não concordam com essa pauta (política e partidária, obviamente) compartilham seus conteúdos? 

Em 2 de julho daquele ano, quando a Copa das Confederações finalmente terminava, eu refletia:

Fim da Copa das Confederações. A democracia passou no teste. Ufa!  … A chamada crise da representação existe em diversos níveis e é em alguma medida mundial. Quero, entretanto, manifestar meu incômodo, com uma certa cultura política de fundo autoritário, que tem predominado nas redes sociais, tanto à esquerda, quanto à direita. Ela apresenta o adversário político, em geral bem eleito, muitas vezes em pleito majoritário, como um ser amoral, oportunista, muitas vezes simplesmente perverso (seus eleitores também o são ou então são ignorantes e manipulados). A tentação autoritária desse tipo de discurso é evidente, mas felizmente, com algumas exceções assustadoras, parece reduzida à dimensão retórica, para ser lida apenas por aqueles que já concordavam antes com quem escreve. Felizmente, ao fim das contas, a polifonia das ruas ficou bem estabelecida. … O fisiologismo foi para o corner. A crise de crescimento nas grandes cidades está no centro dos debates. Vamos ver se haverá reforma política. ..

Não tivemos reforma política, o fisiologismo saiu do corner e a democracia e a constituição de 1988 estão sob ataque. As tentações autoritárias venceram?

Textos publicados neste blog analisando a escalada fascistizante e reacionária que, desde então, se desenvolveu no país, atingindo inclusive os veículos tradicionais da chamada grande imprensa, estão na origem do movimento historiadores pela democracia. Esses textos e outros exercícios de história imediata estão sendo reunidos no tumblr do grupo, sob o título A Força do Passado.  A ideia é tomá-los como base para organizar um livro coletânea de mesmo título. No tumblr, o objetivo é conseguir reunir o conjunto mais amplo possível de reflexões de historiadores sobre a atual crise política brasileira, que se somam aos vídeos de depoimentos, ao vídeo manifesto e  ao registro completo do encontro de mais de 40 historiadores com a Presidenta afastada, na tarde do dia 7 de junho de 2016.

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O evento no Palácio da Alvorada foi precedido de um debate na Universidade de Brasília. Uma edição desse debate, com cerca de 7 minutos, acaba de ser concluída, destacando a preocupação dos presentes com a manutenção dos direitos garantidos pela constituição de 1988. Foi essa preocupação que orientou a iniciativa de organizar os debates “Historiadores Pela Democracia: Por um Brasil com Direitos”, ocorridos em todo o país, nos dias 16 e 17 de junho.

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No Rio de Janeiro, o painel “O Movimento Escola Sem Partido e o Direito à Diversidade Cultural”, na Casa de Rui Barbosa, com Ivana Lima, Hebe Mattos, Fernando Penna, Mônica Lima, Francisco Carlos Teixeira da Silva, Henrique Estrada, Ildeu de Castro Moreira, e mediado por Ângela de Castro Gomes, foi transmitido ao vivo e reuniu mais de 300 pessoas. O vídeo com a edição do debate da UNB foi apresentado no evento. O registro integral estará brevemente disponível no canal da instituição no youtube.

Toda essa movimentação reunindo alguns dos mais importantes historiadores do Brasil e do exterior, englobando uma enorme diversidade de escolas historiográficas e orientações teóricas, não mereceu sequer uma linha nos chamados grandes jornais brasileiros. Esta tem sido a regra predominante para quase todo o alentado movimento da sociedade civil de resistência ao governo interino e à forma como chegou ao poder.

Apesar disso, o movimento historiadores pela democracia tornou-se alvo de um editorial raivoso de “O Estado de São Paulo”, que acusava os historiadores em visita ao Palácio da Alvorada de “estar a serviço de partidos” e de desprezar aquilo que tinham ido homenagear: o estado democrático de direito e a Presidenta  legítima, eleita por 54 milhões de votos, Dilma Rousseff. No ataque desferido, o texto do editorial reduz os intelectuais que participaram do movimento ao anonimato,  enquadrando-os, como “lulopetistas”, no discurso de ódio que tenta legitimar o impedimento da Presidenta. A pluralidade de orientações teóricas e políticas dos historiadores que se engajaram no movimento, sua relevância intelectual nos diversos campos de atuação em que se inserem, a defesa comum dos sentidos republicanos e democráticos da ordem política brasileira, bem como a preocupação com o crescimento da intolerância e do discurso de ódio no país, essenciais ao vídeo manifesto veiculado, foram simplesmente ignorados.

Vivemos tempos sombrios. Intelectuais transformados em “não notícia” por decisão editorial podem tornar-se alvo de editoriais que não citam seus nomes. Um texto sem assinatura, representando uma entidade corporativa, O Jornal O Estado de São Paulo, desfere ataque absolutamente maniqueísta contra supostos “lulopetistas” igualmente anônimos. Os autores desconhecidos do editorial escolheram o texto coletivo do manifesto como base da crítica,  fingindo ignorar o vídeo síntese que lhe deu origem, construído como narrativa polifônica a partir de mais de 80 depoimentos, onde as autorias individuais estão bem evidenciadas. Citam, retiradas do contexto, como exemplo de “má fé” ou de “lulopetismo”, frases de Sidney Chalhoub, da Universidade de Harvard, de Martha Abreu, da UFF e de Iris Kantor, da USP, sem qualquer referência.

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O ataque fascista à UNB ocorrido na semana passada e o editorial do Estadão contra o movimento historiadores pela democracia são faces de uma mesma e assustadora moeda. Como bem disse a Presidenta Dilma, ultrapassaram a fronteira do Estado de Exceção. Repito, aqui, frase de Heloisa Starling, destacada no vídeo manifesto: Nós vamos mesmo abrir mão dos princípios das sociedades republicanas, princípios baseados na liberdade e na igualdade? 

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Para concluir, convido todos a assistir, já com legendas em inglês, uma pequena edição das falas públicas no encontro dos historiadores pela democracia com a Presidenta Dilma Rousseff, no Palácio da Alvorada (9 minutos). Foi um momento emocionante. Um dia para ficar na história.

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Não dialogamos com Governo golpista, patriarcal e ilegítimo

Confira o Tumblr Historiadores Pela Democracia para ter acesso às resoluções do encontro Historiadores Pela Democracia, realizado na UNB no dia 7 de junho, e ao registro audiovisual do encontro de historiadores com a Presidenta Dilma Rousseff, no mesmo dia, no Palácio da Alvorada.

No Alvorada, encontraram-se com a Presidenta alguns dos principais historiadores brasileiros. Entre eles, especialistas em todas as áreas da disciplina, com ênfase na história do Brasil e da América Latina, na história do tempo presente e, não por acaso, na história da escravidão no Brasil e das heranças e traumas que nos foram legados por este passado. São muitos os historiadores que vão buscar a raiz da crise atual na nossa formação colonial e escravocrata, que fez da lógica do privilégio base da cultura política brasileira. Tânia Bessone, da UERJ, representou a diretoria da Associação Nacional de História e James Green, da Universidade de Brown, nos Estados Unidos, também estava entre os presentes.

Dilma Rousseff abriu o encontro com uma fala em defesa da democracia de cerca de meia hora realmente memorável. O encontro no Alvorada foi ao ar ao vivo e foi registrado também pela Mídia Ninja. Durante as falas dos historiadores, foi entregue a Presidenta a serigrafia em tela “#Democracia” . Depois da cerimônia, Dilma confraternizou com todo o grupo e conversou longamente com James Green sobre o livro que ele lançará em breve, uma biografia de Herbert Daniel, pioneiro da luta LGBT no Brasil, que foi amigo pessoal da Presidenta.

Como desdobramento do encontro, convidamos todos para o Debate sobre o movimento “Escola sem Partido” e o direito à diversidade cultural,  que vai se realizar no dia 17 de Junho de 2016, às 15:30, no Auditório da Fundação Casa de Rui Barbosa, como  atividade da mobilização nacional do grupo Historiadores Pela Democracia: por um Brasil com direitos, prevista para os dias 16 e 17 de junho.

Publicamos, a seguir, a Carta de Renúncia ao Conselho Nacional de Direitos da Mulher apresentada por importantes organizações de mulheres e Conselheiras de notório saber. Elas nos representam.

Não dialogamos com Governo golpista, patriarcal e ilegítimo

Nós, representantes da Articulação de Mulheres Brasileiras/AMB, Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras/AMNB, da Marcha Mundial das Mulheres/MMM, da Rede Mulher e Mídia/RMM; da Rede Economia e Feminismo/REF e as Conselheiras de Notório Conhecimento das questões de Gênero, Maria Betânia de Melo Ávila, Matilde Ribeiro, integrantes do CNDM – Conselho Nacional dos Direitos da Mulher vimos anunciar nossa RENÚNCIA ao mandato de Conselheira, pelos motivos abaixo expressados.

Não reconhecemos o governo provisório por considera-lo ilegítimo, resultado de uma coalizão de forças políticas que chega ao poder por meio de um golpe parlamentar-jurídico-midiático, levando ao afastamento temporário da Presidenta Dilma, eleita pelo voto popular, configurando um ataque à institucionalidade democrática;

Desde que assumiu o poder, este governo interino e ilegítimo vem cumprindo um programa ultraliberal, que requenta boa parte do programa eleitoral da coalizão derrotada nas últimas eleições presidenciais, e promove, de maneira ilegítima, mudanças ministeriais que representam uma brutal desestruturação de políticas públicas voltadas para a garantia de direitos, sinalizando o aprofundamento de retrocessos nas políticas de educação, seguridade social, de promoção da igualdade racial e nas políticas públicas para as mulheres, começando pelo desmonte da rede de enfrentamento à violência contra as mulheres;

O governo interino e ilegítimo colocou no primeiro escalão do poder executivo, somente ministros homens e brancos, de partidos da coalizão golpista, muitos dos quais envolvidos em esquemas de corrupção e com posições marcadamente contrárias ao avanço dos direitos humanos e do desenvolvimento do País, assim como, a ameaça ao Estado Democrático de Direito. E para completar, não só acabou com o Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, como transferiu para o Ministério da Justiça as atribuições da Secretaria de Políticas para as Mulheres e nomeou para a pasta uma pessoa com postura contrária aos direitos sexuais e reprodutivos, agenda historicamente defendida pelas feministas.

Soma-se a tantos descalabros deste governo golpista, a tentativa de criminalização dos movimentos sociais e a utilização do aparato repressivo do estado, para reprimir qualquer manifestação organizada, quando o intuito é o de resistir e desmascarar a farsa do impeachment sem crime de responsabilidade, praticando repressão violenta contra as manifestações populares rememorando os tempos da ditadura militar.

Não reconhecemos este Governo e, portanto, com ele não dialogaremos. Acreditamos que a participação nos conselhos de controle social tem como objetivo primordial democratizar o Estado e avançar na garantia de direitos. Em um governo instituído pelo desrespeito à Constituição e ao voto popular e, portanto, à institucionalidade democrática, não existe possibilidade de diálogo.

Não renunciaremos à luta em defesa da Democracia. Permaneceremos nas ruas contra o golpe do impeachment, defendendo a continuidade do mandato da Presidenta Dilma Roussef e com ela retornaremos após derrotarmos o golpismo, comprometidas com um programa de avanço na implementação dos direitos das mulheres.

Estaremos nas ruas, contra a direita, pelos direitos. Golpistas, não passarão! Fora Temer!

Brasília, 06 de junho de 2016.

Conselheiras:
Schuma Schumaher – Articulação de Mulheres Brasileiras – AMB
Josanira Rosa Santos da Luz – Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras – AMNB
Lourdes Andrade Simões -*Marcha Mundial das Mulheres – MMM*
Maria Betânia de Melo Ávila – Notório Conhecimento das questões de Gênero
Matilde Ribeiro – Notório Conhecimento das questões de Gênero
Rachel Moreno – Rede Mulher e Mídia – RMM
Sarah Luiza de Souza Moreira – Rede Economia e Feminismo -REF

Também nos dias 16 e 17 de junho, o Grupo de Estudos e Pesquisas Intelectuais Negras (GIN-UFRJ), coordenado por Giovana Xavier, historiadora do blog, promove o I Seminário Intelectuais Negras e escritas de si, um espaço ativista acadêmico que objetiva conferir visibilidade ao protagonismo de mulheres negras na história do Brasil. A programação, comprometida com o enfrentamento ao racismo, ao machismo e à transfobia, é composta por uma mesa solene, uma para apresentação do trabalho do grupo e três rodas de saberes, estruturadas a partir de três eixos: racialização do cuidado, movimentos sociais e protagonismo acadêmico. Para maiores informações visitem a página do evento no Facebook:

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Debate sobre o movimento “Escola sem Partido” e o direito à diversidade cultural
17 de Junho de 2016. 15:30 – Auditório
Fundação Casa de Rui Barbosa
Rua São Clemente, 134, Botafogo

O encontro é promovido pelo grupo Historiadores pela democracia, pela Anpuh Brasil, por professores e pesquisadores das seguintes instituições: Fundação Casa de Rui Barbosa, Casa de Oswaldo Cruz, UFRJ, UFRRJ, UFF, Unirio, PUC-Rio, UERJ, CPDOC, Sociedade Brasileira de História da Ciência (SBHC), MAST, SBPC.

Ivana Stolze Lima (FCRB) (mediação)
Hebe Mattos (UFF)
Henrique Estrada (PUC-Rio)
Fernando Penna (UFF)
Monica Lima (UFRJ)
Ildeu de Castro Moreira (UFRJ e SBPC)
Francisco Carlos Teixeira da Silva (UFRJ)
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Com a Presidenta, pela democracia!

Dezenas de vídeos gravados por historiadores de todo o Brasil, com mensagens à Presidenta Dilma Rousseff e em defesa da democracia, estão disponíveis no grupo do facebook Historiadores pela Democracia. Alguns dos mais experientes profissionais do nosso ofício, professores universitários e jovens profissionais do ensino reunidos em uma verdadeira aula de história. Nós disponibilizamos os vídeos também aqui no blog. Os depoimentos são emocionantes e esclarecedores.

Aproveitamos também para divulgar o Encontro de Historiadores Pela Democracia com a Presidenta Dilma Rousseff que ocorrerá no próximo dia 7 de junho no Palácio da Alvorada, agendado para às 15 horas, organizado por iniciativa do BLOG, sob a coordenação de Hebe Mattos, Ana Flávia Magalhães Pinto, Beatriz Mamigonian (UFSC) e Tiago Gil (UNB). Cerca de 50 historiadores de todo o país,  entre eles a Vice-Presidente da Associação Nacional de História, Lucília de Almeida Neves, e James Green, brasilianista da Universidade de Brown, nos Estados Unidos, se encontrarão com a Presidenta e lhe entregarão um vídeo/síntese do conjunto de depoimentos.

Pela manhã, no mesmo dia, convidamos a todos que estiverem em Brasília, para um debate sobre história e democracia com os participantes do encontro, a partir das 10 horas, no auditório da Biblioteca Central da UNB (Universidade de Brasília). Divulgaremos em breve, aqui no blog, a programação detalhada do evento, com a lista completa dos participantes.

Historiadores pela Democracia (clique no nome para ver o vídeo)

MANIFESTAÇÃO DA ANPUH NACIONAL CONTRA VOTAÇÃO DO IMPEACHMENT NA CÂMARA DOS DEPUTADOS

Leitura da moção da LASA repudiando o processo anti-democrático em curso no Brasil, LASA,  Latin American Studies Association, Nova York, 2016

James Green/  Brown University   e Leitura da moção da LASA repudiando o processo anti-democrático em curso no Brasil, LASA,  Latin American Studies Association, Nova York, 2016.

Laura de Mello e Souza/ Cátedra de História do Brasil/ Université Sorbonne_Paris IV

Sidney Chalhoub/ (por e-mail)/ Querida Presidenta Dilma, O Brasil não inventou o golpe “legal”, mas em nosso país a farsa é mais profunda e descarada. Um legislativo venal e um judiciário partidarizado insistem em cassar 54 milhões de votos. O golpe representa a força do passado na sociedade brasileira. As suas bandeiras são o privilégio de classe, a misoginia, o racismo e a corrupção. Resistir é afirmar os valores da democracia e da justiça social. Por isso seguiremos o seu exemplo: enquanto houver golpe, haverá resistência. Sidney Chalhoub, Professor de História do Brasil, Harvard University.

Claudia Viscardi/ Professora Titular do Departamento de História da UFJF

Durval Muniz de Albuquerque Jr/ Professor Titular da UFRGN

Gizlene Neder/ Professora Titular da UFF

Hebe Mattos/ Professora Titular de História do Brasil da UFF/ Blog Conversa de Historiadoras

Heloísa Starling/ Professora Titular da UFMG

Isabel Lustosa/ Casa de Rui Barbosa

Joana Maria Pedro/ Professora Titular da UFSC

João Fragoso/ Professor Titular da UFRJ

João Reis/ Professor Titular da UFBA // (por e-mail) // Bom dia Sra Presidenta! Me chamo João Reis, sou professor da UFBA, e me encontro no momento em Berlim a pesquisar, escrever, a acompanhar em estado de tensão (mas não desanimado) os acontecimentos recentes no Brasil. Brasil que, visto por grande parte da imprensa internacional relevante, sofreu um golpe de Estado. Presidenta, um dos métodos de trabalho mais usados pelo historiador se assemelha ao de uma investigação policial: começamos com hipóteses (ou “suspeitas”) e vamos aos documentos em busca de provas para confirmá-las ou não. A hipótese que muitos de nós – não apenas nós, é claro! – vínhamos sugerindo há alguns meses era a de que um golpe estava sendo gerado e que culminou com a abertura do processo de seu impedimento naquela lamentável sessão ca Câmara dos Deputados, e chefiado por quem!. Ora, com as gravações desse Sérgio Machado, temos o que chamamos de fonte segura a comprovar a hipótese do golpe, está tudo lá explicadinho. Espera-se a Justiça, cujos métodos de trabalho se assemelham ao dos historiadores, começará, pelo menos, a considerar a hipótese do golpe, avançando na coleta de provas e decidindo de acordo com elas. Um abraço, Sra. Presidenta!

Jurandir Malerba/ Professor no PPGH (Programa de Pós-Graduação em História) da UFRGS

Lilia Schwarcz/ Professora TItular de Antropologia da USP

Luiz Carlos Soares/ Professor Titular de História Moderna e Contemporânea da UFF

Marcus Carvalho/ Professor Titular da UFPE

Martha Abreu/ Professora Titular da UFF/Blog Conversa de Historiadoras

Regina Horta Duarte/ Professora Titular de História do Brasil da UFMG

Tom Gil/ Professor Titular de História da América Latina da UFES

Adriana Facina/Historiadora e Antropóloga do Museu Nacional/UFRJ

Alexandre Moraes/ Departamento de História da UFF

Alexsander Gebara / Professor Associado de História da África da UFF

Américo Freire/ CPDOC/FGV/Rio de Janeiro

Ana Flávia Magalhães Pinto / Doutora em História pela UNICAMP/ Blog Conversa de Historiadoras

Ana Flavia Ramos/ Departamento de História da Universidade Federal de Urbelância

André Honor/ Professor de História da UNB

Andrea Casa Nova Maia/ Professora do Instituto de História da UFRJ

Andréa Lisly/ Departamento de História da UFOP

Anita Almeida/ Departamento de História da UNIRIO

Anita Lucchesi/ Doutoranda Universidade de Luxemburgo

Anna Gicelle Garcia Alaniz/ Doutora em História pela USP

Artur Costa/ Mestrando em História – Universidade Federal de Urbelândia

Beatriz Mamigonian/ Departamento de História da UFSC

Benito Schmidt/ Departamento de História da UFRGS e ex-presidente da ANPUH

Carla Rodeghero/Departamento de História da UFRGS

Carlos Mizael/Professor de História

Caroline Silveira Bauer/ Departamento de História da UFRGS

Cecilia Azevedo/ PPGH da Universidade Federal Fluminense

Célia Tavares/ Faculdade de Formação de Professores da UERJ

Claudio Batalha/Departamento de História da UNICAMP

Cristina Scheibe Wolff/ Departamento de História da UFSC

Denilson Botelho/ Departamento de História da UNIFESP

Du Meinberg Maranhão/ Presidente da Associação Brasileira de História das Religiões

Dulce Pandolfi/CPDOC/FGV/Rio de Janeiro

Fabiane Popinigis/ Departamento de História da UFRRJ

Fernando Nicolazzi/ Departamento de História da UFRGS

Fernando Teixeira da Silva/ Departamento de História da UNICAMP

Flávio Limoncic/ Departamento de História da UNIRIO

Francisco Carlos Palomanes Martinho/ Professor Associado do Departamento de História da USP

George Cabral/ Departamento de História da UFPE

Giovana Xavier/Professora de História (Prática de Ensino) da Faculdade de Educação UFRJ/ Blog Preta Dotara na Primeira Pessoa/ Blog Conversa de Historiadoras

Isabel Guillen/ Departamento de História da UFPE

Iris Kantor/ Departamento de História da USP

Jaime Rodrigues/ Departamento de História UNIFESP

Juarez Silva Jr./ Ativista do Movimento Negro e Mestrando em História Social pela Universidade Federal do Amazonas (nessa ordem)

Juliana Gesuelli Meirelles/ Historiadora e Professora da PUC Campinas

Julio Claudio da Silva/ Departamento de História da UEA

Kátia Gerab Baggio/ Departamento de História na UFMG

Keila Grinberg/ Departamento de História da UNIRIO/Blog Conversa de Historiadoras

Laura Oliveira/ Departamento de História da UFBA

Leandro N. de Souza/ Doutorando em história social pela UFF

Leila Bianchi Aguiar/Departamento de História da UNIRIO

Lise Sedrez/ Professora no Instituto de História da UFRJ

Luís Eduardo de Oliveira/ Professor de História/ IFES Juiz de Fora

Luiz Alberto Grijó/ Departamento de História da UFRGS

Luiz Carlos Villalta/ Departamento de História da UFMG

Manoela Pedroza/ Professora no Instituto de História da UFRJ

Márcia Chuva/ Departamento de História da UNIRIO

Maria Regina Celestino de Almeida/ Departamento de História da UFF

Mariana Muaze/ Departamento de História da UNIRIO

Monica Lima/ Professora de História da África do Instituto de História da UFRJ/ Blog Conversa de Historiadoras

Nancy Assis/ Professora de História da Universidade Estadual da Bahia (UEB)

Paula Vermeersch/ Professora na Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquista Filho (UNESP)

Paulo Cavalcante/ Departamento de História da UNIRIO

Paulo Pinheiro Machado/ Departamento de História da UFSC

Plínio Ferreira Guimarães/ Professor do Instituto Federal do Espírito Santo

Priscila Faulhaber/ Museu da Astronomia e Ciências Afins

Rafael Ioris/ Professor de História Latino-Americana na Universidade de Denver

Renan Siqueira/ Aluno do Programa de Pós-Graduação em História do Rio de Janeiro

Ricardo Salles/ Departamento de História da UNIRIO

Rodrigo Camargo de Godoi/ Estágio de Pós-Doutoramento em História da UNICAMP

Rodrigo De Azevedo Weimer/ Historiador na Fundação de Economia e Estatística do RGS.

Silvia Petersen/ Professora do PPG da UFRGS (por email) / Prezada Hebe/ Quem escreve é Silvia Regina Ferraz Petersen, professora do Departamento de História da UFRGS e ficaria muito agradecida se pudesses incluir meu nome em todas as manifestações de apoio que estás organizando para a Presidenta Dilma, com tantos   colegas historiadores. Esta mulher forte e honesta tem que conhecer o quanto a estimamos e reconhecemos seu trabalho dedicado para a democratização da sociedade brasileira. Este golpe é uma vergonha! Fica Dilma! / Atenciosamente, Silvia Petersen

Tania Bessone/ Departamento de História da UERJ

Tiago Gil/ Departamento de História da UNB

Wagner Teixeira/ Departamento de História da Universidade Federal do Triângulo Mineiro  e Presidente da ANPUH/MG.

Wilton Silva/ Departamento de História/ UNESP/ Campus Assis.

Yuri Soares/ Professor de História da Secretaria de Educação do Distrito Federal

Wlamyra Albuquerque/ Departamento de História da UFBA

Ivana Lima (Casa de Rui Barbosa), com Alvaro Nascimento (UFRRJ), Gabriela Sampaio (UFBA), Lucilene Reginaldo (UNICAMP); Marcelo Balaban (UNB), Maria Clementina Cunha (UNICAMP), Martha Abreu (UFF), Silvia Lara (UNICAMP)// Fora Temer

“A LASA denuncia o atual processo de impeachment em curso no Brasil como antidemocrática e encoraja os seus membros a chamar a atenção do mundo para os precedentes perigosos que este processo estabelece para toda a região. Esta moção foi aprovada pelo comitê executivo da Associação de Estudos Latino Americanos e agora será votado por seus membros em um plebiscito.” Vídeo Midia Ninja com James Green – Universidade de Brown e acadêmicos presentes na LASA, 2016 (Nova York).

Carta de André de Castro de entrega da serigrafia em tela  #Democracia (imagem abaixo) à Presidenta, durante a visita do grupo historiadores pela democracia ao Palácio da Alvorada, em 7 de junho de 2016.

(esta lista será atualizada com as novas ocorrências)

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Os historiadores e a Presidenta (Carta Aberta à Dilma Rousseff)

Rio de Janeiro, 06 de maio de 2016

Querida Presidenta Dilma Rousseff,

Permita-me, por favor, chamá-la de querida. Eu tomo tal liberdade como cidadã indignada com o comportamento misógino de ampla maioria dos deputados da câmara baixa desse país, durante a vergonhosa votação da admissibilidade (sem qualquer base legal) do processo de seu impedimento do cargo de Presidente da República. Neste momento difícil, em que poucos ainda acreditam no espírito democrático da maioria dos senadores, escrevo-lhe, também, como historiadora profissional. Pesquisadora e professora de História do Brasil há mais de 30 anos, a partir da difícil vivência da atual crise política, venho renovando algumas das minhas antigas perguntas sobre o passado brasileiro. A angústia que experimento hoje, ao ver a democracia no Brasil mais uma vez ameaçada, me levou, sobretudo, a reavaliar a força da cultura do privilégio, de fundo patriarcal e escravocrata, no tempo presente da política brasileira.

Depois do dia 17 de abril, de triste memória, a direção da Associação Nacional de História fez uma nota oficial de repúdio à votação da admissibilidade do impeachment, lançando a palavra de ordem, “ditatura e tortura nunca mais“. Desde então, milhares de pesquisadores, no Brasil e no exterior, assinaram manifestos em defesa da democracia e do seu mandato. Apesar da divisão existente em toda a sociedade, com certeza a maior parte da comunidade dos historiadores e de cientistas sociais preocupados com a história percebe o impeachment em curso como uma tentativa de golpe de estado institucional. Muitos têm se manifestado, incansavelmente, em suas páginas nas redes sociais. Tania Bessone sugeriu que o 17 de abril fique instituído como dia da infâmia e data inicial do golpe. Nesta sexta feira triste, em que a Comissão Especial do Senado ratificou o espetáculo de horrores da câmara, achei, por bem, registrar em carta aberta, alguns argumentos históricos que têm sido publicamente enfatizados, em defesa da democracia .

Em primeiro lugar, há o forte argumento de que já estaríamos vivendo um estado de exceção, em que a cultura do ódio disseminada pelos meios de comunicação ocuparia papel central. A premissa é defendida por alguns cientistas sociais. Segundo o pesquisador Laymert Garcia dos Santos:

“Esse tipo de análise foi feito nos anos 20-30, com relação ao modo como foi desestabilizada a República de Weimar, na Alemanha, com a ascensão do nazismo. E foi durante a República de Weimar que a gente viu a implosão das instituições e uma desestabilização que deu, como resultado, o triunfo do enunciado “Viva a morte!” e a “Solução Final” do problema judeu. Uma das características importantes dessa implosão das instituições, nos anos 20-30, na Alemanha, é o modo como os juízes violavam a lei e a Constituição, e é ao que estamos assistindo aqui.”

Sem utilizar o conceito de estado de exceção, também eu, desde 2013, venho preocupada com a semelhança do que estamos vivendo no Brasil com o processo histórico de desqualificação dos governos formados por políticos abolicionistas e libertos, no Sul dos Estados Unidos, depois da guerra civil que aboliu a escravidão naquele país.

Nos Estados Unidos, o período conhecido como “Reconstrução Radical” (1865-1877) foi pioneiro em reconhecer direitos civis e políticos aos ex-escravos tornados livres com a guerra. No entanto, estes direitos retrocederam, devido à eficácia de um discurso construído a partir da manipulação seletiva de uma série de casos de corrupção, segundo o qual toda a ação política dos libertos e o idealismo dos radicais republicanos seriam uma simples fachada para a ação criminosa de um grupo de aventureiros corruptos, que enganavam ex-escravos desinformados. A predominância dessa narrativa resultou na hegemonia da Ku Klux Klan e em leis de segregação racial que durariam até a segunda metade do século XX.

Absolutamente trágicos como fenômenos sociais, os fantasmas do nazismo e da ku klux klan assombram o cotidiano da política brasileira.

O golpe em curso é também reação a mais de uma década de políticas sociais inclusivas. Neste sentido, são comuns, entre os historiadores, as analogias com o golpe de 1964 e outros ocorridos na América Latina da segunda metade do século 20. Como o historiador Rodrigo Patto Sá Motta, especialista no período, estamos, todos, infelizmente, surpresos de ver o Brasil, de novo, a beira do abismo. Mais que simples comparação, procedimento que em história nunca funciona muito bem, tais analogias oferecem uma base empírica para ajudar a pensar e a tentar entender o que está acontecendo hoje. Reproduzo aqui uma postagem recente em sua página pública no facebook, de Carlos Fico, também especialista no período, como exemplo desse exercício de compreensão. Segundo ele,

O golpe de Estado de 1964 teve etapa militar (com tanques dirigindo-se para o Rio de Janeiro no dia 31 de março), parlamentar (com declaração de vacância do cargo de presidente da República pelo Congresso Nacional na madrugada do dia 2 de abril) e jurídico-legal (com a posse do presidente da Câmara na Presidência da República, às 3h30min da manhã do mesmo dia). Essa posse foi sacramentada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, Ribeiro da Costa, que foi acordado às pressas e concordou em participar da farsa (porque Goulart ainda estava no Brasil).

A simples enunciação dos fatos do passado ilumina os riscos e atropelos que vivemos no presente.

Por fim, muitos historiadores evocam períodos mais recuados da nossa história e vão buscar a raiz da crise atual na nossa formação colonial e escravocrata, que teria feito, da lógica do privilégio, base da cultura política brasileira. Considero, porém, e o faço na boa companhia de Sidney Chalhoub, professor na Universidade de Harvard e, como eu, historiador do século 19, que o problema de fundo da cultura política brasileira não é a lógica do privilégio em si, mas a sua manutenção envergonhada, sem a sustentação da moral aristocrática, a partir da independência política e da criação do estado nacional brasileiro.

Em texto denominado “homenagem do vício à virtude” procurei abordar o nascimento do problema. Após a independência, muitos lutaram para que a lei que proibia o tráfico de escravos fosse efetivamente implementada, mas ela se tornou alvo de um vigoroso processo de desobediência civil por parte dos grandes senhores de escravos, por fim consolidado no movimento político conhecido como Regresso, que alcançou o poder em 1837. A hipocrisia generalizada como política de estado nascia ali. Um relatório do Foreign Affairs de Londres relata mais de 4000 escravizados desembarcadas entre Copacabana e a Ilha Grande apenas em janeiro de 1838.  Como os corpos escravizados de africanos nas praias do Rio no século 19, a corrupção endêmica está aí aos olhos de todos, mas boa parte da sociedade brasileira insiste em ignorar. Evocando Machado de Assis e o mesmo período, Sidney Chalhoub escreveu um artigo cheio de ironia sobre a base social e a ideologia do golpe em curso, em que uma assembleia de acusados de corrupção, presidida por um réu, decretou a admissibilidade do impedimento de uma presidente eleita por 54 mihões de votos, contra a qual não há acusação. O texto imaginava historiadoras do futuro lendo o artigo da revista alemã Der Spiegel, de título “A Insurreição dos Hipócritas”, sobre a sessão da câmara baixa brasileira de 17 de abril. O rei está nu.

Querida Presidenta, entre os inúmeros historiadores e cientistas sociais que hoje lutam contra o golpe travestido de impeachment, muitos sempre foram críticos e mesmo opositores ao seu governo. Não é o meu caso. Nunca fui filiada a qualquer partido político, mas, hoje, posso dizer que me tornei “dilmista”, e acho que nós, os dilmistas, somos muito mais numerosos do que as pesquisas conseguem detectar. Fui sua eleitora por duas vezes, Presidenta, com entusiasmo, e, apesar das alianças difíceis, que hoje cobram um preço doloroso, não me decepcionei. Além da minha empatia histórica pela solidão dos governantes de esquerda moderada à frente de economias capitalistas em crise, nos últimos meses só tem crescido a minha admiração por sua coragem e apreço às instituições democráticas. Graças à serenidade e firmeza de sua atitude, entre os muitos cenários sombrios que a crise atual nos evoca, há um que pode ser positivo. A opinião pública internacional denuncia o golpe em curso e jovens secundaristas em luta por suas escolas, no Rio e em São Paulo, trazem esperança de renovação ao coração de todos os democratas. Toda a estrutura da velha corrupção endêmica está, pela primeira vez, de um só lado. A luta está no começo. Esta pode ser a crise terminal da cultura da hipocrisia na política brasileira. Se assim for, sua atitude à frente da Presidência da República terá sido essencial. Se assim não for, mesmo que eles consigam mais uma vez golpear a democracia e cassar o meu voto e o de mais 54 milhões de brasileiros, ainda assim, não tenho dúvidas, passarão à história como hipócritas, corruptos e golpistas. 

Com admiração,  Hebe Mattos

Professora Titular de História do Brasil/ Universidade Federal Fluminense

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A “insurreição dos hipócritas”: base social e ideologia. Sidney Chalhoub

As historiadoras futuras da Bruzundanga haviam passado a semana a matutar sobre cousas que tinham lido a respeito das mulheres daqueles tempos interessantes, vários milênios antes do Apocalipse. Não acabavam de entender o que significavam aquelas palavras: “recatada”, “do lar”, “bela”. Havia também uma matéria enigmática, sobre ataque de nervos ou de histeria de mulher em cargo de poder. Jamais tinham visto tais adjetivos pespegados em pessoas como elas próprias. Não logravam saber ainda o que aquilo tudo significava quando uma delas saltou para trás, ao ler o título de um texto de época: “Aufstand der Scheinheiligen” (Der Spiegel), ou a “insurreição dos hipócritas”. A língua germânica havia desaparecido havia muito, mas sobrevivera a fama de seriedade dos alemães. Por isso espantava aquele título de matéria sobre a votação do impichamento da presidenta da Bruzundanga na câmara baixa do parlamento.

Curiosas por vício do ofício delas, as historiadoras seguiram a pista. Acharam de pronto um documento jurídico de erudição supimpa, na qual acusadores dum ex-presidente que era também um ex-operário citavam a parceria de dois filósofos alemães, Marx e Hegel, na autoria de escritos mui subversivos. Uma delas identificou, no douto parecer, um erro de ortografia de somenos importância no nome de um dos filósofos; no entanto, o que importava era a constatação de que na Bruzundanga se conhecia a excelsa filosofia teutônica. Logo adiante, eis que surge um provérbio popular: “Die dümmsten Bauern ernten die dicksten Kartoffeln”, que quer dizer mais ou menos o seguinte: “Os camponeses mais estúpidos colhem as maiores batatas”. Estupor geral. Todas gritaram ao mesmo tempo:  “Ao vencedor, as batatas!”, “Quincas Borba!”, “Machado de Assis!”. Atordoadas, porém de novo esperançosas, reabriram o grosso volume comentado das Memórias póstumas de Brás Cubas, o tratado-mór de sociologia bruzundanguense.

Machado de Assis, estudante de alemão, surrara o dicionário para ler o artigo do Der Spiegel e empacara numa passagem dele, na qual se dizia… As leitoras sabem alemão? Eu tampouco, mas aqui vai outra algaravia dos infernos: “ein großer Teil der brasilianischen Gesellschaft strukturell konservativ gesinnt ist”. Quer dizer, a “insurreição dos hipócritas” tornara-se possível devido ao apoio que recebera de parte da sociedade bruzundanguense “estruturalmente conservadora”. Num achado de endoidecer críticos literários de qualquer tempo, as historiadoras reconstituíram uma passagem riscada nos manuscritos das Memórias póstumas, em que Machado de Assis, num posfácio, afirmava que um de seus objetivos no volume fora destrinchar a ideologia da classe brascúbica, a base social dos insurretos da câmara baixa.

Foram vários dias de releitura lenta das Memórias póstumas, de insônia, de descobertas horripilantes, até que as historiadoras do futuro elaboraram um esquema das principais ideias do golpe de abril de 2016, conhecido nos anais históricos da Bruzundanga como “A Grande Usurpação”. Ficaram tão estupefatas com suas descobertas que decidiram escrever um livro sobre o tema. Aqui vai o breve roteiro dos capítulos, que me trouxeram em mãos:

Capítulo I: Misoginia. Nos capítulos iniciais das Memórias, Brás Cubas, o defunto autor, narra a sua própria morte. Num deles, “O delírio”, revela ao mundo as suas alucinações mentais nos instantes derradeiros. Montado num hipopótamo, Brás Cubas é forçado a viajar até “à origem dos séculos”. Após devorar muito caminho, o animal estaca numa imensidão branca e gelada, silenciosa como o sepulcro. Eis que surge “um vulto imenso, uma figura de mulher… fitando-me uns olhos rutilantes como o sol. Tudo nessa figura tinha a vastidão das formas selváticas, e tudo escapava à compreensão do olhar humano, porque os contornos perdiam-se no ambiente, e o que parecia espesso era muita vez diáfano”. A mulher diz se chamar “Natureza ou Pandora”, e completa em voz tonitruante, seguida de uma gargalhada fenomenal: “sou tua mãe e tua inimiga”. Em certo momento, afirma o narrador, Pandora “estendeu o braço, segurou-me pelos cabelos e levantou-me ao ar, como se fora uma pluma”. Indefeso, frágil, Brás implora pateticamente por um minuto a mais de existência. A grande mãe Natureza responde com um desdém do tamanho de todos os séculos: “Grande lascivo, espera-te a voluptuosidade do nada”. O temor visceral e primitivo de Brás pelas mulheres, o seu receio de ser dominado por elas, é metáfora da monomania ou patologia social da classe brascúbica diante de mulheres livres e insubmissas, como a presidenta da Bruzundanga. Desesperados, unem-se para combatê-la, como se vê pela súcia variadíssima de sujeitos engravatados e lúgubres sempre a cercar a presidenta. Será possível desenvolver o tema por meio do cruzamento de várias fontes, como, por exemplo, aquela faixa de uma manifestação popular: “Quando a mulher é livre, os marmanjos surtam”.

Capítulo II: Racismo. Brás Cubas se considerava o maior fodão com as mulheres (pedimos desculpas aos homens de épocas remotas da Bruzundanga, que sabemos mui recatados, mas não há jeito melhor de descrever as ilusões brascúbicas diante das personagens femininas). Uma de suas conquistas chamava-se Eugênia, “a flor da moita”. A menina era filha de dona Eusébia e de Vilaça, homem casado e sisudo (segundo O Sensacionalista, 97% dos parlamentares que citaram deus e a família em seus discursos de voto pró-impichamento têm amantes, alguns deles até mesmo concubinas teúdas e manteúdas), num caso extraconjugal que fora objeto de uma travessura de Brás na infância. Os namorados clandestinos trocaram um beijo atrás da moita, visto e denunciado pelo menino, dando a Brás a ideia da alcunha citada acima, de “flor da moita”, que atribuiu à pequena. Eugênia foi a única mulher por quem Brás teve uma inclinação séria, sentindo-se de fato ameaçado pela possibilidade de amá-la. Diante de semelhante perigo, o mancebo reage com determinação viripotente. Numa série de agressões, ele debocha do defeito físico da menina, que era um pouco coxa de nascença: “O pior é que era coxa. Uns olhos tão lúcidos, uma boca tão fresca, uma compostura tão senhoril; e coxa! Esse contraste faria suspeitar que a natureza é às vezes um imenso escárnio. Por que bonita, se coxa? Por que coxa, se bonita?”. Além da obsessão brascúbica com o belo feminino, que a passagem permite explorar, dela se segue o episódio do beijo de Brás em Eugênia, durante o qual o maganão pensa “na moita, no Vilaça, …a suspeitar que não podias mentir ao teu sangue, à tua origem”. Em ritmo vertiginoso de alusões irônicas, Machado de Assis faz com que Brás veja Eugênia, cujo nome significa “a bem-nascida”, como naturalmente inferior, logo imprópria para casar com ele, relacionando-a inclusive com uma borboleta preta que acabara de matar em seu quarto, a golpe de toalha: “Por que coxa, se bonita? Tal era a pergunta que eu vinha fazendo a mim mesmo ao voltar para casa, de noite, sem atinar com a solução do enigma. O melhor que há, quando se não resolve um enigma, é sacudi-lo pela janela fora; foi o que eu fiz; lancei mão de uma toalha e enxotei essa outra borboleta preta, que me adejava o cérebro”. A negritude da borboleta e o defeito físico da menina se articulam na cabeça de Brás, resultando no projeto de eliminação desse Outro indesejável ou incômodo. O tema está ligado a vários eventos contemporâneos da Bruzundanga, como a reação brascúbica às políticas de ação afirmativa e à vinda de médicos cubanos ao país. Ele pode ser explorado por meio da análise de muitas fotos e faixas de manifestações populares, como esta: “A casa grande surta, quando a senzala vira médica”.

Capítulo III: Privilégio e ódio de classe. Brás Cubas achava que a sua condição de proprietário de cousas e gente escravizada tinha origem na natureza, era assim porque tinha de ser. O seu filósofo preferido, Quincas Borba, resumiu certa vez o modo de ver o mundo da classe brascúbica, no que tange ao seu suposto direito natural de explorar o trabalho dos outros, em especial dos negros, para sempre. Ao almoçar, trinchando uma coxinha de frango, Quincas Borba diz assim: “Mas eu não quero outro documento da sublimidade do meu sistema, senão este mesmo frango. Nutriu-se de milho, que foi plantado por um africano, suponhamos, importado de Angola. Nasceu esse africano, cresceu, foi vendido; um navio o trouxe, um navio construído de madeira cortada no mato por dez ou doze homens, levado por velas, que oito ou dez homens teceram, sem contar a cordoalha e outras partes do aparelho náutico. Assim, este frango, que eu almocei agora mesmo, é o resultado de uma multidão de esforços e lutas, executados com o único fim de dar mate ao meu apetite”. Que maravilha! O mundo inteiro conspira para que o coxinha trinche a coxinha! A imagem se completa numa espécie de antropofagia de classe, pois a grã-finagem brascúbica, paradoxalmente, parece ter certo prazer mórbido na extinção daqueles cujo trabalho produz tudo o que podem usufruir. Quando dona Plácida, criada de Virgília, alcoviteira de seus amores com Brás, está à morte, Brás faz a seguinte reflexão: “Depois do almoço fui à casa de D. Plácida; achei um molho de ossos, envolto em molambos, estendido sobre um catre velho e nauseabundo; dei-lhe algum dinheiro… morreu uma semana depois. Minto: amanheceu morta; saiu da vida às escondidas, tal qual entrara”. Em seguida, Brás se pergunta se houvera alguma justificativa para a  existência de dona Plácida. Responde assim: “adverti logo que, se não fosse D. Plácida, talvez os meus amores com Virgília tivessem sido interrompidos, ou imediatamente quebrados, em plena efervescência; tal foi, portanto, a utilidade da vida de D. Plácida. Utilidade relativa, convenho; mas que diacho há absoluto nesse mundo?”.

Capítulo IV: Corrupção. Como é sabido, a classe brascúbica teve origem no maior caso de corrupção da história da Bruzundanga, cousa nunca jamais vista, antes ou depois em qualquer época, até o fim dos tempos. Nem o hipopótamo do delírio de Brás seria capaz de levá-lo a outras terras tão gélidas e sombrias. Mais de setecentos e cinquenta mil africanos foram escravizados ilegalmente e introduzidos no país por contrabando entre 1831 e 1850. A expansão do café, donde vem a riqueza brascúbica, surgiu da exploração do trabalho dessa gente criminosamente escravizada. Segundo a Federação das Indústrias da Tucanolândia (província mais rica da Bruzundanga), em informação que oferecemos aqui num furo de reportagem histórica, “O país tem o dever moral, político e econômico de aprofundar ações afirmativas destinadas a reparar esse crime contra a humanidade. Todos os nossos recursos ficam doravante à disposição do Estado bruzundanguense para tal fim”. Apesar desse fato novo e alvissareiro, Machado de Assis demonstra, em sua obra seminal, que a classe brascúbica tem o costume de perdoar os atos de corrupção em suas fileiras. No romance, a personagem do traficante de escravizados é simbolizada pela figura de Cotrim, cunhado de Brás, torturador de africanos. No entanto, Brás se mostra bastante compreensivo com o seu parente: “Como era muito seco de maneiras, tinha inimigos, que chegavam a acusá-lo de bárbaro. O único fato alegado neste particular era o de mandar com frequência escravos ao calabouço, donde eles desciam a escorrer sangue; mas, além de que ele só mandava os perversos e os fujões, ocorre que, tendo longamente contrabandeado em escravos, habituara-se de certo modo ao trato um pouco mais duro que esse gênero de negócio requeria, e não se pode honestamente atribuir à índole original de um homem o que é puro efeito de relações sociais. A prova de que o Cotrim tinha sentimentos pios encontrava-se no seu amor aos filhos, e na dor que padeceu quando lhe morreu Sara, dali a alguns meses; prova irrefutável, acho eu, e não única. Era tesoureiro de uma confraria, e irmão de várias irmandades…”. A última frase é promissora, pois indica uma relação íntima entre corrupção e instituições religiosas.

Capítulo V: Desfaçatez. Ah, que tema inesgotável! Já escrevemos sobre ele. Todavia, não há como resistir aos fatos recentes, desta semana mesmo, logo em seguida à votação do impichamento da presidenta na casa baixa do parlamento. Observadores externos à Bruzundanga, finalmente atentos aos sentidos profundos do que acontece no país, ficaram alarmados com o desfile de nulidades parlamentares do último domingo, a votar em nome do pai, do filho e do espírito… Machado de Assis, noutro texto que ainda teremos de estudar a fundo, interpretou o episódio como manifestação da “Igreja do diabo”, sugerindo pois que havia naquilo o espírito de Satanás. A repercussão de tal pândega lá fora provocou a ida imediata ao exterior dum aliado d’O Grande Usurpador, alcunha popular do vice-presidente da Bruzundanga. Que espetáculo curioso, ver aquele sujeito do partido da ave de bico comprido, representando o vice-presidente do partido que está sempre no poder (apesar de nunca ter ganho eleição para presidente), mui perfumado, engomadinho, respeitabilíssimo, a explicar para o Tio Sam que o ovo não é um ovo e que o círculo é quadrado. Provocou hilaridade em uns, e noutros aquele sentimento da vergonha alheia. Que situação! O importante, todavia, é tentar manter as aparências. O pai de Brás Cubas disse certa vez ao filho: “Teme a obscuridade, Brás; foge do que é ínfimo. Olha que os homens valem por diferentes modos, e que o mais seguro de todos é valer pela opinião dos outros homens. Não estragues as vantagens da tua posição, os teus meios…”. Que divertida a percuciência machadiana! Privilégios da “posição”, dos “meios”, valimento pela opinião dos outros… Dizem que Machado de Assis escreveu essas linhas inspirado num documento histórico curiosamente chamado “Uma ponte para o futuro”, que, dizem, foi o GPS utilizado por aquele hipopótamo do delírio, a galopar com Brás de volta ao passado mais longínquo.

As historiadoras terminaram o roteiro de seu livro horrorizadas: misoginia, racismo, ódio de classe, corrupção, desfaçatez. De fato, “ao vencedor, as batatas”. Fica melhor em alemão: ” Die dümmsten…” (o resto como apareceu acima).

P.S.: Agradeço ao meu Bruder baiano, João Reis, por sugerir a leitura da matéria do Der Spiegel e por me enviar o provérbio alemão.

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